A propósito do vigésimo aniversário do Centro Cultural de Belém tem havido várias manifestações, nos media ou por outras formas, de autocomprazimento narcísico e de autocontentamento de circunstância. Simultaneamente, com o argumento da indubitável qualidade arquitectónica do edifício, da forma como se integrou na paisagem e de algumas realizações culturais positivas ali ocorridas durantes estes anos, são considerados “velhos do Restelo” os que exprimiram críticas quanto à sua construção.
Essas críticas foram de diverso teor, havendo, por exemplo, as que se referiam à arquitectura e à localização. No que me concerne, tendo na altura responsabilidades na área da cultura da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS e depois no Grupo Parlamentar do mesmo partido, fui um dos porta-vozes das que diziam respeito à génese, indefinição quanto à natureza do projecto e à gestão orçamental da obra. Todas as intervenções feitas a propósito tendo sido baseadas em informações confirmadas que nos iam chegando a partir de fontes fidedignas. Hoje voltaria a repeti-las, pois, no meu entender – porventura démodé e pouco people – governantes, e outros responsáveis políticos, não podem nem devem tomar decisões que impliquem aumentar a despesa pública e encargos futuros, com a ligeireza de novos-ricos preocupados sobretudo com o espavento, os dividendos imediatos ou, quais déspotas esclarecidos, com a “glória” póstuma aos olhos dos que virão.
Convém recordar que, inicialmente, pretendia-se construir um edifício destinado a albergar, condignamente, as reuniões da primeira presidência europeia assumida por Portugal. Porém, de modo voluntarista, derivou-se para um ambicioso complexo que conteria cinco módulos, neles havendo um com uma valência de ópera, entre outros equipamentos culturais. Nunca se conseguiu saber, por exemplo, que entidade tomou a decisão, técnica e financeiramente relevante, da introdução dessa valência, e qual o suporte administrativo-legal de tal decisão.
Em consequência dessas e de outras alterações, o projecto foi evoluindo ao ritmo a que evoluía a obra, com adaptações permanentes que obrigavam ao recurso a ajustes directos, a encomendas e opções de emergência que inflacionavam os custos, dada a necessidade de cumprir os prazos muito precisos (não se podia adiar o compromisso europeu). Explica-se, assim, que, por fim, o erário público tenha pago uns 40 milhões de contos, quando o primeiro orçamento era de cerca de 6 milhões. E mesmo assim dois dos módulos previstos não chegaram a ser construídos.
Acresce que não foi pensado, previamente, o que dali se iria em concreto fazer, satisfeito o objectivo conjuntural, nem como se iria financiar, programar e dinamizar, de forma consistente, todo o edifício. O que explica episódios como o do controverso acordo estabelecido para o depósito da chamada “colecção Berardo” e o subaproveitamento crónico das instalações e equipamentos por insuficiência orçamental. Recorde-se, ainda, só falando do espectáculo operático , que foi por essa mesma altura – eram responsáveis pela pasta da Cultura Teresa Patrício Gouveia e depois Pedro Santana Lopes – que se acabou com a companhia residente e se entrou numa via de crescente atrofiamento do Teatro de São Carlos, hoje reduzido a uma actividade e a temporadas sem equivalente mesmo numa pequena capital de província de qualquer país culturalmente desenvolvido.
Comemorar os vinte anos de existência do CCB em plena situação de dramática crise social, económica e financeira, sem admitir a gravidade de tal exemplo de derrapagem ( na altura auditada e condenada pelo Tribunal de Contas), é obsceno. É pactuar com a incompetência e falta de sentido de Estado de governantes useiros e vezeiros em agir no curto prazo, acima das reais possibilidades do país , ao sabor de tácticas conjunturais e de grupos de interesses. Inclusive no que concerne à política cultural.
Já agora refira-se que era primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, o tal economista que não é político e que – parafraseando Pessoa – diz perceber de Finanças, mas não consta que tenha biblioteca.