RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Uma conversa com Jacques Sapir (1/2) : a crise de Chipre e as suas consequências – I

29 Março de  2013

Texto enviado por Philippe Murer,  Membre du bureau du Forum Démocratique,

Président de l’association Manifeste pour un Débat sur le libre échange

http://blogdenico.fr/entretien-avec-jacques-sapir-12-la-crise-a-chypre-et-ses-consequences/

chipresapir - I

Posted on 26 mars 2013 |

Esta semana, uma nova entrevista exclusiva para o blog, com o economista Jacques Sapir, que pudemos encontrar esta tarde para que ele nos precisasse o seu ponto de vista sobre a crise Europeia. Verdade seja dita, esta entrevista estava agendada desde há algumas semanas, bem antes da eclosão da crise cipriota, e eu tinha planeado discutir amplamente a situação na zona euro e as alternativas que se nos oferecem face às políticas actuais. Nós, na verdade, fizemo-lo e este será o tema da segunda parte da entrevista que iremos publicar em breve, mas primeiro passamos algum tempo à volta da ilha de Chipre, este pequeno país de que todos nós nos lembramos apenas que tinha entrado na zona euro em 2008… e que faz tremer a Europa desde 10 dias! A ocasião era mesmo adequada para falar com Jacques Sapir, porque para além do seu trabalho sobre o euro ou a desglobalização,  Sapir também é um grande especialista sobre a Rússia. Nesta primeira parte, ele retoma, portanto, o plano B que foi adoptado no domingo, disseca-o e critica-o em certos dos seus aspectos mais violentos…Ao mesmo tempo que se reconhece que este segundo plano é melhor que o primeiro, que tributava todos os depositantes. O seu grande temor assenta sobre a fuga de capitais, que parece ter havido antes da aprovação deste plano, através das filiais de banco cipriotas e que pode resultar na impossibilidade de Chipre recuperar o valor global previsto de 5,8 mil milhões. Ele também mencionou o risco de propagação da crise noutros países semelhantes, como a Eslovénia ou Malta, e finalmente mostra-se muito preocupado com a gravidade da crise na Itália.

Nico: Na sua opinião,  a crise que se desenrola desde há 10 dias em Chipre pode ser considerada como terminada e devemos finalmente até ficar contentes com este segundo plano adoptado ?

Jacques Sapir: Em primeiro lugar, é muito sintomático que um país cujo PIB representa apenas 0,2% do PIB na zona euro, possa causar este abalo generalizado em toda a zona. Isto significa que a zona euro está num estado de extrema fragilidade, e que a crise está muito longe de poder ser considerada como terminada.

O plano que foi aceite pelas autoridades cipriotas na noite de domingo para segunda‑feira é certamente uma melhoria sobre o primeiro plano no sábado, dia 16 de Março, mas continua a ser muito problemático. Isto pode ser visto como um progresso, porque o que se chamam os pequenos depositantes,  a maioria da população do Chipre, vão continuar a ser poupados na tributação sobre os seus depósitos pois só serão tributados os depósitos além de 100 000 euros. Sabe-se que neste plano está previsto de facto encerrar um banco, Cyprus Popular Bank, transferir os depósitos de menos de 100.000 euros para o banco de Chipre, que vai ser nacionalizado e, neste momento, de aplicar um imposto relativamente bem mais elevado, oficialmente de 30%, provavelmente muito mais, sobre os depósitos superiores a 100 000 euros dos dois bancos. Há pois a protecção dos pequenos depositantes e, portanto, algo de muito positivo relativamente ao primeiro plano.

chipresapir - II

Nico: Mas o tempo decorrido entre os dois planos causou danos provavelmente irreversíveis em diversos sectores. Que acha?

Jacques Sapir: Certo, o primeiro dano e que é o mais evidente é o dano em termos da confiança. A confiança bancária já não existe em Chipre e esta passou a estar seriamente em questão numa série de países do Sul da Europa.

O segundo dano tem a ver com a avaliação do dinheiro que resta nos dois bancos de Chipre. Para retomar um pouco do cenário, os bancos foram fechados na semana passada, e o BCE colocou um bloqueio monetário sobre Chipre para evitar a fuga de capitais. Mas percebe-se depois que o encerramento se aplicava somente aos bancos de Chipre e não se aplicava às filiais destes bancos, que podem existir em Londres, na Rússia ou em outro qualquer lugar. Estas filiais continuaram as suas operações e esquemas financeiros extremamente simples permitiram visivelmente fazer sair somas muito importantes de Chipre. Ainda não há precisões quanto a estes valores mas eles são já estimados até agora, de acordo com as minhas fontes em Londres e da Rússia, entre 4 e 8 mil milhões de euros. Concordo inteiramente que estas são estimativas que podem ser frágeis, pois podemos estar a tratar de somas que tanto poder como 10 ou 2 mil milhões de euros no final. Mas, muito claramente, serão somas significativas que terão assim fugido de Chipre.

Sabe-se também que o BCE, sob a pressão da Rússia, teve de permitir certas operações aos bancos cipriotas, particularmente aquelas consideradas necessárias para garantir que as empresas pudessem continuar a operar, mas verificou-se que as necessidades de moeda expressas foram largamente superiores neste período de bloqueio do que o foram em períodos de funcionamento normal nestas mesmas empresas.

Portanto, é de recear que, quando forem feitas as contas do que resta nestes dois bancos, a conta não esta lá! E que o governo de Chipre esteja na impossibilidade de encontrar os 5,8 mil milhões de euros que ele planeou extorquir aos depósitos bancários. Nesse momento, recomeça-se então do zero e será então necessário renegociar um novo plano europeu e a Europa certamente terá de lhes emprestar o dinheiro.

Nico : Será que o facto de se estar a adiar sucessivamente o dia de reabertura de bancos em Chipre está a confirmar essa análise?

Sapir : Sobre o facto de que a crise de confiança pode causar um pânico bancário em Chipre e que uma fuga significativa de capitais tenha ocorrido,  sim, isso é óbvio. Além disso, há ainda um outro aspecto do plano que irá ter repercussões, é o facto de que se trata as contas de pessoas singulares e colectivas, ou seja, as contas dos indivíduos e das empresas, exactamente da mesma maneira. Isto coloca um problema sério, porque a tesouraria das empresas será extorquida e há já empresas russas que trabalham com bancos cipriotas já  a anunciarem que vão recorrer aos tribunais, desencadeando processos judiciais contra o governo de Chipre.

Estes procedimentos podem ser realizados no quadro do direito cipriota, do direito russo, do direito europeu ou até mesmo do direito internacional.

Certo, estamos face a problemas jurídicos relativamente complexos,  que mostram claramente que neste plano nada terá sido resolvido. Com o que foi feito,  o que se fez, foi inquietar fortemente as populações da Europa e, por último, devemos perguntarmos-nos senão mesmo a nível mais geral na zona euro . É muito claro na minha opinião que devemos admitir que muitos fundos depositados actualmente em contas na zona euro irão deixar esta área e que além disso, dentro da própria zona euro, vai-se ampliar o mecanismo que vê os depositantes ou as empresas transferirem as suas contas dos países do Sul para os países que lhes parecem seguros. Isto é, falamos essencialmente da Alemanha.

Sabe-se também que o BCE, sob a pressão da Rússia, teve de permitir certas operações aos bancos cipriotas, particularmente aquelas consideradas necessárias para garantir que as empresas pudessem continuar a operar, mas verificou-se que as necessidades de moeda expressas foram largamente superiores neste período de bloqueio do que o foram em períodos de funcionamento normal nestas mesmas empresas.

Portanto, é de recear que, quando forem feitas as contas do que resta nestes dois bancos, a conta não esta lá ! E que o governo de Chipre esteja na impossibilidade de encontrar os 5,8 mil milhões de euros que ele planeou extorquir aos depósitos bancários. Nesse momento, recomeça-se então do zero e será então necessário renegociar um novo plano europeu e a Europa certamente terá de lhes emprestar o dinheiro.

(continua)

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