Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Maternidade de Port-Royal: como se fabricaram as fábricas de bebés
CLOTILDE CADU – MARIANNE
CLOTILDE CADU- Jornalista responsável pelas questões de saúde
Reestruturações, encerramentos e fusões de maternidades, que se traduziram por importantes supressões de postos de trabalho e pela criação de superestruturas, é para tudo isto que se aponta o dedo no rescaldo da tragédia de Port-Royal.
Porque é que uma mulher que terá chegado ao fim da gravidez não foi aceite na maternidade de Port-Royal em Paris (Paris 14)? Segundo os primeiros elementos da investigação administrativa, conduzida pela Assistência Pública –Hospitais de Paris (PHP), os efectivos de pessoal de cuidados de saúde, pessoal médico e paramédico estavam completos e o número de leitos era suficiente para responderem a uma emergências. O pessoal da unidade hospitalar, incluindo o chefe da maternidade, contudo, afirmou que o serviço estava saturado.
A situação da mulher não foi, ao que parece, considerada urgente. Será que houve um erro ao não a aceitarem? A direcção AP – HP não está ela a ser sujeita a uma série de incidentes dramáticos dentro das suas instituições (uma octogenária encontrada morta de frio, nos jardins do Hôpital Sainte-Perine, um suicídio de um auxiliar de apoio aos doentes em Robert-Debré…)? Uma investigação mais aprofundada irá fornecer respostas às questões que se colocam hoje.
“Não se trata de uma questão de procurar bodes expiatórios entre os funcionários”, garante Christophe Prudhomme, médico dos serviços de urgência e porta-voz da CGT-saúde e da associação de médicos de emergência da França (AMUF). “O drama de Port-Royal, é a crónica de um acidente anunciado,” continua o sindicalista, denunciando uma crónica falta de recursos nos hospitais obrigados a procederem a cortes em nome da eficiência. Para lá deste caso, é talvez a necessidade de um inquérito parlamentar sobre a política perinatal que se impõe agora.
Sub-efectivos crónicos
As reestruturações hospitalares que desde há cerca de vinte anos remodelam a carta sanitária de França assim como a falta de pessoal e de recursos humanos pesa fortemente na tragédia. Mesmo se, como diz o PHP, os efectivos estavam completos em Port-Royal no dia do acidente (mas se estavam completos estavam-no de acordo com que norma?), à custa de racionalização e de reagrupamentos, os serviços hospitalares estão cronicamente numa situação de sub-efectivos. Os esforços orçamentais têm-se traduzido pela supressão de postos de trabalho e, portanto, pela redução de camas, pela falta de pessoal disponível. Resultado: um excesso de trabalho para o pessoal médico e para o pessoal dos cuidados de saúde, e pelo lado dos pacientes, há cada vez mais pacientes a terem dificuldades em encontrar lugares nos hospitais.
Em Paris, encontrar um lugar na maternidade tornou-se quase tão complicado como conseguir um lugar numa creche. Em nome da racionalização da prestação de cuidados, as ‘pequenas’ estruturas foram fundidas. Na maternidade de Port Royal, super-estrutura muito recente, novinha em folha, aberta há menos de um ano antes, é o resultado do reagrupamento de três maternidades. Mais de 100 leitos de Obstetrícia e de 40 em Ginecologia estão disponíveis; mais de 5.000 bebés aí nascem anualmente. Os pacientes são mulheres do bairro ou das redondezas, a proximidade obriga, mas não só. Outras futuras mães vêm de mais longe, atraídos pela modernidade e pela boa reputação do estabelecimento ou forçadas a deslocarem-se até 14º Bairro, por falta de maternidade perto das suas casas, às vezes localizada nos subúrbios.
Face à afluência, quase que forçadas a fazer mais partos e a reduzir o tempo de permanência dos pacientes, os serviços estão a trabalhar para lá dos seus próprios limites, em sobre-actividade. “Os acontecimentos dramáticos como o acontecido em Port Royal são, infelizmente, previsíveis”, disse um médico do PHP, ele próprio a sentir a mesma pressão no seu serviço. Já ocorreram outros acidentes, no mesmo estabelecimento. No ano passado, foi deixada sozinha num quarto uma mulher deu à luz sozinha e o seu filho caiu no chão – felizmente sem gravidade. Ontem, uma paciente manifestou a sua intenção de fazer uma queixa contra esta estrutura depois de uma morte in utero em 2011.
Num contexto de restrições orçamentais e de racionalizações sobre a saúde, o drama de Port-Royal, como em cada drama médico, relança o debate sobre a manutenção das maternidades e dos hospitais de proximidade. No entanto, seria errado acreditar que uma malha mais apertada em todos os departamentos evitaria mortes. As instituições que praticam pouco são perigosas para os pacientes. Mas é claro que somos levados obrigatoriamente também a verificar que à custa de se levar esta lógica de eficiência e de produtividade até ao absurdo, “as fábricas de bebés” podem-se também elas igualmente transformar em lugares do absurdo .