POESIA AO AMANHECER – 237 – por Manuel Simões

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ALEXANDRE PINHEIRO TORRES

( 1923 – 1999 )

FALA COM O MAR PELO NASCER DO DIA

(fragmento)

Venho olhar a tua quinta

que é esta longa seara

de pedra. E vejo ainda

desarmada a mão avara

que vai disparar a bala

rente ao ouvido da Manhã.

A luz da aurora é a fala

duma língua temporã

que primeiro nada lavra

e é uma charrua de tábua,

mas quando se faz palavra

é um pomar a tua água.

Chego-me para olhar a quinta

como se olhá-la adubasse

essa terra tão faminta

da clareza da sintaxe.

Vê agora a tua mesa

se é que a luz ainda por vir

te deixa ver a portuguesa

maneira de a servir.

O que nela se nos dá

sobre a ausência da toalha

é a pedra que aqui há

como única vitualha.

(…)

(de “Ilha do Desterro”)

Foi professor, proibido de ensinar em Portugal por ter pertencido ao júri que atribuiu o prémio a “Luuanda”, de Luandino Vieira. Foi então para o Brasil e depois para Cardiff, onde faleceu. Ensaísta, foi durante a década de 60, na página literária do “Diário de Lisboa”, o mais influente crítico de posição neo-realista. Além de autor de romances e contos, a poesia é parte importante da sua obra: “Novo Génesis” (1950), “A Voz Recuperada” (1953), “Ilha do Desterro” (1968), “A Terra do meu Pai” (1972), “O Ressentimento dum Ocidental” (1981), “Trocar de Século” (1995).

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