“MEMÓRIAS DE CÁRCERE”, DE GRACILIANO RAMOS – por Carlos Loures

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Foi em 1960, salvo erro,  que comprei os volumes de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, por 180 escudos (conservo o preço escrito a lápis no anterrosto do primeiro volume). É uma segunda edição da obra autobiográfica do grande escritor brasileiro, da Editora José Olympio, do Rio de Janeiro, datada de 1954. Acabada a primeira leitura, encomendei a robusta encadernação que permite que, cinquenta anos decorridos a obra, tantas vezes lida, continue em muito bom estado.  Imagem1

 Graciliano Ramos( 27/10/1892 —20/03/1953) foi um dos maiores escritores brasileiros do Século XX. Em 1936 publicou Angústia e em 1938 Vidas Secas. Das viagens a países europeus, resultou Viagem (1945). No mesmo ano publicou Infância, relato autobiográfico. Em 1953 seria publicado postumamente Memórias do Cárcere. Por muitos é considera a sua obra capital.

 A narrativa de Graciliano começa explicando por que, dez anos após a ocorrência dos factos, se resolveu a contá-los, confiando apenas na memória, pois não conservava notas. Com a grande honestidade intelectual que o caracterizava, esclarece também que não foi o DIP, a políicia política, que o impediu, pois durante a ditadura do Estado Novo nunca houve censura prévia, embora se tenham feito autos-de-fé com algumas obras. E dadas as explicações que lhe pareceram necessárias, inicia o relato, recuando a 1936 quando, funcionário da instrução pública em Alagoas, começou a receber misteriosos telefonemas com veladas ameaças. Em 1935 houvera a Intentona Comunista e Getúlio Vargas aproveitara essa conspiração para espalhar o pânico e capitalizar o temor dos privilegiados. Em 30 de Setembro de 1937, quando faltava pouco para as eleições presidenciais marcadas para Janeiro de 1938, denunciou a existência de um suposto novo plano comunista para tomada do poderem e desencadeou a sua «revolução» filofascista. Foi neste período em que se cozinhava o golpe getulista que Graciliano foi preso.

É uma obra que nos permite compreender os motivos que conduziram ao golpe de 1937, quando numa declaração à Nação, Getúlio Vargas diz que «Atendendo ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de carácter radical e permanente»;. Graciliano foi , tal como tantos outros, preso, acusado de um eventual envolvimento político, exagerado depois do pânico insuflado com a chamada Intentona Comunista, de 1935. A acusação formal nunca chegou a ser feita, mas Graciliano é demitido e preso. No Recife é, com outros 115 presos políticos, embarcado no navio «Manaus» com destino ao Rio. Passa pelo Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, pela Colónia Correcional de Dois Rios (na Ilha Grande), regressa à Casa de Detenção … É libertado em Janeiro de 1937. Memórias do Cárcere são o testemunho desses atormentados dez meses de prisão.

Graciliano Ramos, fala no seu dia-a-dia de prisioneiro, das celas insalubres, da comida repugnante, da boçalidade dos carcereiros… Mas refere também outro tipo de acontecimentos – torturas infligidas a presos e a entrega pela polícia brasileira à Gestapo de Olga Benário Prestes (Munique, 12 de Fevereiro de 1908 — Bernburg, 23 de Abril de 1942), a jovem alemã, de origem judaica, companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes. Viria a ser executada pelos nazis. A ditadura de Getúlio Vargas e do sinistro coronel Filinto Müller, semeava terror entre os antifascistas. O relato de Graciliano é um dos mais impressivos libelos contra o curioso prestígio que o getulismo obteve em alguns círculos políiticos e intelectuais. Dentro e fora do Brasil.

É uma obra apaixonante que Graciliano não terminou, pois falta um último capítulo – internado no princípio de 1953, morreria em 20 de Março de 1953, vitimado por um cancro pulmonar.

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