A BATALHA DE ALJUBARROTA, ENCRUZILHADA DA HISTÓRIA – 1 – por Carlos Loures

No próximo dia 14 de Agosto, passa o aniversário da Batalha de Aljubarrota. Foi um cliché recorrente da propaganda da ditadura e, como tal, desvalorizou-se no imaginário colectivo. O mesmo aconteceu com a gesta dos Descobrimentos. Porém, nem tudo o que o Estado Novo usava como argumento deve ser posto de lado. A Batalha de Aljubarrota constituiu um momento-chave na luta pela afirmação de Portugal como nação independente. Se tivéssemos sido derrotados, estaríamos, como galegos, catalães e bascos, integrados no Estado espanhol. Por vezes, os amigos dessas nacionalidades oprimidas e aculturadas, referem a circunstância de termos escapado ao domínio castelhano como mera casualidade. Não foi tal. A independência, como por aqui dizemos, não nos saiu na Farinha Amparo. E quando a perdemos, houve um sentido profundo, enraizado no povo, que possibilitou que, durante quase três décadas, aguentássemos uma guerra e dela saíssemos vitoriosos. Aljubarrota foi uma encruzilhada da História em que muita coisa se decidiu.

No estado vizinho, Aljubarrota é subestimada – nos compêndios de História oficial ou é ignorada ou é referida em poucas linhas. Um historiador dizia-me há tempos que investigara o impacto da derrota na sociedade castelhana de finais do século XIV. E segundo uma fonte primária, a nobreza castelhana foi duramente atingida – poucas famílias houve que não chorassem filhos mortos; havia numeroso velhos de longas barbas e vestidos de negro, em sinal de luto por jovens caídos em Aljubarrota.

Num texto e aberto às correcções que pessoas mais qualificadas entendam fazer, vou tentar num punhado de artigos, recordar aspectos essenciais do contexto histórico em que a Batalha de Aljubarrota teve lugar, as causas que a determinaram e os efeitos que assumiu no futuro da nação portuguesa. Não se espere encontrar aqui teses novas. Limitei-me a recolher consabiddos dados. Se refrescar memórias, terei cumprido o meu objectivo.

 Os antecedentes

 

1.   As guerras fernandinas

Portugal era independente desde… desde quando? Em 1121, D. Teresa começou a intitular-se rainha. Em 1125, D. Afonso Henriques, com 14 anos, armou-se cavaleiro a si mesmo, como era privilégio dos reis. Mas, mãe e filho, queriam independências diferentes. D. Teresa, rodeada de nobres galegos, amante de um deles, Fernão Peres, visava uma autonomia com ampla influência dos barões galegos; o filho pretendia que o condado passasse a ser um reino gerido por portucalenses e com um soberano indiscutível – ele. O impasse foi resolvido numa Batalha de São Mamede que historiadores há que consideram ter sido um mero torneio ou uma escaramuça. Foi em 1128. Vitorioso, o jovem Afonso, passou a assinar os documentos apondo ao nome a designação de rei e não a de conde. Após a Batalha de Ourique, em que venceu um contingente muçulmano, proclamou-se rei de Portugal e como tal foi aclamado. Estava-se em 1139. Em 1143, o Tratado de Zamora, assinado por Afonso I de Portugal e por seu primo Afonso VII de Leão e Castela. O papa Inocêncio II declarou Portugal tributário da Santa Sé e em 1179, o papa Alexandre III, na bula Manifestis Probatum, reconhecia Portugal como estado soberano, independente e protegido pela Igreja. Há, pois, várias datas que podem ser consideradas como do começo da vida de Portugal como estado independente – de 1125 a 1179. 1139 é a mais consensual. E quando, dois séculos depois, em 1367,  D. Fernando,  subiu ao trono, encontrou um reino consolidado, com um povoamento  e uma situação económica razoáveis. Foi o nono rei de Portugal pertencente à dinastia fundacional, a de Borgonha.

Em Castela, em 1369, Pedro I de Borgonha foi assassinado pelo meio-irmão Henrique, duque de Trastâmara. Uma feroz luta dinástica era desencadeada. O rei português cometeu o erro fatal de se envolver nessa luta, influenciado pela rainha Leonor de Teles e pelo seu valido, o conde Andeiro,, apresentando-se como pretendente ao trono castelhano. Três guerras, as chamadas «guerras fernandinas», entre 1369 e 1382, depauperaram o tesouro e conduziram a uma situação de tal modo precária que deu margem de manobra pare  Leonor Teles, o conde João Fernandes Andeiro e alguns nobres fossem de opinião que uma união com Castela, com um soberano comum,  seria a solução para pôr termo ao secular conflito entre os dois reinos, Após a morte de D. Fernando, a Aleivosa, como era conhecida Leonor de Teles, regente do reino, e o Andeiro patrocinaram  a assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos, em  Abril de 1383. Estipulava o casamento de D. Beatriz,  filha de D. Fernando e de Leonor Teles, com Juan I de Castela. E definia que Leonor Teles, após a morte de D. Fernando, seria  regente de Portugal até que D. Beatriz tivesse um filho varão e este atingisse os 14 anos. O trono português seria pois ocupado pelos descendentes de  Juan I, passando a capital dos reinos para Toledo. O casamento da infanta com o rei castelhano ocorreu em Maio de 1383 e D. Fernando morreu em Outubro do mesmo ano. Leonor Teles e o Andeiro, a regente e o seu valido, prepararam-se para aplicar o que ficara definido no Tratado de Salvaterra de Magos e hipotecar a independência de Portugal.

Após a morte de D. Fernando, tornou-se o principal valido e conselheiro de D. Leonor. Entra então nesta conturbada cena, uma nova personagem – o infante D. João.

(Continua)

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