INVENÇÃO DE ORFEU, DE JORGE DE LIMA – por Manuel Simões

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Depois de um poema de Sílvio Castro e de um conto de Ethel Feldman, publicamos hoje um pequeno texto de Manuel Simões apresentando um poema de Jorge de Lima. Os colaboradores da edição de dia 7 de Setembro, vão aparecendo aqui neste espaço das nove horas. E hoje teremos uma prenda adicional – Também de Jorge de Lima, vamos ouvir o grande João Villaret, cujo centenário se celebrou este ano, dizer “Essa negra Fuló”.

Por aí começamos.

O grande poeta Jorge de Lima (1895-1953), o mesmo da conhecida micro-história da escravidão, “Essa negra Fuló”, escreveu o monumental e complexo poema “Invenção de Orfeu” (1952), dividido em X Cantos de diversa medida e métrica, com alguns episódios de influência camoniana. No Canto I (“Fundação da Ilha”) o poema alude a acções que se prendem com o achamento e posterior colonização do Brasil, tendo em consideração autores e obras que aos eventos se referiram. Aqui se transcreve parte do poema XXXII desse primeiro Canto:

           

INVENÇÃO DE ORFEU

           

             Esquecidos dos donos, nós os bastos,

            nós os complexos, nós os pioneiros,

            nós os devastadores e assassinos,

            vamos agora fabricar o índio

            com a tristeza da mata e a fuga da

            maloca, com a alegria de caçar.

 

            Vamos dar-lhe paciência de amansar

            os bichos, de juntar as belas penas,

            raízes, frutos; vamos abalar

            com ele o chão da maloca, batucando.

            Essa terra dançada, D. Manuel,

            de ponta a ponta é toda de arvoredos.

 

            É toda de arvoredos e de ar bom,

            como o ar bom de Entre-Douro-e-Minho, e as águas

            são muitas, infinitas, tudo dando,

            dando peixe, lavando a carne nua,

            lambendo os pés  da selva embaraçosa,

            a feição é ser parda, bons narizes.

 

            (…)

            Eu índio diferente, mau selvagem,

            bom selvagem nascido pra o humanismo,

            à lei da natureza me despindo

            com pilotos e epístolas, cabrais,

            navegações e viagens e ramúsios,

            santas-cruzes, vespúcios, paus-brasís.

 

 

           

           

 

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