JÚLIO CÉSAR MACHADO – 2 – Histórias de Suicídios Famosos em Portugal – por José Brandão

(Continuação)

Ao longo da sua vida, Júlio César Machado deixaria uma imensa colaboração dispersa por jornais e revistas como a Revista Universal Lisbonense, o Diário de Notícias, o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, a Revista Ocidental, a Ilustração Portuguesa e o Eco Literário, de que foi co-fundador, em 1886, entre muitos outros. Muitos dos seus folhetins e crónicas de viagem seriam reunidos em volume.

Crítico de teatro durante muitos anos, «sempre de luva de pelica, com o sorriso nos lábios, mas ensinando o bom caminho a escritores e artistas», no dizer de Sonsa Bastos, Júlio César Machado biografou alguns dos mais notáveis artistas da sua época: Tasso, Taborda. Josefa Soller, Isidoro e Sargedas, os mais dos textos saídos na «Galeria Artística/Colecção de Biografias de Actores e Actrizes Portuguesas», da Livraria de A. M. Pereira.

Júlio César Machado escreveu ficções, viagens, comédias e chegou a abordar a comédia-drama. Porém, ontem, como agora, escrever para o teatro não seria uma actividade muito gratificante do ponto de vista financeiro, e o talento dispersou-se-lhe por outros géneros, especialmente o folhetim. Mesmo assim, deixou-nos as peças Amigos… Amigos, provérbio em um acto, O Tio Paulo, drama em três actos escrito expressamente para o Teatro das Variedades e para o cómico Isidoro, cuja biografia publicara em 1859, O Anel da Aliança, comédia em um acto, Amor às Cegas, comédia em um acto levada à cena, aliás com muito sucesso, no Teatro D. Maria II, e Primeiro Deter, comédia-drama em três actos, de parceria com Alfredo Hogan, que Sousa Bastos verbera por ter escrito precipitadamente todas as suas peças, mais interessado na edição que na representação. Outras comédias da sua autoria, no entanto, foram representadas, mas nunca impressas. É o caso de Antes das Eleições e Depois das Eleições, ambas levadas à cena no Trindade.

Estimado e festejado por todos, Júlio César Machado era um «coração de ouro». Camilo Castelo Branco, de quem fora amigo toda a vida — desde o dia em que o visitara na Rua do Ouro, numa dessas estadas lisboetas do romancista, quando este escrevia Anátema — não ocultava o que lhe parecia um «vazio» nos seus escritos: «minguavam em crítica, doutrina, conselho e ensinamento», mas, acrescentava, «essa falta não há-de arguir ao entendimento de Júlio César Machado é uma virtude nele, bondade do seu coração».

Frequentador dos teatros e visita dos camarins, dedicou muitos anos da sua vida a estudar e analisar o fenómeno teatral e conheceu todos os grandes e pequenos artistas do seu tempo.
«Quando, em 1857, a cólera caiu sobre Lisboa, escreve, em tanta maneira foi cortês para com as classes altas, que não atacou senão os pobres. Sucedia-me nessa ocasião uma pequena contrariedade, difícil de vencer — a de estar pobríssimo. Era tradutor do Teatro do Ginásio; dirigia a secção literária de um jornal, Doze de Agosto e era revisor da Revista Universal Lisbonense… Mas, logo que rompeu a cólera, o Teatro do Ginásio fechou, o jornal Doze de Agosto parou, e a Revista Universal Lisbonense morreu. Não se apresentava de um modo propriamente risonho o horizonte, para mim.»

É nessa altura que, apertado pela necessidade, inicia os seus famosos folhetins na Revolução de Setembro, onde substituiu Lopes de Mendonça, que trocava o jornalismo pela política. E o jornal esgotava-se às terças-feiras ou seja cada vez que o seu nome aparecia impresso como autor. Com pseudónimo — chegou a usar simplesmente Carolina! — o êxito era o mesmo, e assim colaborou noutros jornais. Aliás, na construção de pseudónimos utilizou os anagramas como Ochadam e Oiluj, assim como Zzzt, e outros. Mas conheciam-lhe o estilo, procuravam-no, pelo que foi compondo o seu pé-de-meia. Nos folhetins, Júlio César Machado arranjou fartos leitores para os seus livros. E estes tiveram êxito assegurado. Só Contos de Luar teve três edições em oito meses, num total de cinco mil exemplares — importante número para a época. «O mais elegante contista», chamou-lhe Alberto Pimentel. Mas as viagens seriam o seu gozo e, assim, depois de ter publicado um livro um tanto heterodoxo deste género, Passeios e Fantasias, no mesmo ano de 1862 em que saiu Cenas da Minha Terra, no ano seguinte apareceu com Recordações de Paris e Londres, em 1865 com Em Espanha, e, em 1867, com Do Chiado a Veneza, que antecedeu o curiosíssimo Quadros do Campo e da Cidade. Lisboa, apesar de tudo é a grande protagonista da sua obra em livro e em jornal. Lisboa é o cenário privilegiado dos textos e da própria vida de Júlio César Machado.

É de notar que um espírito extrovertido como o deste folhetinista, surpreendentemente, apenas uma vez falou em público. Foi no Colégio Artístico Comercial, que ficava ao Rato, onde proferiu uma palestra sobre Rossini. Convidou-o o director do estabelecimento, José Maria de Andrade Ferreira, seu antigo colega da Galeria Artística e o autor do Curso de Literatura Portuguesa, que Camilo concluiria.

Sousa Bastos, em O Biógrafo, de 15 de Maio de 1880, deixou-nos escrito que, a Machado, «a política meteu-lhe sempre horror, e por isso, possuindo um talento superior e uma popularidade extraordinária, tem até hoje conseguido não ser deputado. Todos os políticos o estimam; ele trata-os muito bem, felicita-os pelos seus triunfos, lastima-os pelos seus desastres, mas afasta-se deles o mais que pode, unicamente porque lhe cheiram a… política.» E no fecho de uma biografia, a cerca de dez anos da sua morte: «Como homem e como literato, Júlio César Machado é a individualidade mais simpática da nossa terra.» No mesmo sentido, Gervásio Lobato, em Contemporâneo, de Abril de 1875, abria o seu artigo publicando que «Júlio César Machado é uma das individualidades mais simpáticas e mais características das nossas letras. Espírito verdadeiramente superior, profundo na sua singeleza, artístico na sua simplicidade, elegante na sua funda filosofia, ninguém como ele pôde atingir entre nós as formas correctas, definitivas e características do folhetim.»

(Conclui amanhã)

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