PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota

IFRC-logo

Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa

Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)

PARTE II
(continuação)

Já passaram cinco anos e continuamos a caminhar do mau para o pior

Durante o primeiro semestre de 2013, a Federação Internacional da Cruz Vermelha e as Sociedades do Crescente Vermelho (IFRC) organizaram um exercício de levantamento das 52 sociedades nacionais da Cruz Vermelha e das Sociedades do Crescente Vermelho na Europa e na Ásia Central (zona Europa da IFRC). Destas, 42 Sociedades nacionais responderam e este relatório baseia-se principalmente nas suas respostas e observações.

O objectivo do exercício de levantamento foi o de obter uma visão geral dos desafios que se colocam agora e o de saber como é que as sociedades nacionais estão a responder à crise. Este relatório pretende ilustrar os rostos humanos da crise e destacar as consequências a nível comunitário e da sua base popular, onde a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho têm uma visão semelhante e conexão, e retratar as pessoas que estão por detrás dos números. Além disso, nós examinaremos as tendências e temo-nos esforçado em fundamentá-las através de estatísticas de outras agências oficiais e de outras fontes de apoio.

Resumo das respostas

Quase cinco anos depois do início da crise económica, as diferentes organizações nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho continuam a referir-se a um aumento geral em necessidades existentes , bem como ao aparecimento de novos grupos vulneráveis. Em muitos casos, a assistência aos indivíduos atingidos pela crise aumentou, mas também há exemplos de sociedades nacionais que têm observado necessidades básicas por satisfazer mas a que não podem responder de forma adequada , devido à falta de recursos ou de capacidades. No entanto, deve notar-se que enquanto a ajuda e a assistência estão em estreita ligação com aquelas necessidades, às necessidades e aos recursos, estão também ligados com a promoção / informação . Um aumento de pessoas que recebem assistência não é, necessariamente, uma expressão de crescimento das necessidades mas pode, em vez disso, ser o resultado de um aumento do financiamento ou de uma melhor informação. Da mesma forma, uma redução de serviços ou do número de pessoas que recebem a ajuda não é , necessariamente, a expressão de uma diminuição das necessidades.

cruz vermelha IUma percentagem substancial das Sociedades Nacionais relatam um número crescente de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza e que necessitam de assistência, e também um aumento na intensidade da pobreza , sendo que os que já eram pobres estão agora mais pobres, bem como um fosso cada vez maior entre os ricos e os pobres. Isso significa que aqueles que vivem à margem da sociedade em geral – e aqueles que são excluídos socialmente – têm crescido em seus números e a distância para se re- socializarem, se reabilitarem, para encontrarem um emprego e voltarem a juntar-se à sociedade também tem aumentado.

Algumas Sociedades Nacionais também relatam o aparecimento de um grupo de pessoas que vivem acima da linha de pobreza, mas que ainda têm dificuldades para conseguir fazer face às despesas ( denominadas como “trabalhadores pobres” ), que se estão a tornar mais vulneráveis ​​por causa da erosão fiscal – a taxa de inflação (especialmente os preços de energia ) a subirem mais do que os salários – ou a terem empregos sem segurança social. Muitas dessas pessoas dirigem-se à Cruz Vermelha, ocasionalmente, ou no final do mês , quando enfrentam o dilema de ou comprar comida ou pagar as contas, com o risco de verem cortado o fornecimento de serviços, electricidade, água, etc. ou até com o risco de serem despejados se não conseguir pagar o aluguer ou a hipoteca .

Uma causa adicional de vulnerabilidade em vários países é a diminuição das remessas de emigrantes e o relacionado aumento da carga sobre o sistema de previdência social devido ao regresso de trabalhadores migrantes que eram o suporte para o sustento das suas famílias com os rendimentos auferidos no exterior e que foram forçados a regressar ao seu país depois de perderem os seus empregos. Não somente estes migrantes estão a cair no desemprego como muitas vezes eles não têm nenhuma segurança social também, ou até , como acontece muitas das vezes, porque não são considerados como tendo direitos à Segurança Social.

As organizações nacionais da Cruz Vermelha também verificam que o número de pedidos de apoio vindos de migrantes aumentou e estas entidades apoiam-nos com uma ajuda que vai desde a assessoria jurídica à prestação de cuidados de saúde para migrantes não documentados e também ao apoio dado para a educação das crianças.

Outros grupos vulneráveis incluem aqueles que perderam o seu emprego e que não têm ou já não direito a subsídio de desemprego, bem como as famílias monoparentais, reformados, jovens que nem estudam nem trabalham e os migrantes não documentados.

As consequências dos cortes na saúde pública são severamente sentidas com um número crescente de pessoas a virem pedir apoio às clínicas e centros sociais da Cruz Vermelha ou do Crescente Vermelho para obterem tratamento e assistência financeira para comprar medicamentos. Da mesma forma, o números de pessoas com problemas de saúde mental e de pessoas que estão a precisar de apoio psicossocial está também a aumentar.

Muitas entidades da Cruz Vermelha sublinham que a crise económica está a criar as condições para uma crise social generalizada, segundo as quais se tem estado a estabelecer um fosso crescente na distribuição dos recursos (os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres) e a aumentar a concorrência pelos recursos cada vez menores o que, por seu lado, pode elevar a um crescimento da xenofobia, da discriminação, e da exclusão social assim como à violência doméstica ou a outros problemas nas famílias.

Em geral, muitas das organizações nacionais da Cruz Vermelha consideram que os mecanismos de resposta para enfrentar as vulnerabilidades ao nível do país (incluindo o seu próprio) não estão completamente direccionadas para oferecer um verdadeiro suporte face às novas vulnerabilidades que estão dia a dia a aparecer como consequência da crise, nem para as vulnerabilidades já existentes, da mesma forma que os benefícios sociais são cortados ou precisam de ser partilhados por muito mais gente. Um número crescente de organizações nacionais da Cruz Vermelha considera que mecanismos de resposta para enfrentar as vulnerabilidades ao nível do país (incluindo o seu próprio) não são totalmente viradas para oferecer apoio nem em face das novas vulnerabilidades que diariamente estão a aparecer e em consequência da crise, nem em face das já existentes, com os benefícios sociais a serem cortados ou a precisarem de ser partilhados por muito mais gente . Um número de organizações nacionais da Cruz Vermelha passaram ou estão a passar por um processo de adaptação e de reelaboração de prioridades enquanto outras citam a crise como uma plataforma para considerar e discutir o seu papel auxiliar junto ou face às autoridades públicas no campo humanitário de modo a poderem desempenhar um papel ainda mais vital preenchendo a lacuna existente entre as necessidades reais e os sistemas de protecção nacionais.

A acção da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho

Mais da metade das organizações nacionais da Cruz Vermelha relatam que iniciaram novos programas sociais (por exemplo, a distribuição de alimentos, roupas, remédios e distribuição de produtos de higiene, formação linguística para migrantes, ajuda às crianças mesmo a nível de ensino, apoio financeiro para as despesas dos agregados familiares, apoio para cuidados médicos), ou a expandiram os seus programas já existentes, adaptando-os às necessidades recentemente identificadas e às vulnerabilidades verificadas .

No entanto, mais da metade destas entidades também relatam que a difícil situação financeira interna as forçou a reduzir ou mesmo a suspender os programas existentes e isto impede-as de iniciar novos programas para responder às necessidades identificadas por causa do insuficiente financiamento. A situação é, por vezes, agravada pelo aumento da concorrência por recursos limitados entre os próprios actores humanitários (ONGs, instituições de caridade, etc.).

Devemos sublinhar que algumas organizações nacionais da Cruz Vermelha aparecem em ambas as categorias, tanto quanto reduziram algumas actividades, mas também têm iniciaram outras ou expandiram as actividades ou programas já existentes.

Há também um vasto aumento do número de pessoas que estão agora a receber ajuda alimentar. Várias organizações nacionais da Cruz Vermelha estabeleceram actividades destinadas a lidar com as consequências sociais da crise e para lutarem contra a exclusão social, capacitando pessoas e fornecendo formação específica para desenvolvimento de carreira (por exemplo, lojas de segunda mão que visam a coesão social, programas de formação ou de treino vocacionais para aqueles que não estão a trabalhar dívida e não estão a receber subsídio de desemprego, centros de aconselhamento face ao endividamento das famílias, aconselhamento geral, abrigos de juventude).

(continua)

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Para ler a Parte I deste trabalho de Júlio Marques Mota sobre o relatório da IFRC, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2014/01/05/pensar-diferente-impactos-humanitarios-da-crise-economica-na-europa-um-relatorio-da-cruz-vermelha-internacional-excertos/

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