DOIS REFERENDOS ATÉ CHEGAR À LEI DA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ por clara castilho

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Lembremos dois momentos cruciais no caminho que culminou com a despenalização do aborto. O de 28 de Junho de 1998, quando se realizou o primeiro referendo sobre o aborto e o de 11 de Fevereiro de 2007.

Até se lá chegar as movimentações “pró” e “contra” foram muitas. Revejamo-las, antes de passarmos a resultado.

O de 1988 resultava de um acordo entre os dirigentes do PS (António Guterres) e do PSD (Marcelo Rebelo de Sousa). A Igreja Católica e os movimentos pelo “Não” trabalharam em força. Sacerdotes, bispos e outros elementos aterrorizaram quem os ouvia. Nas missas não se falava de outra coisa. Lembremos as declarações do bispo de Bragança, comparando o aborto ao holocausto. E mais, o bispo de Viseu, convidava quem votasse sim à despenalização do aborto a sair da Igreja.

PaulaRego

 

E quem defendeu a nova proposta de lei? Alguns médicos católicos conseguiam separar as águas e considerar o aborto clandestino como uma violência gratuita .O recém falecido médico Albino Aroso – façamo-lhe aqui a devida homenagem – chamava a atenção para o facto de a despenalização ser uma evolução natural no contexto europeu. E até o jurista Miguel Veiga, do PSD, separou as águas, alertando para o facto de as Igrejas não poderem ser o braço penal do Estado e que quem é anti concepção, é cúmplice do aborto clandestino. Considera-se que faltou um Partido Socialista mais unido em torno do Sim.

A questão colocada foi: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”

Quanto aos resultados, quem se “incomodou” a descolar-se às mesas de voto? Só 32% dos eleitores registados. E os resultados, face às campanhas desenvolvidas não foram de espantar: o “Não” obteve 51% dos votos e o “Sim” 49%. Afinal a diferença não foi tanta…

Já se contava com a Lei de 6/84 que tinha vindo veio permitir a interrupção voluntária da gravidez em determinadas situações (perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, malformação do feto, ou quando a gravidez resultasse de uma violação).

Entre 1988 e 2007, anos que separaram os dois referendos, vários acontecimentos ocorreram, de que falaremos noutro post. Nas eleições legislativas de 2005, o Partido Socialista ficou em maioria na Assembleia da República, com José Sócrates como Primeiro Ministro. As pressões para a alterar a lei do aborto voltaram em força. Conseguiu-se, com a Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, alargar o prazo em situações de malformação fetal e do que até então era chamado fruto de “viola­ção”. E foi este quadro legal que persistiu até 2007.

E, tendo aprendido com a experiência da campanha realizada no anterior referendo, que defendia o “SIM” organizou-se em vários Movimentos, mas concentrados num único “movimento”. E assim surgiram: o “Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo SIM” com sectores católicos e pessoas das mais diversas áreas culturais, sociais e políticas; o Movimento “Jovens pelo SIM”; um outro de deputadas e deputados, denominado “Movimento Voto SIM”; “Os médicos pela Escolha”.

Em contraponto, a plataforma “Não Obrigado”, continuava firme nos seus propósitos, agregando vários grupos anteriores.

E chegamos a 11 de Fevereiro de 2007.já com uma lei que definia que o aborto poderia ser feito legalmente até às 12 semanas em caso de a vida da mãe correr risco ou a sua saúde física ou mental, até às 16 semanas em casos de violação e até às 24 semanas se o feto tiver doenças incuráveis ou malformações. O referendo a realizar iria permitir que pudesse ser feito a pedido da mulher até às 10 semanas.

A posição dos partidos políticos também era diferente, na medida em que da direita, o Partido Social Democrata não se afirmava declaradamente pelo “Não”. E tivemos uma afluência às urnas de 43,57% dos eleitores, com uma aprovação de 59,15% e votos contra de 40,75%. Vemos, portanto, que se verificou um aumento de mais de 10% de pessoas a irem votar, assim como um aumento de mais de 10% a votarem “SIM”. Em consequência foi publicada a Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril.

Quanto às diferenças reais que a existência desta nova lei trouxe para o país, terá que ser outra análise.

 Bibliografia:
FONSECA,S., VIDAL, S., LOURENÇO, S.  – Movimentos femininos em Portugal no século XX – o caso particular do MDM – neh.no.sapo.pt/
ALMAIEDA, M.A.P. – O aborto no passado e no presentehttp://www.ces.uc.pt
TAVARES, M. – A longa luta das mulheres portuguesas pela legalização do aborto . umarfeminismos.org
MONTEIRO, R. – A descriminalização do aborto em Portugal: Estado, movimentos de mulheres e partidos políticos – analisesocial.ics.ul.pt

 

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