PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota

IFRC-logo

Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa

Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)

PARTE VII
(CONTINUAÇÃO)

Montenegro : quando o invisível se torna visível

Não é que eles não existissem antes, os sem-abrigo. Eles existiam, eles estavam lá, vivendo nas ruas, nas barracas, nas estações de autocarros e em tendas mas poucos sabiam quer o seu número quer os seus nomes. A Cruz Vermelha de Montenegro e outras organizações fornecem apoio às pessoas necessitadas, desde alimentos a cobertores, desde roupas a sapatos.

“Nós não podemos fechar os olhos ao sofrimento humano e às suas necessidades, e é assim que nós fornecemos apoio aos sem-abrigo e a outras pessoas socialmente vulneráveis,” diz Jelena Dubak, secretária-geral da Cruz Vermelha de Montenegro. “No entanto, as nossas actividades não podiam ser organizadas ou sustentadas uma vez que oficialmente, os sem-abrigo não existem e não há nem abrigos nem centros de acolhimento para os sem-abrigo.” “A nossa ajuda é feita sobretudo numa base ad hoc e sempre que alguma pessoas nos contacta e nos pede auxílio para si-mesma”, acrescenta ela.

Porque a crise económica criou raízes, assentou arraiais e os sem-abrigo cresceram em número o governo de Montenegro decidiu passar à acção. Um número de grupos de trabalho foram estabelecidos para contribuir para a elaboração de uma nova lei que reconheça os sem-abrigo como um problema e as pessoas sem abrigo como uma categoria especial de pessoas vulneráveis.

A Cruz Vermelha de Montenegro participou num dos grupos de trabalho e em Maio de 2013 uma lei nova sobre a protecção social e sobre a protecção das crianças foi então aprovada. Com esta lei nova, o governo comprometeu-se em fornecer o apoio sistemático aos sem-abrigo e às outras pessoas consideradas vulneráveis. Há agora planos para construir abrigos assim como para fornecer outros tipos de apoio.

O papel da Cruz Vermelha de Montenegro foi também clarificado e são agora os responsáveis para fornecer apoio material assim como apoio psicossocial nos novos centros de abrigo. Incorporando estas novas actividades no plano da Cruz Vermelha tal facto significa que as capacidades nesta área serão então reforçadas.

Bulgaria: A situação é ainda pior para as crianças

“O meu nome é Maria Miteva Tenev-Tropolova e tenho 47 anos de idade . Eu tenho três crianças adultas de um casamento anterior. Eu casei pela segunda vez em 1993 e nós temos quatro crianças, a mais nova nascida em 2011. Tenho trabalhado como uma auxiliar de jardim de infância durante oito anos, mas eu estou actualmente em licenças de parto. Contudo quando eu puder trabalhar, limparei casas desde muito cedo, desde quase de madrugada, de modo que eu possa acabar e levar os meus filhos ao jardim de infância e à escola.

O meu marido trabalha como electricista e trabalha sempre que tenha serviço para fazer, mas nós não podemos viver sem os meus rendimentos extra.

Nós na verdade sentimos a crise durante os dois anos passados como os preços do aluguer da casa, da alimentação e do aquecimento subiram, subiram. Nós pagamos mensalmente cerca de 1.000 lev búlgaros (500 euros) pelo nosso aluguer e serviços públicos associados e então não nos fica nada para viver. A Cruz Vermelha búlgara ajudou-nos, e nós estamos-lhe muito gratos à directora de um dos centros sociais, que é uma mulher excepcional. Esta conseguiu arranjar-nos alguma ajuda financeira, mas deu-nos igualmente o apoio moral e psicossocial durante uma época em que o nosso filho mais novo esteve muito doente e nós não tínhamos nenhum dinheiro. Nós realmente precisávamos de alguém para conversar, estávamos a passar por um momento muito difícil.

Ivan, o nosso filho mais novo, tem agora dois anos de idade e está à espera de ir para o infantário. Nicola, que tem cinco anos de idade no jardim de infância, Nevena estará no segundo ano da primária e Paul estará na quarta classe no próximo ano. Os nossos filhos mais velhos saíram da Bulgária em 2010, quando a situação se agravou e o desemprego aumentou. Estão agora em Itália e completamente independentes financeiramente. Todos os meus filhos são uns bons filhos – desejados e amados.

Nós, de toda a maneira, lidamos com a situação graças a amigos que nos dão roupas para os nossos filhos e assim por diante, e eu não gosto de me andar a queixar. No entanto, se alguém nos der uma mão, nós provavelmente deixaremos a Bulgária – toda a família, todos nós o faríamos.

É o pior para as crianças. Eu quero-os a ler livros, a fazer desporto e a desenvolverem os seus talentos. Eu não espero muito e eu sei que os dias de festa e descanso são apenas um sonho distante para nós, mas faço por acreditar que não devemos privar as crianças de ler um bom livro. Deve haver mais que fazer na vida do que apenas andar a sobreviver.

Eu ensino os meus filhos a não separar as pessoas de acordo com a raça, religião ou estatutos. Eles devem acreditar no bem e devem ter uma atitude positiva para com todos. Mas é difícil para eles viver entre no meio de outras crianças que não sejam ‘socialmente fracas’. Eu tento incutir-lhes auto-confiança e explicar-lhes que mesmo se eles são socialmente fracos , isso não faz com que eles sejam diferentes ou piores que os outros.

Eu realmente gostaria que a Bulgária se tornasse um país melhor para aqui vivermos. Tudo o que precisamos é de boa saúde e de um emprego. Eu quero que os meus filhos sejam educados. Nevena desenha muito bem, ela tem talento. No entanto, não tenho a coragem de pensar sobre o futuro, porque quando eu penso e as coisas não acontecem como espero, fico decepcionada.”

A Cruz Vermelha búlgara oferece uma variedade de actividades sociais e serviços sociais para pessoas necessitadas em todo o país. Uma das possibilidades para muitos que sofrem o impacto da crise económica é pedir assistência financeira ao fundo de caridade da Cruz Vermelha búlgara . Nos últimos quatro anos, mais de 1.100 pessoas receberam pequenas doações para apoiarem os seus agregados familiares e as suas necessidades diárias.

A Cruz Vermelha búlgara está também a distribuir alimentos para mais de 300.000 pessoas, organizando uma série de centros sociais e a fornecer apoio a idosos e órfãos e organizar um programa de refeições quentes nas escolas, permitindo assim que milhares de crianças continuem a aprender na escola.

(continua)

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Para ler a parte VI deste trabalho sobre o relatório da IFRC, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

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