Dia do Porto: REVOLTAS/ACÇÕES PRECURSORAS HOUVE MUITAS NA CIDADE DO PORTO – Por José Hipólito Santos

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Revoltas/ acções precursoras houve muitas na cidade do PORTO 

 

O Porto é uma das cidades em que vivi menos tempo. Contudo, foi num dos períodos mais marcantes da história de cada pessoa, infância e adolescência/juventude.

A vinda para Lisboa, e as dificuldades inerentes a um processo migratório complicado, alimentou o meu interesse pela história da cidade natal.

Tivera no Liceu, então Rodrigues de Freitas tornado, alguns bons professores, nomeadamente de História – Carlos Vilamariz – que nos incitavam a reflectir, a interessar pelo conhecimento dos antepassados e o seu contributo para um processo democrático e republicano.

Com todos os cuidados, e muitos riscos, iam sendo estudados acontecimentos históricos relativos à cidade e o papel da sua burguesia, desde finais do século XIII até à contemporaneidade, na defesa dos direitos dos seus habitantes contra os arbítrios da Igreja, poderosíssima, e dos nobres a quem durante muito tempo foi interdito de residir na urbe.

A resistência ao centralismo, imposto, desde logo, para reforçar o frágil poder real a que D. João II pôs cobro, foi sempre uma constante até ao presente, como o foi também a assunção da identidade nacional portuguesa.

Um acto histórico marcou a minha imaginação nesse período de estudante e mesmo a minha juventude: a revolta popular contra os autos-de-fé da Inquisição. Com efeito, em 1544 decorreu o único auto-de-fé no Porto e que terminou por um tumulto e levou ao encerramento do Tribunal do Santo Ofício da cidade. Isso não aconteceu em qualquer outro ponto do país.

A Inquisição impôs-se, na Península como através das fronteiras europeias e da América e Àsia, como instrumento institucional de perseguição aos judeus e outros grupos não seguidores da doutrina da Igreja Romana. Poder-se-á dizer que se tratou duma política artesanal percursora do Holocausto, de carácter mais industrial e portanto, mais massivo.

Tendo em conta as similitudes e diferenças, e respectivos contextos históricos, poderíamos dizer que a revolta popular no Porto não teve qualquer acção equivalente na Europa ocupada e na Alemanha – recusa dos habitantes de uma cidade em deixar passar comboios para Auschwitz, por exemplo!

As aulas de História do Dr. Vilamariz eram continuadas em casa, no meio de grandes precauções, pelo meu pai, republicano e anti-clerical, um estudioso da História Pátria e Universal.

Era evidente a sua satisfação, e também incredulidade, face ao saber transmitido pelo meu professor. A questão do Ultimatum e da crise da monarquia faziam aparecer como natural a revolta republicana do 31 de Janeiro. Para ele, tratava-se de um acto de coragem e patriotismo dos revolucionários que, eram essencialmente sargentos da guarnição militar do Porto. Muitos daqueles sargentos eram bastante cultos discutiando aprofundadamente a situação que então se vivia no país o que contrastava com uma oficialidade militar, quase exclusivamente de origem aristocrática, interessando-se muito mais pelas frivolidades do jogo, do álcool, das mulheres e, muitos deles, pouco letrados. Os sargentos eram mesmo obrigados por lei a saber ler e escrever, para poderem ajudar oficiais incapazes de o fazer, mas dispensados dessa obrigação.

Tudo isso me questionava sobre a organização e função do Estado, do Exército e da Igreja!

E foi assim que, naturalmente fui sendo empurrado, já em Lisboa, para a oposição ao regime de Salazar, através das lutas estudantis, das cooperativas, de formas mais activas de luta, e na Seara Nova.

No ano de 1961, a Seara, sob a impulsão do seu grupo “Acção Socialista”, procurou jogar um papel de desbloquear situações habituais na Oposição – todos falavam da Unidade e todos encontravam razões que mostravam que “os outros” não a queriam.

Foi decidido participar nas comemorações do 31 d Janeiro no Porto. Partimos de carro, Carlos Prazeres Ferreira, Lopes Cardoso, Vasco Martins, eu e o nosso director da revista, Luís da Câmara Reis. Chegados ao Porto fomos saudar António Luís Gomes, velha figura de republicano, antigo ministro, acabado de fazer 90 anos. Depois seguimos para o Cemitério Prado do Repouso, onde havia um monumento alusivo aos revolucionários dessa primeira tentativa republicana. Era reduzido o número de pessoas concentradas, mas pequenos grupos dispersos passeavam pelas ruas do cemitério. À hora marcada avançámos na direcção do monumento, logo se juntando mais gente que não víramos. Entretanto, no meio de gritos de “comunistas” e “traidores” (estava nesse momento a decorrer a operação “Santa Maria”, em pleno Atlântico, e as gentes do regime mostravam-se preocupadíssimas com a projecção mundial que a operação tinha tomado!) surgiu uma investida de alguns indivíduos vindos da sede da PIDE que era ao lado da entrada do cemitério, de guarda-chuva no ar a desancar quem se mostrava mais em sintonia com a data. Câmara Reis, homem extremamente afável e bem disposto, já septuagenário, pesado e incapaz de correr, foi particularmente atingido na sua calva cabeça, pelos guarda-chuvas pidescos ou de legionários. Isso afectou-o muito, sem quebrar a sua determinação contra o regime mas vindo a morrer alguns meses depois.

Esse foi um 31 de Janeiro sem grande projecção, ao contrário do ano seguinte – no seguimento da Revolta de Beja – em que participaram milhares de tripeiros.

Para concluir, gostaria de deixar aqui um desafio que poderia aparecer sob a forma seguinte: «A Agência de Viagens dos Astronautas organizará um “evento” especial, inteiramente dedicado à cidade de Lisboa, numa data simbólica a escolher pelos astronautas. A Agência, procurando alargar os seus serviços a todos os potenciais clientes, acolhe-os de braços abertos e considera que Portugal é de todas as pessoas portuguesas e não apenas das que lá nasceram – galegas, mouras, cabo-verdianas, brasileiras, algarvias, minhotas, lisboetas, açorianas, portuenses, alentejanas, francesas, inglesas, moldavas… »

Janeiro de 2014

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