COMO SE MATA UM PRESIDENTE -19- por José Brandão

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No dia seguinte, 17 de Outubro, o Governo de Sidónio Pais fazia publicar uma nota oficiosa sobre os acontecimentos, onde se afirma que tudo teria começado quando Ribeira Brava atacou a tiro os guardas da escolta, na tentativa de se evadir.

A Polícia diz ter apurado que a pistola que Ribeira Brava levava lhe fora passada, na véspera, dentro de um cabaz, num tacho de açorda!

Alega, ainda, ter-se tratado de uma emboscada preparada para a libertação dos presos e há mesmo quem afirme que até dos lupanares da Calçada do Ferragial foram disparados tiros contra os guardas da escolta.

Acusado de ser cúmplice no assalto, chega a ser preso um garoto de 12 anos, de nome Jaime Freitas, morador na Rua do Arsenal, n.º 60, 4.º andar.

Uma outra versão é apresentada pela imprensa republicana, que não tem dúvidas em considerar o massacre como um plano previamente concebido e montado pela própria Polícia sidonista.

De entre as razões apontadas pela imprensa republicana destacam-se os factos de tudo isto se ter passado a uma meia dúzia de metros da sede da Polícia, de ser inadmissível que Ribeira Brava fosse portador de qualquer pistola (que, aliás, nunca foi encontrada) e, acima de tudo, o insólito caso de esta coluna de presos tão rigorosa ser precedida de toques de corneta e tambores, como que a referenciar bem a sua localização.

Este suspeito rufar dos tambores passou a ser tão evidente, que Machado Santos não mais quis ir ao Governo Civil, aonde costumava deslocar-se frequentemente, dada a intimidade das relações com o chefe da Polícia Lobo Pimentel. Alguns dias depois, quando se cruza, por mero acaso, com o capitão Pimentel, no Largo de Camões, o antigo sargento da Rotunda procura saber da cessação dessas visitas e diz cinicamente a Machado Santos:

— Até parece que o Almirante está com medo de mim…

— Medo de si, Pimentel? Mas que ideia! Eu só tenho medo do rufar dos tambores… — responde, de pronto, o herói da República.

Em Dezembro, quando o sidonismo estava a poucos dias de perder o seu chefe, Machado Santos lança um impetuoso libelo contra a monstruosidade da repressão sidonista, referindo, em particular, as traiçoeiras prisões de combatentes da Grande Guerra apanhados a gozar as suas férias ou regressados definitivamente das trincheiras.

 Foi na sessão de abertura do Senado, em 3 de Dezembro, que Machado Santos haveria de deixar lavrada a seguinte passagem do seu protesto:

«…É que muitos desses homens, que se bateram pela causa do Direito, da Liberdade e da Justiça, se encontram presos, há meses, sem culpa formada, nas casamatas dos fortes. O Senado ouviu da boca do Sr. Ministro dos Estrangeiros (Egas Moniz) a narrativa do feito heróico do caça-minas Augusto de Castilho, que se sacrificou para salvar o paquete S. Miguel, que, além da carga, ia repleto de passageiros; mas o que o Senado não ouviu da boca do Ministro, porque o Ministro o não sabe, por certo, é que, ainda não eram passados dois dias, a Polícia devassava a casa da enlutada viúva do intrépido oficial que comandava o caça-minas (6) e apreendia as espingardas de ar comprimido com que brincavam os seus filhos.

Factos revoltantes como este posso citá-los aos centos e invocar o testemunho dos dez mil e tantos presos políticos que se encontram nas cadeias, com a seguinte nota de culpa: «preso às tantas horas do dia tal pelo agente fulano»… (7)

 O fundador da República acaba a sua intervenção pedindo uma ampla amnistia para a generalidade dos presos políticos e o fim do estado de sítio decretado em 12 de Outubro pelo Presidente da República, que se assumiu, então, como comandante supremo de todas as forças de terra e mar.

Estávamos em Dezembro de 1918. Numa aldeia do Baixo Alentejo, um homem, chamado José Júlio da Costa, preparava-se para seguir com destino a Lisboa. No dia 14 de Dezembro estará na Estação do Rossio à espera de Sidónio Pais.

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