COMO SE MATA UM PRESIDENTE -20- por José Brandão

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Capítulo V

  «Mataram o Sidónio!»

«Quem vive bocejante, lazeirento como eu vivo, e continua a viver, não é só um covarde — é um miserável.»
Mário de Sá-Carneiro

«Quem me dera que me matassem»

Sidónio acabava de condecorar os sobreviventes do caça-minas Augusto Castilho e preparava-se para entrar no automóvel presidencial quando, repentinamente, vê que, no meio da multidão, alguém lhe aponta um revólver. Três vezes o gatilho é premido pelo seu portador, mas do cano da arma não sai qualquer projéctil.

Ainda não seria nesta tarde de 6 de Dezembro de 1918 que Sidónio Pais terminaria os seus dias como presidente e como personagem do reino dos vivos.

Júlio Baptista, o jovem de 19 anos que atentara contra a vida de Sidónio, servira-se de um revólver demasiadamente velho e, ainda por cima, metera-se-lhe em cabeça mergulhar as balas num líquido venenoso, que as inutilizou.

Foi salvo de ser linchado no local graças à intervenção oportuna do governador civil, António Miguel Sousa Fernandes, e de mais dois militares, mas não se livrou de ver o pai e os amigos, que frequentavam o seu estabelecimento comercial, a Despensa do Povo, na Rua dos Fanqueiros, serem imediatamente presos.

Nessa noite, uma turba furiosa assaltou a loja maçónica «Pró Pátria», situada na Calçada do Sacramento, destruindo tudo o que lá existia. A mesma sorte tiveram as instalações da sede maçónica do Grémio Lusitano, no Bairro Alto, que ficaram completamente desfeitas pela arremetida de um bando de assaltantes, comandado por militares afectos ao regime sidonista.

Com tudo isto, cada vez se acentuava mais o isolamento do presidente Sidónio Pais. Os monárquicos revelam-se de dia para dia mais arrogantes e parece já não estarem muito interessados na fidelidade a Sidónio. Começam a mostrar os dentes e tudo faz acreditar que se preparam para morder quem lhes deu possibilidades de abrir a boca.

Como refere Raul Brandão, «Sidónio pretendia que a massa conservadora estava com ele, quando eles se mancomunavam para o perder» (1)

No Diário de Notícias apareciam cartas em que se dizia: «Ou ele quer ou não quer. Sidónios há muitos.»

O Mundo, na sua qualidade de órgão do maior partido da oposição, comentava assim este panorama:

«Já se vê por aqui a situação do Sr. Sidónio. Está metido num beco sem saída. Falta-lhe o apoio de todos os republicanos. Falta-lhe o apoio dos monárquicos. Então quem o acompanha?»

Por sua vez, Cunha Leal, que viveu intensamente este período, dirá, mais tarde, o seguinte: «Bem vistas as coisas, poucos eram os que sinceramente o queriam servir, porquanto o seu objectivo primacial consistia em atingir através dele as suas finalidades privativas.» E referindo-se, ainda, aos que iam rodeando Sidónio, afirmava:

«[…] Quando se supunha adorado por todas estas clientelas, o triunfador em 8 de Dezembro de 1917 tomava a nuvem por Juno enganando-se redondamente.»

Era neste ambiente adverso que o presidente Sidónio Pais via aproximar-se o seu destino.

Logo depois do atentado de 6 de Dezembro, o secretário de Estado Alfredo Magalhães diz-lhe ser necessário reforçar as medidas de segurança ao redor da sua pessoa.

Sidónio não parece muito entusiasmado com a ideia e responde nestes termos:

— Quem me dera que me matassem! (2)

Entretanto, continuavam a ser detectadas conspirações nas mais incríveis circunstâncias. Na taberna do galego José Fortes, na Rua dos Douradores, até o polícia n.º 1499 da esquadra do Campo Grande é localizado a conspirar, conforme nos conta Rocha Martins.

Era, contudo, no meio militar que se urdiam os maiores planos com vista à alteração do regime.

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