INTERPRETANDO MAL PUTIN E A HISTÓRIA, por GEORGE F. WILL

 Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Interpretando mal Putin e a história

George F. Will, Washington Post, 3 de Março de 2014,

 

Cem anos depois de  uma faísca na Europa Central ter desencadeado uma conflagração de que o mundo ainda não recuperou e de que Europa nunca recuperará, forças armadas atravessaram uma fronteira internacional na Europa Central, o que levou o actual Secretário de Estado da Administração Obama, John Kerry, a afirmar:: “É um acto do século XIX feito no século XXI. Isto coloca realmente a questão da capacidade de Rússia em estar no G8.”

Embora este “acto do século XIX” se assemelhe a muitos actos do século XX (e dos séculos  XVI, XVII e XVIII), isto é, o que o espantado Kerry pensa, surpreendendo-se que isto aconteça no século XXI, uma vez que ele supõe evidentemente que este século é inteiramente ao contrário de qualquer outro. O que será  ainda mais desconcertante — é se Kerry acredita nisto. Ou que a sua resposta à agressão de Putin seja questionar a “capacidade” da Rússia —Kerry quer dizer a capacidade — para fazer parte do G8?

george f. will

Durante muitos séculos, a paz Europeia tem sido regularmente quebrada porque as fronteiras nacionais não estão estabelecidas de modo a coincidir com as estruturas étnicas, linguísticas e religiosas. Este problema foi intensificado pela I Guerra Mundial, o qual demoliu os impérios dos Habsburgos, Romanov e otomano. A Ucrânia é um fragmento dos dois primeiros e é vizinho de um remanescência do terceiro.

Os problemas legados pela guerra foram agravados por um pacificador, um dos precursores de Kerry entre os americanos progressistas ansiosos para compartilhar com o mundo as suas capacidades na imposição da racionalidade nas sociedades desorganizadas. Infelizmente, a seriedade do  Presidente Woodrow Wilson sobre como melhorar o mundo era maior que a sua capacidade de apreciação de como a complexidade do mundo pode levar a que as supostas melhorias tornem as coisas ainda piores.

Wilson injectou no discurso diplomático a ideia de que a “autodeterminação” é um direito universal e “ um imperativo universal de acção.” Diversos dos seus quatorze pontos têm a ver com autodeterminações. Mas de que “auto” estava ele a falar? Às vezes falava da autodeterminação de “nações,” noutras vezes de “povos,” como se estes termos sejam sinónimos. O seu Secretário de Estado, Robert Lansing, andava maravilhado com “ a unidade que ele tem na mente” e avisou que “determinadas frases” de Wilson “não estavam pensadas para serem ditas em voz alta.” Mas que ele pensava, pensava. Na Carta Atlântica de 1941, Franklin Roosevelt e Winston Churchill afirmaram os direitos dos “povos.” A Carta das Nações endossa a autodeterminação de “povos.” Que se tornou num terceiro ingrediente, a autodeterminação étnica. Wilson tinha mostrado os dentes do dragão.

Lansing disse que o termo “autodeterminação” “não digerida” está “carregado de dinamite. Tenho medo, pode custar milhares de vidas.” Enquanto Wilson escrevia frases em 1918, um cabo alemão a recuperar de um ataque de gás andava a fazer outros planos. E a 27 de Setembro de 1938, o cabo,  então já Chanceler da Alemanha, disse que “o direito à autodeterminação, que tinha sido proclamado pelo Presidente Wilson como a base mais importante da vida nacional, foi simplesmente negado aos sudetas alemães ” e deve ser imediatamente aplicado. Então a Checoslováquia foi desmembrada. E assim se deu a guerra.

Três meses depois do fim da guerra na Europa, os arquitectos da vitória iminente – Roosevelt, Churchill e Estaline – encontraram-se numa cidade na península da Crimeia onde Putin está agora a apertar o cerco. Os conservadores que o devem saber muito bem, muitas vezes tem dito que a conferência de Yalta “deu” a Europa de Leste à União Soviética. Na verdade, o exército vermelho estava em processo de efectuar a sua aquisição. A este processo não poderia ter havido resistência a nível militar pelos aliados de Estaline, o que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha eram, não mais do que pode haver a esta agressão de Putin.

“Pode não estar interessado na guerra, mas a guerra está interessada em si,” disse supostamente Lev Bronstein, como Leon Trotsky era conhecido quando Trotsky  vivia no Bronx, antes de vir a dirigir o exército vermelho, o pai das forças de que Putin está a assumir a direcção. Barack Obama, que envolveu os Estados Unidos durante sete meses de guerra com a Líbia, talvez porque o projecto não estava manchado (untaited) por interesses nacionais americanos, está a procurar ganhar uma vantagem diplomática e económica especialmente contra a nação em ruinas de Putin para fazer avançar os enormes interesses dos EUA em privá-lo da Ucrânia.

A menos que Obama encontre uma tal alavancagem, continuará a deslizar precipitadamente para os territórios de Jimmy Carter e assim continuará. Como expressão de desdém por um presidente dos Estados Unidos, a posição de Putin sobre a Península da Crimeia da Ucrânia é simétrica à invasão de Leonid Brezhnev sobre o Afeganistão no final da Presidência do Carter. As grandes incapacidades presidenciais não podem ser silenciadas; Estas impregnam a Presidência. A contribuição de Putin para a miniaturização de Obama vem no contexto da auto-flagelação de Obama — Obamacare, que simultaneamente destruiu a crença na sua competência e honestidade e pode perdurar tão ruinosamente para Obama como a crise dos reféns iranianos perdurou  para Carter.

Isto pode ser uma punição digna para a falta de cuidado de Obama quanto à política externa e quanto à sua ideia de Putin como um “parceiro” e acerca da ficção (” a comunidade internacional”), esta pode ser consequente. Isto é certamente muito perigoso.

George F. Will, Washington Post

 

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