A BARRACA – Uma Dramaturgia Patriótica – por Hélder Costa

Sei que escrevi um título perigoso. Nada de confusões. O Patriotismo é Internacionalista. Os fantasmas nazis querem oprimir, Os Patriotas lutam pela Fraternidade Universal.

Uma nota prévia : é essencial recordar que Portugal sofreu uma ditadura de 48 anos, particularmente medrosa e limitadora de qualquer audácia criativa e /ou progressista.E aqui cabe uma referencia a quem lutou na Ibéria contra essas Censuras. São muitos os escritores e artistas de referencia, mas destaco dois nomes com peças proibidas e de luta constante: Alfonso Sastre em Espanha e Bernardo Santareno em Portugal. Eles tentaram criar uma dramaturgia de vanguarda e resistência. Eram peças inconformistas e simbolizavam um teatro que apostava em mudanças e esperava ser ouvido e visto pela população.

O 25 de Abril de 1974

A situação do teatro era lamentável. Os autores mais activos da fase final do fascismo, Sttau Monteiro e Bernardo Santareno escreviam peças que sabiam de antemão que nunca chegariam à cena. Escrevia-se, editava-se e o publico comprava antes de a Pide(a polícia politica) ir esvaziar as livrarias. Em vez de panfletos contra o regime, escreviam –se peças!Houve um lado bom: nunca se leu tanto teatro em Portugal!

Com a Liberdade , nasceu a esperança e logo a seguir a desilusão. Agora podemos ver as peças que os autores escreveram e que estão na gaveta – dizia-se. A verdade é que na gaveta havia pouco e os textos que apareceram estavam irremediavelmente datados.

Entramos então num processo difícil de aprendizagem, que ainda não terminou.Nos anos 90 eu criei o “Círculo Dramaturgico” para se descobrirem novos autores. Lançamos um Concurso e o 1º prémio e uma menção honrosa foram levados a cena pela BARRACA. Descobrimos 2 autores com boa aceitação do público e a aventura ficou por aí porque para o 2º Concurso só tivemos 3 peças…Esses autores também pararam a sua produção.

E aqui chegamos a uma lição para mim essencial : o desenvolvimento de uma dramaturgia só pode acontecer com o autor integrado numa companhia ou grupo de teatro. Porque só assim a sua produção pode ser contínua e estimulante.

No meu caso pessoal, a minha produção mistura-se com o desenvolvimento da BARRACA, nome escolhido em homenagem a Lorca e ao seu trabalho itinerante , de perspectiva simultaneamente lúdica e educacional.

O grupo apareceu em 1976 e era constituído por uma juventude que, em grande parte, tinha iniciado a sua aventura teatral nos teatros Universitários. Era claramente um grupo filho legitimo do 25 de Abril, disposto a inovar e inventar novas formas artísticas e de comunicação com a população.

No meu caso pessoal, depois de grupos Universitários que integrei e dirigi em Coimbra e Lisboa, quando estive exilado em França criei um grupo de teatro com emigrantes portugueses, o “Teatro Operário” com operários da Renault e Citroen, pedreiros, carpinteiros, costureiras, mulheres de limpeza e também alguns desempregados. Foi uma experiencia essencial para a minha formação como pessoa de teatro. Fizemos dramaturgia colectiva com temas de urgência política – uma peça sobre uma revolta operária ferozmente reprimida e que deu origem ao campo de concentração do Tarrafal em Cabo – Verde ( “18 de Janeiro de 1934”) e “O Soldado” sobre a guerra colonial que o fascismo travava em Angola, Guiné e Moçambique. E aprendi a relação difícil entre a propaganda política e a estética lúdica de comunicação. O humor e a sátira são elementos- chave para a adesão e compreensão do espectador, principalmente de baixa erudição como era o caso.

Esta experiencia pessoal foi importante para A BARRACA definir que era necessário falar da História e Cultura de Portugal, porque era evidente que o fascismo tinha adulterado e falsificado a verdade, raízes e crescimento do nosso país.

O facto de se trabalhar com um grupo permite e exigeuma produção dramatúrgica variada que vai do monólogo a elencos grandes ( quando as condições económicas o permitem), musicais, “normais”, intimistas, comédia, farsa, tragédia, e a abordagem de temas que vão da nossa realidade Histórica – guerra civil, guerras coloniais, ditadura, Inquisição, Descobrimentos – à visualização de figuras da nossa Cultura e Sociedade, poetas, revolucionários, bandoleiros, especuladores, mártires e tiranos…

Numa síntese do que tem sido o trabalho da Barraca nestes 38 anos de produção, podemos indicar os seguintes pontos com alguns exemplos de peças e autores :

1.Peças sobre o século XVI, o nosso “ Século de ouro”

Os grandes personagens – Gil Vicente, o “pai” do teatro português, considerámos obrigatório tirar o nosso grande clássico do pó das bibliotecas, Luís de Camões, Fernão Mendes Pinto, o grande aventureiro e navegador popular, Damião de Góis, o intelectual e músico de enorme prestígio Europeu, Garcia de Orta, o médico e cientista exilado na Índia…os Descobrimentos, os naufrágios, as perseguições da Inquisição…

  1. Temas da História e Cultura Portuguesas

Séculos XIX e XX– Invasões Francesas e fuga da Corte para o Brasil – “D. João VI”,Felizmente, há luar!”,revoltas populares e bandoleirismo –“Zé do Telhado”, criseda aristocracia e da burguesia,” A Relíquia” de Eça de Queiroz, Ultimatum Inglês e implantação da República – “Viva a República”, a sabotagem da República com apoio de Alfonso XIII, rei de Espanha – “ O mistério da camioneta fantasma”, o Fascismo e o 25 de Abril – “Obviamente, demito-o!” ,“ Abril em Portugal “ e “O baile”; , peças sobre Fernando Pessoa- “ O menino de sua mãe” de Maria do Céu Guerra” e “O menino da avó” de Armando Nascimento Rosa.

 

3.Conflitos Sociais Contemporâneos

Peças de Brecht, Fassbinder, Tennesse Williams, Bernard Shaw, Ben Hecht…”Agosto” de Maria do Céu Guerra sobre a emigração e a diáspora portuguesa…

  1. O Absurdo–   Mrozeck ,Swift /Hélder Costa ( Gulliver), Ionesco , Topor

5. O CómicoDario Fo, W. Allen, Moliere, Hélder Costa, Gogol

6.Mitologia contemporânea“Calamity Jane”, “ Marilyn, meu amor”, de Hélder Costa

  1. Guerras e ditaduras do século XX

Guerra civil de Espanha(Viva la vida!) – Hélder Costa

O Nazismo Alemão( O Príncipe de Spandau) – Helder Costa

O FascismoItaliano–(Um dia inesquecível)- Ettore Scola

A guerra nos Balcãs – (Parabéns a você!) – Hélder Costa

8.Dramaturgia BrasileiraAugusto Boal, Guarnieri, Antonio Cunha

  1. História do Teatro Universal“ Ser e não Ser” – o teatro dos Gregos aos nossos dias, dramaturgia de Maria do Céu Guerra

10. Ciência – “O professor de Darwin”, “ As peugas de Einstein” e “Garcia de Orta , o sábio prático”, de Hélder Costa

11. Teatro para crianças – peças de Saramago, Rita Lello, António Gedeão

Outro factor importante para a consolidação do grupo foi a direcção de Augusto Boal logo nos nossos primeiros anos , 1977 e 1978. A sua experiencia , imaginação e solidez cultural foram vitais para a criação de auto-confiança num grupo que se arriscava numa “selva” ainda hostil porque a nódoa fascista custava a desaparecer das mentalidades.

E do meu ponto de vista pessoal – é a primeira vez que digo isto – foi ele que me obrigou a escrever o “ Zé do Telhado”( prémio Cau Ferrat – Sitges 78) e gostei tanto da experiencia que nunca mais parei… seguiu –se imediatamente D. João VI (prémio Santiago Rusiñol- Sitges 78), e até aos dias de hoje tenho mais de 50 textos estreados em Portugal e noutros países.

Foi esta linha de trabalho que acabou por chegar ao projecto dos ENCONTROS IMAGINÁRIOS, o confronto de ideias através de personagens marcantes da História da Humanidade.

Autores com trabalho dramaturgico de relevo embora esporádico, porque são essencialmente escritores de prosa e verso : Saramago, Mário de Carvalho, Jaime Rocha, Mário Claudio, JJLetria, Abel Neves.Mais concretamente na dramaturgia temos Armando Nascimento Rosa, Miguel Real e Filomena Oliveira, seguindo também uma linha de investigação histórica e cultural.

Voltando aos problemas da dramaturgia, penso que todos desejamos ser testemunhas do nosso tempo, para bem ou para mal.Esse desejo de marcar a sua época não é nenhum pretensiosismo.É, pura e simplesmente, um compromisso com a História.

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