Uma pequena série de textos à volta da desigualdade no capitalismo, à volta do livro de Piketty, Le Capital au XXIe Siècle.
Foi recentemente editado um livro de Thomas Piketty com um titulo bem sugestivo, Le Capital au XXIe siècle, título a relembrar a obra fundamental de Marx e a querer talvez substituí-lo, penso eu.
Um livro editado em França em Outubro, um livro que o meu amigo Joaquim Feio em boa hora se decidiu a fazer-me com ele uma oferta, para quem pisava o segundo degrau na casa dos 70. Deixei-o na estante à espera de melhor oportunidade para uma leitura atenta. E ela chegou pela via não do tempo disponível, mas pelo barulho que o livro começou a fazer nos Estados Unidos, mal foi publicado neste país, no passado mês de Abril. Editado em França não se ouviu nenhum ruído especial que eu saiba. Editado nos Estados Unidos, ei-lo imediatamente descorticado ao milímetro e por gente bem conhecida, Paul Krugman, James Galbraith, Thomas Palley, John Cassidy, Brad DeLong, Lawrence Summers. Hoje são já muitos mais a falar deste livro. Até a muito neoliberal OCDE retomou o tema da desigualdade (!) pois parecia mal passar ao lado de questão tão criticamente analisada.
Como assinala Thomas Palley, a quem publicamente agradeço o envio do seu artigo sobre Piketty:
A habitualmente sóbria edição dominical do New York Times tem um longo artigo acompanhado de uma barra de informações que colocam o livro de Piketty ao lado da Riqueza das Nações de Adam Smith (1776); ao lado do livro de Thomas Malthus An Essay on the Principle of Population (1798) um ensaio no princípio de população; ao lado do livro de Stuart Mill 1848) Principles of Political Economy; ao lado do livro de Karl Marx O Capital (1867) e de John Maynard Keynes ‘ (1936) A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro
Para termos uma ideia sobre o impacto que a obra está a ter e sobre as suas leituras divergentes, relembro aqui a posição de Krugman sobre este trabalho de Piketty:
Ele também nos expõe e nos explica o que equivale a um corpo teórico unificado sobre a desigualdade, que integra o crescimento económico, a distribuição de rendimento entre capital e trabalho e a distribuição de riqueza e rendimento entre os indivíduos, tudo isto num só quadro de análise.
ou ainda a posição de James Galbraith :
“A teoria neoclássica básica sustenta que a taxa de rentabilidade do capital depende de sua produtividade (marginal). Nesse caso, nós devemos pensar em termos de capital físico – e isto, de novo, parece ser a opinião de Piketty. Mas o esforço para construir uma teoria do capital físico com um taxa de rentabilidade tecnológica já se desmoronou desde há muito tempo, sob uma forte crítica dos economistas de Cambridge, em Inglaterra desde o anos 50 e nos anos 60 até meados dos anos 70, particularmente a partir de Joan Robinson, de Piero Sraffa e de Luigi Pasinetti. (…)
Em suma, o livro Capital in the Twenty-First Century é um livro pesado, cheio de informação muito boa sobre os fluxos de rendimentos, transferências de riqueza e a distribuição dos recursos financeiros em alguns dos países mais ricos do mundo. Piketty justamente argumenta, desde o início, que um bom trabalho em economia deve começar por — ou pelo menos incluir —uma análise meticulosa dos factos. Contudo, Piketty não nos fornece um muito bom guia para a política. E apesar das suas grandes ambições, o seu livro não é um trabalho bem conseguido a um nível teórico profundo como sugere o seu título, a sua dimensão e a recepção que foi feita (até agora).”
Mas o levantamento de todas estas problemáticas vêm-nos dos Estados Unidos e não da Europa. Mais uma vez a Europa mostra ser o campo brutal do silêncio, sem que com isso queiramos falar de mais uma traição dos “clercs” , relativamente à capacidade de questionar a realidade que nos vem da América. Uma bela lição, mais uma, vinda do Novo Mundo relativamente a esta Europa afundada numa crise económica terrível e que perdida prefere a aventura duma eventual guerra com o Leste europeu.
Dada a importância do livro o blog A Viagem dos Argonautas vai destinar algum do seu espaço à análise critica da obra de Piketty. Como sequência editorial temos:
1- A história da desigualdade , segundo PIKETTY, em seis gráficos – por John Cassidy ( New Yorker)
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Forças de Divergência -Está a igualdade a tornar-se endémica ao capitalismo, por John Cassidy
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Porque é que estamos numa nova era dourada, Paul Krugman
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O pânico levantado por Piketty, Paul Krugman.
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Algumas reflexões sobre o ‘Capital’ de Thomas Piketty, Thomas Palley
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Kapital para o Século XXI?, por James Galbraith
E concluiremos a análise sobre este tema recordando um texto nosso editado na Faculdade de Economia sobre Marx, sobre Ricardo sobre a Globalização, em Maio de 2012.
Desejo-vos boa leitura e desde já garanto que não estamos a fazer publicidade a este livro que, do nosso ponto de vista, vale muito, muito mesmo, mas mais pelo que mostra e menos pelo que quer explicar. Aos que nos acompanharem neste pequena série de textos espero que os textos vos suscitem uma profunda reflexão sobre o tema da desigualdade no capitalismo e talvez vos desperte o desejo de uma leitura ou de uma re-leitura dos grandes clássicos da Economia, em tempos de lavagem ao cérebro de que se tem encarregado os nossos media e também o ensino dominante nas nossas Universidades.
Júlio Marques Mota