Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
2.FORÇAS DE DIVERGÊNCIA
Será que a onda de desigualdade se está a tornar endémica ao capitalismo?
JOHN CASSIDY, New Yorker, 31 de Março de 2014.
Parte I
No imponente mundo da imprensa académica, não é vulgar que as encomendas e a publicidade façam o editor antecipar a edição de um livro. Mas foi o que Belknap, uma chancela da Harvard University Press, fez ao editar “O Capital no século XXI”, do economista francês Thomas Piketty, uma análise arrebatadora sobre a desigualdade crescente. Revendo a edição francesa do livro do Piketty, que saiu no ano passado, Branko Milanovic, um ex-economista importante do Banco Mundial, chamou-lhe “um livro que marca definitivamente o pensamento económico”. O economista disse que isso pode mudar a maneira como pensamos sobre os últimos dois séculos de história económica. Certamente, nenhum livro de economia nos últimos anos recebeu esse tipo de atenção. Meses antes de sua data de publicação em edição americana, em que o editor antecipou a data da sua publicação de Abril para Março, era já objecto de discussão on-line animada entre economistas e outros comentadores.
Piketty, que ensina na Escola de Economia de Paris, passou quase duas décadas a estudar a desigualdade. Em 1993, com a idade de vinte e dois anos, foi para os Estados Unidos para ensinar no M.I.T. Formado por uma das escolas de elite francesas, École Normale Supérieure, tinha então acabado de obter o grau de doutorado, com uma tese que era uma densa exploração matemática sobre a teoria que serve de suporte às políticas fiscais. Muitos dos mais brilhantes talentos universitários europeus deslocam-se para os Estados Unidos, naturalmente, e muitos deles acabam por ficar na América. Piketty não foi um deles. “Foi a primeira vez que eu assentei o pé no Estados Unidos,” recorda na sua introdução ao livro, “e senti-me bem em ter o meu trabalho reconhecido tão rapidamente. Aqui está um país que sabe como atrair imigrantes quando o deseja! Contudo, senti igualmente e de modo muito rápido que queria regressar a França e à Europa, logo que fizesse os meus 25 anos. Desde então, não tenho saído de Paris, com excepção de algumas breves viagens.”
Parte da motivação de Piketty no seu regresso a casa era de natureza cultural. Os seus pais são parisienses politicamente activos que participaram nos acontecimentos de Maio de 1968. Quando ainda muito jovem e em plena formação os seus modelos intelectuais eram historiadores e filósofos franceses de esquerda, mais do que propriamente economistas. Nestes homens de cultura estavam incluídos membros da escola dos Annales, tais como Lucien Febvre e Fernand Braudel, que produziram análises exaustivas sobre a vida quotidiana. Quando comparados com estes intelectuais, muitos dos economistas que Piketty encontrava no M.I.T pareciam-lhe áridos e fúteis. “Eu nunca considerei o trabalho dos economistas americanos como sendo totalmente convincente,” escreveu Piketty. “Para ter certeza, todos eles eram muito inteligentes, e eu ainda tenho muitos amigos desse período de minha vida. Mas algo de estranho tinha acontecido: Eu estava somente demasiado consciente do facto de que eu não conhecia nada sobre os problemas económicos mundiais.
Em Paris, juntou-se ao Centre National de la Recherche Scientifique e, mais tarde, à École des Hautes Études en Sciences Sociales onde alguns dos seus autores de referência tinham ensinado. A tarefa principal que estabeleceu para si-mesmo foi a de estudar os altos e baixos da repartição do rendimento e da riqueza, um tema que a economia negligenciava na sua maior parte. No início, Piketty concentrou-se sobretudo em obter o registo dos factos mais do que estar preocupado em interpretá-los. Utilizando registos de imposto e outros dados, estudou a forma como a desigualdade do rendimento em França tinha evoluído durante o século XX, e publicou os seus resultados num livro em 2001. Em 2003 escreveu com Emmanuel Saez, um economista francês de origem a trabalhar em Berkeley, um texto em que se analisa a.desigualdade do rendimento nos Estados Unidos entre 1913 e 1998. Neste documento mostrava como a parte do rendimento nacional dos E.U., tomado pelos agregados familiares na parte superior da escala de distribuição, os mais ricos, tinha aumentado fortemente durante as primeiras décadas do século XX, a seguir, tinha descido durante e depois da segunda guerra mundial, simplesmente para voltar a disparar outra vez nos anos da década de 80 e de 90.
Com a ajuda de outros investigadores, incluindo Sáez e o economista britânico Anthony Atkinson, Piketty expandiu este seu trabalho sobre a desigualdade a outros países, incluindo a Grã Bretanha, China, Índia, e Japão. Os pesquisadores criaram World Top Incomes Database uma base de dados sobre os rendimentos dos mais ricos do mundo, que cobre agora uns trinta países, entre eles a Malásia, África do Sul, e Uruguai. Piketty e Sáez igualmente actualizaram os seus dados para os Estados Unidos mostrando como a parte do rendimento dos agregados familiares mais ricos continua a subir fortemente durante e depois da Grande Recessão ( 2008…) e como, em 2012, os um por cento dos agregados familiares mais ricos obtiveram 22,5 por cento do rendimento total, a posição relativa mais elevada desde 1928. O trabalho empírico feito por Piketty e pelos seus colegas influenciou debates em toda parte desde Zuccotti Park, o ponto central de permanência dos Occupy Wall Street, até ao Fundo Monetário Internacional e à Casa Branca; O presidente Obama disse mesmo que enfrentar o problema da desigualdade e da estagnação dos salários é o nosso principal desafio[1].
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[1] Nota do Tradutor. O autor refere-se ao texto publicado pelo blog A Viagem dos Argonautas
Ver em:
(continua)
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Ver o original deste trabalho de John Cassidy em: http://www.newyorker.com/arts/critics/books/2014/03/31/140331crbo_books_cassidy
É brilhante o trabalho deste jovem. Oxalá ele consiga manter-se pragmatico à medida que aprofunda o paradigma que descreve, ao contrário do que se passou com Marx e as suas teorias socio-económicas desvirtuadas pela idologia… lol