Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
2.FORÇAS DE DIVERGÊNCIA
Será que a onda de desigualdade se está a tornar endémica ao capitalismo?
JOHN CASSIDY, New Yorker, 31 de Março de 2014.
Parte IV
(CONCLUSÃO)
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Uma segunda via de fuga possível é a de que a taxa de rentabilidade do capital caia, reduzindo ou eliminando a diferença face à taxa de crescimento. Isto é o que a teoria económica tradicional estaria a prever. Enquanto o stock do capital físico e financeiro é cada vez mais elevado, o princípio de rendimentos decrescentes sugere que a taxa de lucro e de juros diminua. Adam Smith e outros economistas clássicos disseram que isto poderia acontecer; Marx referiu-se-lhe como “a lei mais importante da economia política.” Alguns economistas acreditam que é isso mesmo que já está a ocorrer. Relativamente às décadas passadas e assim sucessivamente as taxas de juro a longo prazo têm sido excepcionalmente baixas, o que levou Ben Bernanke, presidente anterior de FED, a lamentar “uma sobre-abundância global de poupanças. ” Um futuro de baixo crescimento lento e de ultra-baixas taxas de juro não seria um lugar particularmente dinâmico, mas não envolveria necessariamente a qualquer aumento ulterior na desigualdade.
Uma outra coisa que Piketty não considere adequadamente é a possibilidade de que a desigualdade, em algumas das suas dimensões, não esteja realmente a subir. O seu livro focaliza-se na sua maior parte na Europa e nos Estados Unidos. A nível global, um substancial progresso foi feito retirando as pessoas da zona de precariedade total e aumentando a sua esperança de vida. Em 1981, de acordo com os dados do Banco Mundial, aproximadamente dois em cinco membros da humanidade foram forçados a subsistir aproximadamente com um dólar por dia. Hoje, estamos com um em cada sete nestas mesmas circunstâncias. Nos anos 50 e 60 do século XX , a esperança de vida média em países em vias de desenvolvimento era de quarenta e dois anos. Em 2010, este indicador é de sessenta e oito anos. A “vida é melhor agora do que em quase qualquer altura na história,” escreveu Angus Deaton, um economista de Princeton, no seu livro de 2013, “The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality.” “Há mais pessoas a serem mais ricas e há menos pessoas a viverem na pobreza extrema. As pessoas vivem mais anos e os pais já não vêem habitualmente um quarto dos seus filhos morrer.”
Isto é uma grande notícia, mas não significa necessariamente que nós estamos a obter ganhos sobre a desigualdade na repartição dos rendimentos. Deaton ele mesmo indica que, para todo o progresso que foi feito na redução da pobreza e na saúde, a diferença entre países ricos e pobres permanece imensa. “Apesar das realizações quanto ao rápido crescimento das culturas, não houve quase nenhum redução da desigualdade de rendimento entre países,” escreveu ele. “Para cada país com uma história de convergência há sempre um outro país com uma história de que ficou para trás. .”
Ainda, algumas pessoas poderão argumentar que a desigualdade dos salários e a crescente desigualdade no mundo desenvolvido é um preço aceitável a pagar pelos benefícios experimentados relativamente aos piores resultados. Piketty não trata realmente desta questão. Piketty regista o sucesso de China ao longo das três décadas passadas, e o facto de ter deslocado centenas de milhões de pessoas da situação de pobreza extrema. Piketty gasta mais tempo detalhando o facto de que, durante esse intervalo, a desigualdade da rendimento tem aumentado extraordinariamente na China, e noutros países em vias de desenvolvimento, igualmente. Contudo a imagem global pode complicar a sua própria visão da desigualdade no Ocidente desenvolvido. Não considera seriamente o argumento de que a globalização – e o levantamento de nações como a China e a Índia-imediatamente está a manter os salários baixos e a aumentar a rentabilidade do capital, dinamizando a desigualdade em ambos os extremos da escala da repartição de rendimentos.
Dado que a desigualdade é um fenómeno mundial, Piketty tem uma solução adequada à escala planetária como resposta : um imposto global sobre a riqueza combinada com as taxas de tributação mais altas sobre os rendimentos mais elevados. De quanto mais elevados? Tomando como base os trabalhos que fez com Sáez e Stefanie Stantcheva, do M.I.T., relata-nos Piketty: “de acordo com as nossas estimativas, a taxa de tributação superior óptima nos países desenvolvidos está provavelmente acima dos oitenta por cento.” Tal taxa aplicada aos rendimentos acima de quinhentos mil ou de um milhão de dólares ao ano “não somente não reduziria o crescimento da economia dos E.U. mas distribuiria de facto os frutos do crescimento mais extensa e profundamente enquanto imporia limites razoáveis no comportamento economicamente inútil (ou mesmo nefasto) ”.
Piketty está-se a referir aqui às actividades ocasionalmente destrutivas dos especuladores de Wall Street e de bancos de investimento. O seu novo imposto sobre a riqueza seria como um imposto anual sobre os bens imóveis, mas aplicar-se-ia a todos as formas de riqueza. Os agregados familiares seriam obrigados a declarar o seu valor líquido às autoridades tributárias e seriam taxados a partir deste. Piketty sugere provisoriamente um imposto de uma só vez de um por cento para agregados familiares com um valor líquido entre um milhão e cinco milhões de dólares; e de dois por cento para aqueles com valor acima dos cinco milhões. “Ou pode-se preferir um imposto ainda mais fortemente progressivo a ser aplicado sobre as grandes fortunas (por exemplo uma taxa de 5 a 10 por cento em activos acima de um milhar de milhões de euros),” diz-nos ele. Um imposto sobre a riqueza forçaria os indivíduos que frequentemente gerem a sua carga fiscal para evitar outros impostos a pagarem a sua parte e geraria a informação sobre a distribuição da riqueza, que é actualmente opaca. “Algumas pessoas pensam que os multimilionário à escala mundial têm tanto dinheiro que seria bastante taxa-los a uma baixa taxa de tributação para resolver os problemas de todo o mundo”, diz-nos Piketty. “Outros acreditam que há tão poucos multimilionários que não valeria de nada estar a taxa-los mais pesadamente… em todo caso, o debate verdadeiramente democrático não pode continuar sem que haja estatísticas seguras.”
Os economistas podem debater se um tal imposto sobre a riqueza reduziria ou não os incentivos para investir e inovar, ou se seria necessário ser suficientemente penalizante para melhorar a situação no que se refere à desigualdade. Um problema mais imediato é que isto não está a acontecer: as nações do mundo não são capazes de chegar a um acordo em taxar as emissões de carbono prejudiciais, muito menos serão capazes de tributar o capital dos seus cidadãos mais ricos e mais poderosos. . Piketty concede aqui muito. Ainda, diz-nos ele, a sua proposta fornece aqui uma referência contra a qual podem ser julgadas outras propostas; Piketty aponta a necessidade para outras reformas úteis, tais como o melhoramento da transparência das operações bancárias internacionais; e poderia ser introduzida por fases. Um bom ponto de partida para começar, pensa, seria um imposto europeu sobre a riqueza que substitua os impostos sobre os bens imóveis, que “na maioria de países é equivalente a um imposto sobre a riqueza na classe média.” Mas isso pode ser visionário, também. Se a União Europeia avançasse com a proposta de Piketty, geraria uma precipitação para as zonas abrigadas de impostos, os paraísos fiscais, uma fuga dos capitais para a Suíça e para o Luxemburgo. Os esforços precedentes para introduzir os impostos sobre a riqueza ao nível nacional debateram-se com fortes problemas. A Espanha, por exemplo, adoptou um imposto sobre a riqueza em 2012 e aboliu-o no início deste ano. Em Itália, um imposto sobre a riqueza foi proposto em 2011 e nunca foi aplicado . Tais dificuldades explicam porque é que os governos ainda confiam noutras, evidentemente imperfeitas, ferramentas para taxar o capital, tal como impostos sobre a propriedade, as casas e sobre as mais-valias.
Nos Estados Unidos, a própria ideia de um novo imposto sobre a riqueza é olhada politicamente como uma impossibilidade tal como a ideia de levantar a taxa superior de imposto sobre os rendimentos mais elevados para oitenta por cento. Isto não é uma crítica a Piketty. O papel apropriado dos intelectuais é o de publicamente questionarem os dogmas aceites, conceber novos métodos de análise e de alargar os termos do debate político. O livro “Capital in the Twenty-first Century” faz todas estas coisas. Assim, como com uma tão grande previsão alguma parte deste não poderá suportar o teste da passagem do tempo. Mas Piketty escreveu um livro que ninguém interessado em compreender as grandes questões que se levantam da nossa época se pode dar ao luxo de ignorar.
JOHN CASSIDY, New Yorker, FORCES OF DIVERGENCE – Is surging inequality endemic to capitalism?, Março de 2014
http://www.newyorker.com/arts/critics/books/2014/03/31/140331crbo_books_cassidy
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Para ler a Parte III deste trabalho de John Cassidy, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá: