Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Eurovisão: género, os pirosos participam
Le Causeur, 12 de Maio 2014
Em 1974, a androgenia era rock. Em 2014,Conchita Wurst é a barba
A Europa incomoda-se, irrita-se. Privada de inimigo a abater, alimentada à força de liberdades fundamentais, super-enriquecida de acervos sociais e de novos direitos, ela caminha um pouco em círculo. Depois de ter criado a segurança social, atribuído o direito de voto às mulheres e de ter instaurado a livre circulação das pessoas e das mercadorias de um país a outro, depois, inventou a Eurovisão para celebrar as suas culturas, as suas artes e a criatividade desenfreado para que o mundo inteiro a inveje.
Encontro anual do mau gosto subcultural, o acontecimento assenta sobre um princípio agora já bem rodado : candidatos reajustados às emissões dos reality show fazem-se pagar por um quarto de hora de celebridade representando o seu país pela interpretação do pior ensopado musical de que este último foi capaz de parir. E a Europa festeja assim a paz e o amor reencontrados, entre nações que se atacavam anteriormente , tratando-se como inimigos de sempre.
Este ano, é ainda uma vez mais um perfeito desconhecido, o jovem Thomas Neuwirth, de 25anos, que provou com a sua canção “Rise like a Phoenix” que a Europa tinha um incrível talento. Kitsch à vontade , sem nenhum interesse particular , a sopa servida num estilo bombeiro por Tom o Austríaco bem poderia ter sido esquecida depois de imediatamente cantada, como todos os excertos dos seus gloriosos antecessores (quem é que ainda hoje de trautear no chuveiro a canção « Dors mon amour » de André Claveau, premiada em 1958 ?).?
Mas à falta do menor talento artístico, o interessado deu ares de um certo sentido do marketing. A hora exacta, em que a lei comum se desfaz sobre as reivindicações de uma minoria e onde os sexos se apagam para proveito do conceito “de género”, o nosso Tom boy da canção posicionou-se sobre o mercado mais portador de royalties: o da identidade sexual vaga e do compromisso contra a homofobia. Como? Muito simples: enfiando um vestido de lantejoulas e adicionando uma falsa barba sobre o seu queixo para subir ao palco.
Rebaptizando-se para a ocasião de Conchita Salsicha (Wurst, em alemão) e contando a a sua adolescência difícil de homossexual rural, apostou a fundo sobre o tema mais consensual do momento. E todos os meios de comunicação social podiam competir com o titulo para a notícia do dia seguinte com caixas do tipo : . “Vitória da tolerância”, “triunfo da diferença sexual”… A partir do dia seguinte, os grandes títulos celebram unanimemente a proeza “do travesti barbudo” ou “do drag queen austríaco” como se fosse evidente que a sua prestação não tinha nenhuma outra dimensão.
Houve um tempo em que todos “os monstros” incomodavam, abanavam a burguesia, chocavam os púdicos e os padres. Quando David Bowie encarnava Ziggy Stardust em 1972, era proibido duas pessoas do mesmo sexo abraçarem-se nas ruas de Londres. Quando em 1986, Freddie Mercury fazia tremer o estádio de Wembley disfarçado de rainha da Inglaterra, “a promoção intencional da homossexualidade” acabava de ser proibida. Eles eram diferentes, provocantes e desafiavam as instituições do seu tempo.
Hoje, Thomas-Conchita poderia eventualmente passar por um rebelde na Rússia, onde os homossexuais não são considerados estarem na norma, sem serem marcados por um triângulo cor de rosa e depois deportados por isso mesmo . Mas na Europa, onde a norma terminou por negar a sua diferença como aquelas que permitiam outrora não confundir um lenhador e uma lavadeira (a barba, por exemplo), trata-se exactamente de uma salsicha como uma qualquer outra. E um falso monstro de cabeleira postiça. Boceja-se.
*Photo: Frank Augstein/AP/SIPA. AP21565524_000002.
Revista Causeur, Eurovision: Genre, les beaufs s’y mettent, Maio de 2014
* Tantas vezes o cântaro vai á fonte que um dia fica lá asa …o anormal ,o escandaloso ,o irrevogável acabaram por se tornar “normal ” e assim se inverte os valores da fracção -Maria *