O TESTAMENTO DE AFONSO II (1214) E A LÍNGUA PORTUGUESA – por Manuel Simões

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Embora continuasse a usar o latim nos actos administrativos e na diplomacia, com Afonso II o poder central começa a assinalar o falar local, ao ponto de o próprio rei mandar redigir nesse idioma um dos seus testamentos, precisamente em 27 de Junho de 1214.

Também alguns documentos privados, mais ou menos coevos, seguem esta decisão, de que é exemplo a chamada “Notícia de Torto” (1211? 1214? 1216?), esboço de escritura notarial em que um membro da nobreza portuguesa do Norte lamenta uma série de ultrajes sofridos pelos filhos de um seu parente. Estes dois textos, de reconhecida autenticidade, não obstante constituirem casos isolados, permitem caracterizar os aspectos fundamentais do português escrito, então em uso na corte e em actos legais.

São, portanto, dois documentos de excepcional importância para a fixação de uma língua que tinha atrás de si um longo período de elaboração, e que se foi moldando pela lenta transformação operada pelos falares regionais que conviveram com o latim vulgar. E se sobre a prática plurissecular da língua oral só temos escassos vestígios entre as linhas das escrituras em latim, algumas palavras isoladas e topónimos já vulgarizados , não há dúvida que estes indícios atestam o final da evolução, sobretudo fonética, que caracteriza o português. O texto de 1214 confirma e amplia os sinais da irrupção do vulgar na escrita, com o reconhecimento que o monarca decide sancionar.

De datação mais incerta é uma “Notícia de Fiadores”, que alguns estudiosos remontam a 1175; e um “Auto de Partilhas” dos irmãos Sanches, de 1192. E são seguramente dos finais do século XII algumas cantigas de amigo (é conhecida a cantiga “Ay eu, coitada”, atribuída a Sancho I de Portugal mas que, com mais probabilidade, pertence a Alfonso X de Castela); e sobretudo algumas cantigas de escárnio e de maldizer, as quais, por serem mais espontâneas e menos estereotipadas, reflectem mais de perto a linguagem oral então em uso. Mas o “Testamento de Afonso II” adquire um relevo fundamental por ser um documento produzido por vontade régia e, por conseguinte, linguisticamente estimulante do futuro do português como língua autónoma, língua que D. Dinis, em 1290, tornará oficial e obrigatória, abolindo o latim de todos os documento

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