Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota
Sobre o texto do conselheiro de Putin
Um texto muito especial, um texto escrito pelo conselheiro especial de Putin, é o que aqui apresento. Um texto inicialmente publicado pela Voz da Rússia e portanto passível eu de ser acusado de estar a fazer o jogo do Kremlin. Naturalmente assim quando se entende que o que convém aos generais americanos é o que convém para o mundo, neste caso não apenas unipolar, mas em que se manda às urtigas todo e qualquer conceito básico de democracia. A prática da difamação é hoje corrente pelo que não deixa de ser um risco assumido. Acontece que o primeiro site onde dei por este texto é um dos três mais conceituados sites americanos que pessoalmente consulto, Insider Business, Naked Capitalism e Zero Hedge. Pegando no texto de Zero Hedge fui procurar o mesmo texto com o autor citado e descubro que o texto de Zero Hedge é exactamente o texto publicado pelos Russos. O facto de o texto ser publicado por Zero Hedge confere-lhe automaticamente seriedade e é por isso mesmo que aqui o reproduzimos.
Coimbra, 25 de Junho de 2014
Júlio Marques Mota
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Conselheiro de Putin propõe: “Uma aliança anti-dólar ” Para parar a agressão americana no exterior
Tyler Durden, 18 de Abril de 2014
Já passou algum tempo em que ambos, a Ucrânia, e a resposta actual da Rússia em face às sanções ocidentais (que desencadearam o grande eixo da Eurásia em movimento, levando a uma maior aproximação entre a China e a Rússia e acelerando o “Santo Graal” entre os dois países) foram então os grandes títulos nos grandes media. Ainda não está claro porque é que os media ocidentais abandonaram a cobertura da Ucrânia como uma batata quente, especialmente desde que a guerra civil no Donbas da Ucrânia continua a fazer fortes estragos e dezenas de feridos em ambos os lados. Talvez as audiências simplesmente tenham ficado cansadas de ouvir falar sobre o jogo de misto xadrez/damas entre Putin vs Obama e em vez disso tem preferido ler a propaganda em torno de eventos tão mortíferos da terceira guerra do Iraque em tantas décadas .
No entanto, “fora da vista” pode ser apenas o que quer a elite política da Rússia. Na verdade, como Valentin Mândrescu do Voice of Russie nos relata , enquanto a grande máquina de poder e de distracção dos EUA está focada noutro lugar, a Rússia já se está a preparar para as próximas etapas. O que nos leva às teses do conselheiro de Putin, Sergey Glazyev, a mesma pessoa que, no início de Março, foi o primeiro a sugerir que se abandonassem as posições financeiras constituídas em dólares como retaliação contra as sanções americanas, uma estratégia que funcionou porque, mesmo com o Kremlin a manter o seu controle sobre a Crimeia, as sanções ocidentais magicamente pararam (e não só isso, mas como o banco central russo relatou o excedente da balança corrente de 2014 pode ser muito elevado e no valor de US $35 mil milhões, acima portanto dos US $33 mil milhões em 2013, e muito longe de valores “fabricados” anunciados e propalados de “US $200 mil milhões” em saídas de capital russos de que Mario Draghi teria falado muito recentemente). Glazyev foi também a pessoa que serviu de elo de ligação e é o principal responsável pela aproximação do Kremlin com Pequim e pelo facto de se ter alcançado o acordo de gás natural com Pequim, que teve lugar recentemente, mas não necessariamente nos termos mais benéficos para a Rússia.
Foi também Glazyev que publicou um artigo no jornal russo Argumenty Nedeli, em que delineava um plano para “minar a força económica dos E.U.” a fim de forçar Washington a parar com a guerra civil na Ucrânia. Glazyev acredita que a única maneira de fazer com que os E.U. abandonem os seus planos de começar uma nova guerra fria é conseguir-se fazer com que deixe de funcionar o sistema de pagamentos internacionais assente no dólar .
Como resumido pelo VoR, no seu artigo, publicado por Argumenty Nedeli, o assistente económico de Putin, o grande mentor que está por detrás da união económica euro-asiática, discute que Washington esta a tentar provocar uma intervenção militar russa na Ucrânia, utilizando a junta em Kiev como uma isca. Se cumprido, o plano dará a Washington um número de benefícios importantes. Primeiro, permitirá aos EUA aplicar novas sanções contra a Rússia, anulando a carteira de títulos do Tesouro Americano detidos por Moscovo. Mais importante ainda é que uma nova onda de sanções criará uma situação em que as empresas Russas não conseguirão pagar as suas dívidas aos bancos europeus.
De acordo com Glazyev, a “chamada terceira fase” de sanções contra a Rússia terá um custo tremendo para a União Europeia. O total estimado dos prejuízos será eventualmente superior a um milhão de milhões de euros. Tais perdas atingirão severamente a economia europeia, fazendo dos Estados Unidos o único “abrigo seguro” no mundo. As duras sanções contra a Rússia deslocarão igualmente Gazprom do mercado europeu da energia deixando um enorme espaço para o muito mais caro LNG vindo dos Estados Unidos .
Co-optando os países europeus para uma nova corrida aos armamentos e em operações militares contra a Rússia os Estados Unidos irão aumentar a influência política americana em Europa e dará força aos Estados Unidos para obrigarem a União Europeia a aceitar a versão americana da parceria transatlântica do comércio e do investimento, um acordo de comércio que transforma basicamente a UE numa grande colónia económica dos Estados Unidos. Glazyev acredita que incentivando fortemente uma nova guerra na Europa trará somente benefícios para a América e somente problemas para a União Europeia. Washington usou repetidamente guerras globais e guerras regionais para favorecer a economia americana e agora a Casa Branca está a tentar usar a guerra civil na Ucrânia como um pretexto para repetir o velho truque.
O conjunto de contra-medidas estabelecido por Glazyev visa especificamente o núcleo central da máquina de guerra dos E.U., isto é as máquinas de imprimir dólares do FED. O conselheiro de Putin propõe a criação “de uma larga aliança anti-dólar” de países dispostos e capazes de deixar cair o dólar como moeda de referência no seu comércio internacional. Os membros desta aliança abster-se-iam igualmente de manterem as suas reservas de divisas em instrumentos designados em dólares. Glazyev defende o tratamento de posições em instrumentos designados em dólares como títulos podres e considera que os reguladores devem exigir a completa colateralização de tais instrumentos expressos em dólares. Uma aliança anti-dólar seria a primeira etapa para a criação de uma aliança anti-guerra que pudesse ajudar a parar a agressão americana.
Bem entendido, Sergey Glazyev acredita que o papel principal na criação de uma tal aliança política deve ser desempenhada pela comunidade empresarial europeia porque as tentativas de América em incentivar uma guerra na Europa e uma guerra fria contra a Rússia estão a ameaçar os interesses das grandes empresas europeias . A julgar pelos esforços recentes para parar as sanções contra a Rússia, feitas pelos alemães, pelos dirigentes das grandes empresas francesas, italianas e austríacas, o assistente de Putin tem razão na sua avaliação. Um tanto surpreendentemente para Washington, a guerra para Ucrânia pode em breve transformar-se na guerra para a independência de Europa relativamente aos Estados Unidos e numa guerra contra o dólar.