MANHÃS BRUMOSAS, de CESÁRIO VERDE

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1855 - 1886
1855 – 1886

MANHÃS BRUMOSAS, de CESÁRIO VERDE

 

 

Aquela, cujo amor me causa tanta pena,

Põe o chapéu ao lado, abre o cabelo à banda,

E com a forte voz cantada com que ordena,

Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda,

Por entre o campo e o mar, bucólica, morena,

Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.

 

 

Que línguas fala? Ao ouvir-lhe as inflexões inglesas,

– Na névoa azul, a caça, as pescas, os rebanhos! –

Sigo-lhes os altos pés por estas asperezas;

E o meu desejo nada em época de banhos.

E, ave de arribação, ele enche de surpresas

Seus olhos de perdiz, redondos e castanhos.

 

 

As irlandesas têm soberbos desmazelos!

Ela descobre assim, com lentidões ufanas,

Alta, escorrida, abstracta, os grossos tornozelos;

E como aquelas são marítimas, serranas,

Sugere-me o naufrágio, as músicas, os gelos

E as redes, a manteiga, os queijos, as choupanas.

 

 

Parece um “rural boy”! Sem brincos nas orelhas,

Traz um vestido claro a comprimir-lhe os flancos,

Botões a tiracolo e aplicações vermelhas;

E à roda, num país de prados e barrancos,

Se as minhas mágoas vão, mansíssimas ovelhas,

Correm os seus desdéns, como vitelos brancos.

 

 

E aquela, cujo amor me causa tanta pena,

Põe o chapéu ao lado, abre o cabelo à banda,

E com a voz forte cantada com que ordena,

Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda,

Por entre o campo e o mar, bucólica, morena,

Uma pastora audaz e religiosa Irlanda.

 

 

Renascença 1879

Foz do Tejo, 1877

Porto

 

In O Livro de Cesário Verde, Clássicos de Bolso Estante, Livraria Estante Editora, 1987, Aveiro.  Considerações introdutórias à Vida e à Obra de Cesário Verde por António Capão.

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