CARTA DO RIO – 11 – por RACHEL GUTIÉRREZ

 

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Mundo, mundo, vasto mundo, triste mundo este nosso. No dia 23 de julho, o caderno de Economia do jornal O Globo, em sua página sobre a Sociedade, trouxe ampla matéria sobre a violência contra a mulher com o título Infelizes para sempre. A foto, que ocupa quase metade da página, mostra, sob um grosso xale vermelho, apenas parte de um belo rosto de menina cujo olhar assustado é de cortar o coração. Ficamos sabendo que meninas como essa, em uniões forçadas a partir dos 8 ou 9 anos de idade são 700 milhões no mundo, hoje, e que a excisão do clitóris, o crime hediondo da mutilação genital atinge 130 milhões, ou mais. Esses dados são da Unicef. E isso não acontece apenas em alguns países da África e do Oriente Médio onde, segundo o jornal, os dados são mais confiáveis, mas também na Indonésia, na Malásia, em alguns países da Europa e no Reino Unido! “Estima-se que haja 170 mil vítimas de ablações genitais na Grã-Bretanha.” Por isso, “o governo britânico anunciou que processará os pais que não evitarem a mutilação das suas filhas” e “aprovou uma lei que torna crime o casamento forçado”.

É conhecida também a recomendação da Unicef para que se enfrente o desafio de fornecer uma educação sexual clara e honesta nas escolas, para que as crianças aprendam a denunciar e a se defender dos abusos sexuais desde a primeira infância, e para que os adolescentes sejam orientados sobre os métodos contraceptivos e as doenças sexualmente transmissíveis. Mas é indispensável que se convoque também os pais. A maioria ainda carrega tabus, temores, preconceitos, e é reprimida demais para abordar esse assunto com os filhos. Além disso, há centenas, talvez milhares de mães que deixam de questionar o comportamento de pais que abusam das filhas, por exemplo, porque temem enfrentá-los ou perder a sua suposta “proteção”. Durante séculos, nas cerimônias de casamento, instou-se o marido a prometer proteção à esposa, e a esposa, a prometer obediência ao marido. Li o relatório de uma professora que ao perceber algo errado com uma de suas alunas, chamou a mãe e ouviu dessa que o pai era um bom marido, que trazia comida para a casa, onde nada faltava, e que só tinha esse pequeno defeito – o de molestar a filha. Ao insistir sobre a necessidade de defender a criança e sugerir que se procurasse ao menos mantê-la sempre acompanhada por alguma outra pessoa quando na presença do pai, tudo o que a professora conseguiu foi que a mãe, dias mais tarde, retirasse a menina do colégio.

É preciso que a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Carta Magna oficializada como lei internacional e ratificada por 193 países seja estudada e respeitada por professores, pais e alunos de todas as escolas; que a Declaração Universal dos Direitos Humanos seja matéria obrigatória para que os adolescentes possam se tornar bons cidadãos.  Que se ensine a respeitar as diferenças de sexo, de gênero, de etnia, de cor ou de religião; que se incentive o convívio harmonioso entre todos e, acima de tudo, que se estimule entre meninas e meninos, rapazes e moças, a mútua proteção e o mútuo respeito. Só assim estaremos invertendo os falsos valores dos preconceitos, da intolerância e do machismo que provocam os abusos de poder contra as mulheres, contra as crianças e contra as minorias. E que nenhuma mãe se acumplicie com um pai violento por melhor marido que ele pareça ser.

E que às mulheres que são também guerreiras, que lutam cada vez mais com ousadia e coragem ao lado dos homens, eles possam um dia dizer “eu sou tu mesma, só com outro sexo, mas com a mesma humanidade”.

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