CARTA DO RIO – 13 – por Rachel Gutiérrez

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Na manhã de quarta-feira, 13 de agosto, neste fatídico “mês de desgosto”, o candidato à presidência do Brasil pelo PSB, saiu de um hotel em Copacabana para tomar o avião que o levaria a Santos, SP, onde participaria de um evento chamado Santos Export. De acordo com o que um recepcionista do hotel disse ao jornal O Globo: “Ele passou aqui pela portaria, deu um sorriso e disse apenas bom dia. Enquanto o carro estacionava, ficou ali do lado de fora, perto das escadas, sozinho, esperando. Não falava ao celular, nem com qualquer pessoa. Apenas olhava o mar.”

Poucas horas mais tarde, o país perplexo, consternado, tomou conhecimento do trágico acidente aéreo que matou Eduardo Campos, o jornalista Carlos Percol, o advogado Pedro Valadares, o fotógrafo Alexandre Severo e o cinegrafista Marcelo Lyra, do staff do candidato, e os pilotos Geraldo Cunha e Marcos Martins.

Três dias depois, quando o cortejo fúnebre passou pelas ruas de Recife, capital do estado de Pernambuco, que Eduardo Campos governou em dois mandatos com aprovação quase unânime, seu povo o aplaudiu e gritou ao longo de todo o trajeto : “Eduardo guerreiro do povo brasileiro!” Entre os cartazes e faixas que logo apareceram durante o velório em frente ao palácio do governo, em meio às centenas de coroas de flores, destacou-se uma que dizia “A Saudade só será menor do que a Gratidão” e as camisetas amarelas, que seus filhos e alguns familiares e correligionários usaram trazem escrita uma de suas últimas frases em entrevista à TV Globo: “Não vamos desistir do Brasil!”

Eduardo Campos estava em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, era pouco conhecido da maioria da nossa imensa população, condicionada a só enxergar a velha disputa entre o PT e o PSDB, mas neste momento, depois de morto, tornou-se, paradoxalmente, a presença mais viva da política brasileira. Agora todos falam na terceira via que ele representava, “uma lufada de ar fresco na mesmice da política brasileira”, segundo Miriam Leitão, quando escreveu que “o destino produziu um enorme desfalque no pouco que temos”.

E expressando também um sentimento de orfandade, Cristovam Buarque, em entrevista a Alexandre Garcia, disse hoje, pouco antes do enterro que atraiu imensa multidão: “quando morre um parente ou um amigo, deixa o vazio da proteção, mas quando morre um político”, (especialmente, um político da estatura de um Eduardo Campos), “ o vazio é o da esperança.” Mas é possível acreditar que a esperança se renove. Campos foi um cristão de boa cepa, ligado à área progressista da Igreja e suficientemente independente para apoiar, por exemplo, experiências com células tronco. Como ainda observou Miriam Leitão, os gestos eram novos: o de Marina Silva, de ir a ele, quando sua Rede Sustentabilidade não foi aceita como partido pela Justiça Eleitoral, o dele, ao abrigar a Rede em seu PSB e ao fazer dela a Vice de sua chapa. Talvez por isso valham aqui os versos de um poeta católico, o francês Charles Péguy: “ a esperança é uma menininha de nada que nos diz bom dia todas as manhãs.”

Eis o que o comentarista econômico Carlos Alberto Sardenberg escreveu sobre sua substituta natural: “Marina Silva no lugar de Eduardo Campos muda o jogo na política e nas perspectivas econômicas.(…) e o sentido da candidatura também muda” porque “a terceira linha podia não convencer o eleitor, mas fazia sentido.” Sardenberg também observou que entre os políticos conhecidos, Marina era a única aprovada pelos manifestantes de junho do ano passado.

Quem foi afinal Eduardo Campos, e como pensava?

A TV Cultura de São Paulo reapresentou o programa Roda Viva que o entrevistara em 8 de maio de 2014.

Disse o então candidato que o Brasil não precisa de mais medo nem do tipo desgastado de políticas de confrontos e polarizações; que não há mais espaço para o agronegócio fora da sustentabilidade; que o Brasil tem jeito e o jeito é botar a sociedade na política; que colocar o que é emancipatório não implica em esquecer as conquistas dos governantes anteriores.

Sobre as velhas raposas, os políticos que se eternizam no poder, disse: “os que não forem aposentados pelo povo, temos que ter a coragem de botar na oposição”. Prometeu combater a corrupção e promover a democracia participativa; retomar o desenvolvimento e enfrentar o desafio da reforma agrária. Iria combater a dobradinha do político com o empresário e transformar a indignação num motor renovador além de combater também o presidencialismo de coalizão; e prometeu melhorar as cidades, preservar empregos considerando que o pacto social não é aliança política.

Como disse ainda Cristovam Buarque: quando um político põe a sociedade em primeiro lugar, sua possível eleição faz dele não um simples representante, mas um verdadeiro estadista.

Eduardo Campos, em sua última entrevista ao Jornal Nacional da TV Globo, na véspera de sua morte, disse: “Agora, ao lado da Marina Silva, eu quero representar a sua indignação , o seu sonho, o seu desejo de ter um Brasil melhor. Não vamos desistir do Brasil. É aqui onde vamos criar nossos filhos, é aqui onde nós temos de criar uma sociedade mais justa. Para isso, é preciso ter a coragem de mudar, de fazer diferente, de reunir uma agenda. É essa agenda que nos reúne, a agenda da escola em tempo integral, a agenda do passe livre, a agenda de mais recursos para a Saúde, a agenda do enfrentamento do crack, da violência. O Brasil tem jeito. Vamos juntos. Eu peço teu voto.”

Esse voto que será transferido para a nova cabeça de chapa do PSB, Marina Silva, depois do trágico desastre aéreo que matou Eduardo Campos no auge dos seus verdes 49 anos, completados três dias antes de morrer.

Nunca pareceram tão oportunos e significativos estes versos do poema de Guimarães Rosa, do livro Magma:

ALONGO-ME

O rio nasce

toda a vida.

Dá-se

ao mar a alma vivida

a água amadurecida,

a face

ida.

O rio sempre renasce.

A morte é vida.

 

 

 

 

 

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