Carta do Rio – 19 – por Rachel Gutiérrez

                      

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Na única viagem que fiz, no final dos anos 80, aos Estados Unidos, com minha querida e saudosa amiga Celina Engersen, visitei Amherst, a efervescente cidade universitária situada no vale do rio Connecticut, em Massachussets, onde nasceu e viveu Emily Dickinson, uma das maiores poetas do século XIX. Lá fomos encontrar uma consultora do departamento de Women’s Studies, além de brazilianista e grande conhecedora da nossa Literatura, a simpática professora Daphne Patai, amiga da minha amiga, que nos hospedou generosamente em sua casa durante um belo e inesquecível fim de semana.

Naqueles dois dias, Celina e Daphne se dedicaram a revisar a tradução, ou versão para o inglês, do meu livro O Feminismo é um Humanismo, que a primeira havia realizado com a extraordinária competência que a tornara famosa, no Rio, como especialista no ensino da língua de Shakespeare para jovens aspirantes ao Instituto Rio Branco, que os conduzia ao Itamaraty e ao ministério das Relações Exteriores.

 Nada disso, porém, importa agora. O que importa é o que a estudiosa Daphe Patai nos contou sobre a então recente descoberta da existência de mais de duzentos textos muitas vezes manuscritos e inéditos, de utopias escritas por mulheres norte-americanas no final do século XIX e início do século XX.

E por falar em utopias, mais uma vez o projeto de governo de nossa corajosa  Marina Silva foi afastado para um horizonte ainda distante, quando o candidato do PSDB, Aécio Neves, a superou ao passar para o segundo turno das nossas eleições.  É Aécio e não a “sonhática” Marina,  quem vai enfrentar, nos debates e embates finais,  a máquina do atual governo e os marqueteiros do PT e de Dilma Rousseff. Sem dúvida, está melhor aparelhado do aquela que , após o trágico desaparecimento de Eduardo Campos, foi catapultada de repente para uma campanha que só pôde contar com o improviso e as decisões de última hora. Mesmo assim, foi Marina Silva quem se apressou em apresentar um programa de governo, quem discutiu em profundidade os problemas do país e quem assumiu uma atitude crítica em face da desgastada  polarização entre as duas principais tendências da nossa política, do PT e do PSDB. Não atacou pessoas, denunciou a corrupção; não espalhou calúnias, nem apelou para o embuste e a mentira; não se afastou dos seus princípios, nem deixou de reconhecer os méritos de seus adversários. Mas a luta foi desigual, injusta, cruel e extremamente deselegante. Então, a moça de pele escura, que veio da floresta e da pobreza se não ganhou, perdeu ganhando, como gosta de dizer,  pois deu uma lição de coerência, de elegância e de grandeza aos seus poderosos contendores. E não perdeu de vista o sonho.

Agora que Aécio Neves vai precisar dos votos dos eleitores de Marina Silva, terá de aceitar a proposta de uma discussão franca e honesta sobre os pontos mais importantes do programa da acreana para assumi-los,  com eles se comprometer e levá-los adiante. Eu já havia pensado sobre o que acabo de escrever quando li, na coluna do comentarista do jornal O Globo, Ricardo Noblat, o que cito a seguir: “Tudo indica que Marina não repetirá o comportamento que adotou na eleição presidencial de 2010, quando foi a terceira candidata mais votada e negou seu apoio a qualquer um dos finalistas do segundo turno – Dilma e José Serra. Para ser coerente com o que disse sobre Dilma,  apoiará Aécio se ele adotar parte de seu programa de governo”   (grifo meu) .  E Noblat fecha esse parágrafo de seu artigo com uma afirmação incontestável: “Aécio pagará qualquer preço pelo apoio de Marina. E com razão.” Sim, com razão. Porque é preciso lembrar  que com apenas dois minutos de televisão, contra os 12 do PT,  e sendo atacada por todos os lados, ela conquistou mais de 20 milhões de votos que indicam a insatisfação com o governo atual e, como ficou demonstrado nas manifestações de junho de 2013, com o nosso sistema político ineficaz, desmoralizado e corrupto.

Muitos dos que vão transferir agora os votos de Marina para Aécio não confiam no PSDB, mas o problema que enfrentam é que confiam ainda menos na continuidade de um governo como o do PT de Dilma Rousseff , apesar de todos  os seus avanços cantados e decantados pela candidata à reeleição e principalmente por causa de todos os seus tão visíveis desmandos e “malfeitos”.

O hábito atual dos candidatos contratarem marqueteiros oriundos da área da publicidade para suas campanhas as estão dissociando de qualquer compromisso com a verdade e com a justiça. É um “vale tudo” sem nenhum senso de responsabilidade. E o povo, muito mais áudio visual do que letrado, engole inocentemente qualquer embuste bem maquiado.

Marina Silva, estranha a esse jogo, encarnou a utopia de um terceiro caminho que foi vislumbrado e acompanhado com entusiasmo por muitos sonhadores brasileiros. Uma utopia ainda distante, precisamos admitir.  Sem desanimar, porém, podemos repetir o que respondeu Eduardo Galeano, quando lhe perguntaram para que serve a utopia, afinal.

 – “A Utopia serve para que continuemos caminhando.”  E sem perder a Esperança.

 

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