ONDAJAKI: “OS VIVOS, O MORTO E O PEIXE FRITO”- “UM ABRAÇO A TODOS OS QUE CELEBRAM A LÍNGUA PORTUGUESA EM CADA UM” por Clara Castilho

livrolivros22

Foi numa sala cheia, de pessoas e de expectativa, que Ondjaki e amigos nos deliciaram com a sua boa20140923_190155_resized disposição, através da leitura de partes do livro “Os Vivos, o Morto e o Peixe-Frito”. Texto originariamente escrito para ser lido na Rádio, foi-o na RDP África durante o África Festival 2006. Transforma-se agora em peça de teatro que se espera poder ser levada a cena brevemente.É considerado um texto satírico sobre a vida dos imigrantes africanos em Portugal. Satírico porque nos faz rir com cenas algo caricatas? Será? Só lá vejo ternura.

Lemos as circunstâncias em que decorrem as cenas e percebemos que coincidem com as dificuldades quotidianas de muitas das pessoas que vieram e vêm de países que outrora colonizámos. Apesar de diversas origens, os personagens conseguem encontram o que têm em comum. Que são as dificuldades. E a forma como olham para este país, Portugal, que os acolhe de forma diversa e para eles olha e actua de uma forma cheia de preconceitos. De comum? Os mesmos problemas e a comunicação através da língua portuguesa. São 13 as personagens provenientes dos países lusófonos (Angola, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau).

Na contracapa do livro é-nos feita a apresentação:

“Num dia como outro qualquer, um grupo de imigrantes vive o seu quotidiano no centro de Lisboa, tratando de aspectos ligados à legalização, às disputas sociais e ao convívio. No final da tarde, para assistir ao confronto entre a selecção angolana de futebol e a selecção portuguesa, juntam-se num minúsculo apartamento cabo-verdianos, angolanos, são-tomenses, moçambicanos e portugueses, mais o bebé na barriga da futura noiva, as cervejas, a pistola, a comida, os diamantes do padrinho e o vizinho morto que adorava futebol. A mistura de culturas num espaço tão pequeno vai despoletar uma série de acontecimentos. A Mouraria nunca tinha vivido um dia assim.

Uma peça de teatro como se fosse um romance. Ou o inverso.”

Sobre o livro escreve o o jornalista e poeta Abderrahmane Ualibo:

“O novo livro de Ondjaki, editado em Portugal pela Caminho, chama-se Os Vivos, o Morto e o Peixe Frito e já chegou às livrarias mas o seu lançamento oficial acontecerá apenas no dia 23 de Setembro. Escreve sobre ele na badana o jornalista e poeta Abderrahmane Ualibo:

“Neste exercício literário sob a aparência de texto teatral, a reflexão bem-humorada explica muitos dos factores da convivialidade africana em território europeu.

“Estamos perante um exercício puro de ficção e de liberdade: o autor dá voz aos africanos que vivem e viveram em Portugal, de um modo arejado e digno. O lado humano dos personagens africanos sobrepõe-se às suas nacionalidades, mas não aos seus costumes.

Ondjaki deu-nos um texto cómico e sério, como se fosse um simples abraço a todos os que celebram a língua portuguesa em cada um.”

Sobre o autor podemos acrescentar:

Ondjaki (pseudónimo de Ndalu de Almeida) nasceu em Luanda, em 1977. Prosador e poeta, também escreve para cinema e co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda. Foi laureado com o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco 2007, pelo seu livro Os da Minha Rua. Em 2008, recebeu, na Etiópia, o prémio Grinzane for Best African Writer. PrémioFNLIJ (Btasil 2010, 2013 w 2014), prémio JABUTI (Brasil, 2010), na categoria juvenil. Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância, 2012, Prémio José Saramago, 2013.

 É membro da União dos Escritores Angolanos e da Associação Protectora do Anonimato dos Gambozinos. Alguns livros seus foram traduzidos para francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sérvio, sueco e chinês.

Vamos ao livro. Sobre “os vivos” percebemos. Mas onde entra o “morto”? É na casa ao lado, onde vão procurar um rádio, para poderem seguir o jogo de futebol, quando falta a electricidade:

“MÁRIO ROMBO

Epá, calma aí com o falatório que estamos numa parte crítica, canto para Angola…

LOCUTOR

…pode ser um lance de perigo… É Figueiredo quem vai bater o canto… O árbitro resolve ali entretanto algumas picardias entre os jogadores… Habituais, de resto, neste género de lance… As mãos passeiam pelos corpos do adversário, numa nítida tentativa de causar alguma irritação… Isto depois origina, obviamente, comentários menos simpáticos relativamente às respectivas mães dos jogadores… Ricardo parece nervoso… Gesticula… Ricardo gesticula, Scolari não tem ângulo para poder ver os gestos de Ricardo… E aí está, Figueiredo recua, apanha balanço… Muito bem marcado… A bola segue em arco… Salta toda a selecção angolana… Pode haver perigo… (Grita.) Pode haver perigo!…

(A voz é cortada de repente. A luz foi.)

TODOS

Aahhhhhhhhhh!…….

MÁRIO ROMBO

Puta que o pariu…!

QUIM

Puta que o pariu…!

  1. J. MOURARIA

Eu diria o mesmo se estivesse em minha casa.

MÁRIO ROMBO

Mas aqui em Portugal também tem Robin dos Postes?!”

 E o “peixe frito”? Pois é um desejo de um deles:

 “MÁRIO ROMBO

(Desesperado.)

Eu não acredito nisto… querem me matar do coração… primeiro é porque não há peixe frito… depois é que para conseguir um rádio tenho que trazer um morto e ainda por cima o rádio não funciona e o morto fica aqui a assistir o jogo…

MINA

Calma, pai…

MÁRIO ROMBO

E agora, mesmo estando na Tuga, a pagar imposto com 21 por cento mais a segurança social… a luz vai… e eu não posso ver o jogo da minha selecção… (Muito triste.) Mas eu fiz quê a Deus?!

QUIM

Mano, agarra só a tua calma… A luz já volta.

NADINE

Eu vou buscar velas.

MANGUIMBO

[…]

 “MÁRIO ROMBO

Não contes a ninguém, Nadine… (Triste.) Mas tu não imaginas a vontade que eu tive hoje de me dar encontro com um peixe frito…

NADINE

Com muito limão e cebolada?

MÁRIO ROMBO

E jindungo! Para dar um certo ritmo…”

Quem quer continuar a ler?

Leave a Reply