SOBRE OS LEOPARDOS QUE QUEREM BEM SERVIR BRUXELAS – DA FRANÇA, FALEMOS ENTÃO DA POLÍTICA DE HOLLANDE – POLÍTICA DA OFERTA: A CAMINHO DA ECONOMIA LOW-COST – por XAVIER THÉRY

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 Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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 13.Política da oferta: a caminho da economia low-cost

Leopardo - XXVIII

Política da oferta: a caminho da economia low-cost?

A concorrência não é só qualidades

Xavier Théry, Politique de l’offre : Vers l’économie low-cost? La concurrence n’a pas que du bon

Le Causeur, 27 de Agosto de 2014

Parte II

(conclusão)

Inversamente, noutros sectores abertos à concorrência, os transportes aéreos, por exemplo, a abundância, se esta existe, não é conjuntural mas estrutural: não está ligada ao custo total do serviço (que permanece relativamente fixo, mesmo se o low-cost reduz um pouco os custos) mas sim ao seu custo marginal (em função da taxa de ocupação), está ligado não a uma evolução estrutural da oferta, mas sim a uma evolução cíclica da procura (a oferta só se torna excessiva quando a procura cai por causa de uma crise económica, por exemplo). Nesta situação de abundância económica conjuntural e marginal, a concorrência não é criativa de valor mas destruidora de valor a nível macroeconómico: a guerra dos preços torna-se muito perigosa para os operadores, basta olhar para o número de falências no sector dos transportes aéreos. O mercado dos transportes aéreos não é, portanto, um mercado de abundância, mas um mercado ajustado (seja em função da escassez de recursos em caso de retoma da procura seja em equilíbrio seja em ajustamento marginal).

O mercado de energia também não é um mercado de abundância. Pode-se mesmo dizer, sem risco de erro, que, a médio e longo prazo, este será um mercado de verdadeira escassez estrutural. As energias armazenáveis podem beneficiar de uma alavanca de ajustamento sobre o médio prazo entre oferta e procura, mas a que não é armazenável, a electricidade, permanece sujeita a efeitos de alavancagem extremamente marginais de ajustamento (efeitos de crista). Só uma política de optimização de custos gerais (baixa dos salários ou de pessoal) permite vender mais barato sem que o crescimento do mercado gere margens de manobra adicionais como nas telecomunicações.

Podemos, portanto, deduzir que a concorrência não é virtuosa (benéfica quer para os produtores quer para os consumidores: estratégia de ganhador/ganhador) a não ser nalguns sectores económicos onde há uma abundância de situação de recursos.

Uma outra consideração deve ser tomada em consideração para se ajuizar das virtudes da concorrência: é a da natureza do mercado. Está-se perante um mercado de oferta ou de procura? O mercado das telecom é, obviamente, um mercado de oferta. É a abundância de recursos que gera novas necessidades e, assim, novas ofertas: porque os fluxos o permitem, aparecem novas ofertas de vídeo sob procura, de TV por Internet etc. Essas novas ofertas justificam uma procura crescente de recursos numa espiral virtuosa em termos de valor.

O sector dos transportes aéreos também se tornou um mercado de oferta na sua versão de tempos de lazer : não se viaja porque é uma necessidade, mas sim porque há ofertas atraentes que suscitam a necessidade de evasão…

O sector da energia não é um mercado de oferta. É um mercado de procura : não nos aquecemos mais porque o preço do petróleo cai… Não acendemos mais a luz porque desce o preço da electricidade. É um mercado de necessidade: a multiplicação de ofertas não gera novas necessidades de valor. Assim, pode-se argumentar que a concorrência não é virtuosa sob mercados regidos pela procura pela utilidade, pela necessidade.

Na verdade, a concorrência só é virtuosa em caso de ruptura tecnológica. As rupturas tecnológicas (especialmente presentes nos mercados da oferta) também são alavancas de crescimento forte para gerar valor através da criação ex nihilo de novas necessidades ou de transferência de valor entre os operadores tradicionais e os novos actores no mercado. O sector informático é o melhor exemplo. A digitalização da música reconfigurou profundamente a paisagem de produção e de distribuição de música, por exemplo…

No transporte aéreo, é possível considerar-se uma ruptura tecnológica mas numa bem menor escala: o avião Jumbo permitiu reduzir fortemente o custo por Km passageiro e obviamente gerou valor através da criação de ofertas de viagens de lazer em massa…

O sector da energia em geral e do sector da electricidade em particular não teve grande avanço tecnológico desde há muito tempo: a mais recente até agora são as centrais nucleares (agora descontinuadas) libertando-se os recursos de energia fóssil para industrializar a produção de energia de forma quase endógena (Super Phoenix,…). Pode-se mesmo apostar que a energia de fusão (fria ou quente) num futuro ainda longínquo será uma ruptura tecnológica ainda mais importante. Mas em todos os casos, essas rupturas estão relacionadas com a produção e não com a distribuição. Contando que nenhum avanço tecnológico forte virá alterar o modo de consumo de energia pelos consumidores (armazenamento ou a utilização no consumo ao longo do dia por exemplo…), a concorrência não irá criar “sobre-valor” neste sector. As transferências de valor aí também serão baixas devido à influência de produção em toda a cadeia

Portanto, a concorrência não está a gerar as transferências de valor benéficas para os consumidores a não ser quando grandes rupturas tecnológicas permitam levar o mercado a uma maior diferenciação nos operadores.

Que grelha de análise política da concorrência?

O operador privado estará ele em situação de monopólio e em que é que o seu monopólio será útil para o serviço público? Esta questão deve guiar a reflexão sobre a conveniência de “des-privatizar” as sociedades de auto-estradas ou para considerar um sistema de tributação de modo a restituir aos cidadãos os rendimentos do direito de utilização do espaço público. Isto também deveria levar a que se acabe com os projectos de privatização dos aeroportos.

O operador estará numa situação de abundância de recursos? Se assim for, é evidente que o cidadão tem tudo a ganhar com uma saudável e justa concorrência entre os operadores. Obviamente é o caso das telecomunicações. Isso não exclui obviamente que a estes operadores sejam fixados deveres como por exemplo instalação de equipamento nas zonas sem acesso às telecomunicações modernas. Mas os mesmos critérios devem levar a considerar que a distribuição de correio ou de pacotes não é de modo nenhum uma situação de abundância e que nestas circunstâncias a privatização esperada dos Correios deve ser interrompida e o mercado deve ser regulado.

São pois estes exemplos que mostram que é necessário analisar cada situação face às potencialidades dos mercados, do serviço colocado à disposição dos consumidores, do direito dos cidadãos em dominar o espaço público, do custo completo de cada serviço, em termos de empregos induzidos, dos efeitos secundários sobre o longo prazo mas também e infelizmente sobre a dívida do país devida à situação catastrófica das finanças públicas.

Xavier Théry, Revista Causeur, Politique de l’offre: Vers l’économie low-cost? La concurrence n’a pas que du bon, 28 de Agosto de 2014

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Texto original disponível em :

http://www.causeur.fr/politique-de-loffre-vers-leconomie-low-cost-28960.html

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Para ler a Parte I deste texto de Xavier Théry, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2014/10/06/sobre-os-leopardos-que-querem-bem-servir-bruxelas-da-franca-falemos-entao-da-politica-de-hollande-politica-da-oferta-a-caminho-da-economia-low-cost-por-xavier-thery/

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