CONTOS & CRÓNICAS – Humanitarismo e sofrimento escusado – por Joaquim Palminha Silva

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            O “progresso” não é a auto-estrada da História… Nunca o “progresso” foi tão ambíguo, inoperante e fantasioso como neste tempo. O século XX foi o tempo das ideologias e, nesse período, julgava-se saber tudo sobre o destino humano e a finalidade da História. Do “progresso” fez-se um caminho inelutável em direcção a um radioso futuro. Porém, o século XXI amanhece-nos com uma História “quebra-cabeças”. O seguro contra todos os riscos que, no recente passado, a ideologia prometia, resultou num grande fiasco!

            Portanto, temos de nos arranjar de outra maneira para fugir à barafunda da “sabedoria” prática dos mercadores, bem como ao império das mercadorias que se quer perpetuar sobre a terra, numa luta sem quartel contra todas as formas do humano, contra a sua pluralidade, fragilidade e imprevisibilidade. A História “já não é” o que julgámos ela ser!

            O século XX começou com uma guerra mundial (1914), partiu para a sua 2ª metade (1939-1945) com outra guerra mundial e a tragédia irracional do nazismo, terminando por conflitos regionais que, todos somados, podem tomar a forma de uma terceira guerra mundial, fora da Europa Ocidental e da América do Norte.

O século XXI, face aos avanços das ciências e às aplicações da tecnologia, está a tornar-se o do sofrimento inútil, escusado!

            Mas é preciso desarmadilhar a nova filantropia, os humanitarismos de direita e esquerda que despontam por todo o lado. O que quero dizer com isto? – Quero dizer que este humanitarismo só desperta com a catástrofe, só se comove com o grande flagelo, com os massacres incontestáveis. Só actua face a milhares de aflições acampadas nos desertos e nos terrenos de fronteira. Fora destes teatros, o novo humanitarismo hiberna, mantém-se à distância. Quase que se é levado a dizer que esta filantropia só medra com o horror, só actua quando a tragédia já percorreu parte substancial do seu caminho de sangue e morte. Depois, quando passa a urgência humanitária, parece que tem mais que fazer…

            Os povos e as Nações que brigam, e constantemente procuram conflitos armados para se afirmarem, às vezes num território exíguo, são realidades colectivas encerradas no seu idiotismo, são entidades de quase nada, existem apenas pela afirmação agressiva, qualquer que esta seja. No início de um século experimentado pelas batalhas sem tréguas do século XX, travadas em todas as direcções e abrigando um rol interminável de ideias e ideais ditos universais, o humanitarismo internacional, Nações Unidas à cabeça, não tem desculpa possível para não actuar preventivamente, utilizando os amortecedores da diplomacia e os meios de persuasão adequados. Este sofrimento inútil, escusado, de milhões de almas acantonadas na miséria e no horror, é por demais previsível e, por conseguinte, evitável.

            A queda do muro de Berlim, o colapso da União Soviética e o fim da guerra fria, puseram ponto final à confrontação dos dois sistemas, logo substituída pela expansão geográfica dos pequenos conflitos de fronteira. O antigo sistema de antagonismos (ocidente/cortina de ferro) cedeu o lugar aos diferendos tribais, às sangrentas guerras territoriais. Eis, pois, o teatro de operações do novo humanitarismo. Eis o “mundo” primário (perigosamente primário, diga-se) onde a nova filantropia se movimenta… Tudo aí é repetitivo, tragicamente previsível… Portanto, tudo se poderia evitar, podendo o humanismo ser então mais preventivo do que socorrista!

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