Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Jean Tirole ou o triunfo da estupidez bem calculada
Paul Krugman, Jean Tirole and the Triumph of Calculated Silliness
The Conscience of A Liberal, New York Times, 14 de Outubro de 2014
Jean Tirole
Ocupado pelas actividades da vida real, chego um pouco atrasado para discutir a contribuição do novo prémio Nobel da economia Jean Tirole, sobre o qual muitas pessoas já se debruçaram. Parece-me, no entanto, que ainda tenho algo de útil a dizer sobre as reais contribuições da “nova organização industrial”, de que Jean Tirole é a figura de proa, que consiste em tornar mais seguro a adopção de estratégias estúpidas, para o maior benefício da economia.
O que é que eu que quero dizer com isso? Antes da nova “Organização Industrial”, os economistas que escreviam sobre a concorrência pura e perfeita e sobre o monopólio reconheciam, se eram honestos, que a maior parte da economia real assumia a forma de um oligopólio, ou seja, de uma concorrência entre um pequeno número de concorrentes, mas eles não iam muito mais longe e limitavam-se a efectuar sinais com as mãos em forma de sinais de alerta. Porquê? Porque não havia um modelo geral de oligopólio.
E continua ainda a não existir. Quando se tem um pequeno número de concorrentes, de modo a que cada um possa ter uma influência significativa sobre os preços, muitas coisas podem acontecer. Eles podem-se entender entre eles, ainda que implicitamente, se existe uma lei antitrusts, mas quais são os limites do acordo e quando é que este pode ser quebrado? Nós gostamos de pensar que as empresas procuram maximizar os seus lucros, mas o que é que isso significa quando as interacções de um pequeno grupo levam à criação de situações de “dilema do prisioneiro”?
E, no entanto, podemos querer modelizar a economia, pensando nestas coisas mas estas coisas por vezes não são modelizáveis sem estar a invocar a concorrência imperfeita. Era esta a situação que eu enfrentava no meu domínio de estudo sobre o comércio, onde o facto de se tentar modelar o papel dos rendimentos crescentes significava assumir vezes sem conta que os rendimentos crescentes internos às empresas deviam conduzir a abandonar a hipótese da concorrência perfeita.
Paul Krugman
Antes da chegada “da nova organização industrial”, as ciências económicas tinham ganho o hábito de pôr estas questões de lado. Os rendimentos crescentes, um problema do comércio? Não pode tratar este assunto porque não dispomos de uma teoria da concorrência imperfeita, o que significava admitir que tudo estava baseado na questão das vantagens comparadas. (Harry Johnson escreveu um texto mais ou menos triunfante sobre este tema.) Os investimentos “em Investigação e Desenvolvimento” e o poder de mercado temporário que daí resulta, uma fonte de progresso tecnológico? Não, não podemos estudá-lo.
O contributo “da nova organização industrial”, vale não tanto como solução do que como uma atitude. Não, não dispomos de um modelo geral de oligopólio – mas porque não contar tais histórias e olhar para onde é que elas nos conduzem? Nós podemos simplesmente considerar, por hipótese, o estabelecimento de preços ou de quantidades não cooperativas; sim, as empresas reais irão provavelmente encontrar meios para se entenderem, mas poderíamos aprender coisas interessantes ao trabalharmos sobre os casos onde não o fazem. Nós poderemos colocar hipóteses absurdas sobre os gostos e a tecnologia que conduzem à uma versão dócil da concorrência monopolística ; não, os mercados reais não funcionam assim, mas porque não utilizar esta versão para reflectir sobre os rendimentos crescentes no comércio e no crescimento?
Fundamentalmente, “a nova organização industrial” permitiu contar histórias mais do que provar teoremas, e consequentemente tornou possível a evocação de problemas e de modelos que tinham sido excluídos pelos limites que tem a hipótese de concorrência perfeita. Isto era, posso dizê-lo por experiência, profundamente libertador. Certamente, houve uma fase ulterior onde as coisas se tornaram demasiado libertadoras – quando um estudante diplomado e inteligente podia produzir um modelo para justificar seja o que for. Isto mostrava que tinha chegado a hora do trabalho empírico! Mas, nesse momento, o essencial já tinha sido realizado.
Paul Krugman, Jean Tirole and the Triumph of Calculated Silliness, New York Times,
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