Carta do Rio – 26 – por Rachel Gutiérrez

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           Em setembro, em seu último IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), a ONU pediu a todos os países que se comprometessem com o desmatamento zero até 2030. Paradoxalmente, o Brasil, que abriga sessenta por cento da floresta amazônica em seu território negou-se a fazê-lo, assim como a China e a Índia. Não sem razão, Fernando Gabeira, num artigo do jornal O Estado de São Paulo, de 21 de novembro, interpela a presidente recentemente reeleita: “Cadê você, Dilma? Disse que o desmatamento estava sob controle e desaba sobre nós o aumento de 122% no mês de outubro. Por mais cética que você possa ser, você vai acabar encontrando um elo entre o desmatamento da Amazônia e a seca no Sudeste.” Dois dias depois, um noticiário da TV revelava que houve nova queda no nível de abastecimento de água de São Paulo, onde tanto na área metropolitana quanto em várias regiões e cidades do interior a falta d’água é a mais aflitiva realidade que as populações estão tendo de enfrentar.

E Gabeira diz que o realismo precisa chegar rápido para resolver a equação de dois problemas urgentes: o da água e o da energia, quando esclarece que “os desafios modernos da energia são o da autoprodução por fontes renováveis”, o que confirma a advertência do IPCC: se o mundo quiser evitar mudanças climáticas irreversíveis, deve zerar o uso de combustíveis fósseis até 2100. Para isto, terá de quadruplicar o uso de energias renováveis até 2050. O editorial do Globo do último dia 4 acrescentava: “A meta, viável, é para ontem.”

Tenho citado aqui escritores, cientistas, pesquisadores, ativistas e verifico que o pensamento ecológico é, por definição solidário, jamais solitário ou egoísta. E posso imaginar alguns dos meus filósofos prediletos pensando sobre a Terra, a Natureza e tendo a mesma preocupação dos meus contemporâneos de agora, embora já tenham me dito que não devemos julgar figuras do passado à luz de conceitos atuais. Mas eu penso que a História também está em movimento, cada vez que a interpretamos ela é outra. O último livro de Aarão Reis sobre o revolucionário Luis Carlos Prestes, por exemplo, reinterpreta e atualiza, à luz de uma compreensão mais abrangente, o “cavaleiro da esperança” do velho Jorge Amado.

Acredito, portanto, que Gaston Bachelard (1884-1962) o filósofo do imaginário que percebeu que as visões de mundo de cada poeta se afinam com algum dos elementos: Terra, Ar, Água e Fogo, engrossaria as fileiras dos ecologistas. Chego a visualizar o contemplador de lago, como ele se definia, o velho professor tão simpático reconhecido por seus vizinhos da Rue Moufetard de Paris, argumentando e defendendo conosco a Terra e a Natureza, o mundo onde nasce e se expressa a nossa Cultura, onde transcorre a nossa História, a história das nossas artes e da poesia, “o planeta onde tudo isso se deu” e continua a se dar, como diria Fernando Pessoa.

Posso imaginar um outro filósofo, o que pensou sobretudo no Outro, o filósofo das aproximações e do respeito, do cuidado em jamais se tornar dogmático, o extraordinário Emmanuel Lévinas (1906-1995). Pois o Outro, todos os outros estão na preocupação de Lévinas. E estão na preocupação dos que defendem a Terra.

A revista deste domingo tinha um artigo de um jovem ator que se diz ativista de várias causas: a da defesa dos animais, a da luta contra a homofobia e, naturalmente, “a maior de todas, a ecológica, sem a qual todas as outras perdem sentido.” O belo jovem se chama Bruno Gagliasso. Mais um “sonhático”? Não! mais um solidário.

É claro que o pseudofilósofo “pensador do corpo”, o Marquês de Sade, jamais se preocuparia com a natureza ou com o planeta. Imediatista, como os que visam o prazer do lucro acima de tudo, o marquês talvez fosse hoje um ruralista, totalmente indiferente, portanto, à causa ecológica. Deixemos o marquês.

Pensemos apenas na História e na Cultura, na Humanidade inteira, que assim como a Natureza que a circunda e alimenta, está ameaçada.

Em outra carta, citei Thales de Mileto e o seu elemento primordial – a Água! É sabido que foi o rio Nilo que inspirou Thales. Leio agora um artigo de um jornalista e escritor de grande talento, Diego Viana, que lembra que Heródoto, no século V A.C. se referiu ao Egito como uma “dádiva do Nilo”. Diego Viana, então, diz que o Brasil é uma dádiva da Amazônia.

Por quanto tempo?

 

 

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