MITO & REALIDADE – Terror e Morte sobre & Lisboa – 39 – por José Brandão

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E o rol de testemunhos dos homens que há um ano tinham feito a República continuava. A pergunta também:

– … O que pensa sobre a República?

Vasconcelos e Sá, oficial médico da Marinha:

– Não é nada disto… Nada!… A um ano da sua proclamação, nunca imaginei que pudesse existir um partido, que pondo na fachada a tabuleta de democrático, monopolizasse o radicalismo, chamando talassas vermelhos aos sinceros republicanos radicais, aos verdadeiros revolucionários de 4 de Outubro.

Camacho Brandão, alferes de Artilharia 1:

– Sobre a República, bastará dizer-lhe que gostaria de ver mais unidade entre os homens da República… e menos papel, menos papel e mais obras, mais República.., mais republicanismo.

João Stockler, oficial da Armada:

– Para que hei-de eu dizer coisas da República?…

Serejo Júnior, capitão-tenente da Armada:

– Uma República que aguentou onze meses de governo provisório, não vai, não pode ir abaixo…

Mendes Cabeçadas, tenente da Armada:

– E não me pergunte o que penso sobre a República… Não pergunte isso…

Soares Andreia, capitão-tenente da Marinha:

– Lastimo profundamente que a revolução seja um facto consumado. Está tudo por fazer…

Ladislau Parreira, oficial da Armada:

– E lá da República, que tanto nos custou a fazer… Sabe?… Nunca pensei que me desse mais trabalho a defendê-la do que a proclamá-la… E… e… Ponha muitos pontinhos… muitos, porque cada um será uma coisa que eu podia dizer, mas que não digo, porque não vale esmorecer nem pensar em coisas tristes…

E este «Inquérito aos homens que fizeram a República» abria com um nome da tragédia de 19 de Outubro de 1921 e fechava com um outro:

José Carlos da Maia:

– Por muitos anos que viva, parece-me que não viverei os precisos para expiar o nefando crime de ter cumprido o melhor que sabia, ter concorrido para se fazer uma República como essa que no Terreiro do Paço tão mal amanharam… Por muitos que viva… a não ser que se comece a pensar em fazer outra. Porque não e nada disto, amigo, não era nada disto… Mas, se se fizer outra, como já se tem experiência, deve ficar boa… deve ficar limpa… E parece-me que será preciso faze-la para assim expiarmos todos o nefando crime de ter ajudado a fazer esta

Machado Santos:

A República é indestrutível: quem por ela se bateu, há um ano, para a proclamar, seria capaz de, amanhã, por ela morrer, para a defender…

– Mas um ano de República – ou, antes, onze meses revolucionários de Outubro a mais profunda das desilusões, a mais cruel deceção… Não era isto que todos sonhavam; não era isto o que a todos arrastou ao combate…

Com apenas 365 dias de revolução era assim que falavam alguns dos principais revolucionários do 5 de Outubro de 1910.

Algo estava com certeza mal para que tantos homens tivessem tão igual opinião sobre uma obra que era, para muitos deles, toda a razão e a grande glória da sua vida.

O que do corpo lhes saíra, não podia valer tão pouco como estava a acontecer. Só valia a pena Portugal ser republicano se a República fosse republicana.

Se era assim logo em 1911, o que seria de esperar em 1921!

Tudo foi caminhando aos safanões de golpázios, de conspiratas e de toda a panóplia de tramas e tramoias que ano após ano transformavam Portugal numa grande golpelheira nacional onde tudo podia acontecer.

Com este andamento, o País que já tinha visto um rei ser morto e um presidente assassinado sem ter existido grande interesse em ir ao fundo das questões, não podia esperar que a clarificação dos crimes da Noite Sangrenta fosse encontrar destino diferente.

A Noite Sangrenta iria juntar-se ao Regicídio e ao Sidonismo como mais um enigma de contornos inacessíveis à justeza plena.

A condenação do Tribunal de Santa Clara não punia os responsáveis. Punia o povo à pena eterna do obscurantismo e da negação da verdade.

O encobrimento de mais esta trama nacional vencia com as mesmas cumplicidades que se verificaram em 1908 e em 1918. Eram muitos os interessados na escuridão e menos os que buscavam a luz.

Saltava à vista que toda esta barbárie tinha o mesmo calibre. Ligava-se nos pequenos pormenores e descobria-se nas grandes linhas.

De uma forma ou de outra, não faltam teses, pareceres, posições ou opiniões para os mais diferentes gostos e paladares. E isto, tanto para o regicídio, como para o sidonismo, como para a noite sangrenta. Umas mais credíveis, outras nem por isso, as opiniões dispersam-se numa sucessão de pôr a cabeça em água ao mais paciente interessado.

Exceção desse martírio encontra-se na resposta do historiador António Reis a uma entrevista de Luís Farinha publicada na revista História de outubro de 2001, edição dedicada à Noite Sangrenta:

«Essa consciência da crise do regime liberal-repubicano percorre transversalmente a sociedade portuguesa. A experiência sidonista e a participação na guerra deixaram traumas profundos. A desvalorização da vida humana e a psicose da violência apoderam-se das multidões. A própria «Noite Sangrenta» é, muito provavelmente, um fenómeno resultante dessa violência social que emergia, amiúde, no quotidiano. O desencanto das classes médias é enorme, fustigadas por uma crise económica e financeira tremenda. Para mais as elites intelectuais e sociais dos vários quadrantes viam cada vez com mais reserva o regime parlamentar, pouco eficaz no plano legislativo e com imensos vícios de funcionamento geradores de acentuada instabilidade governativa. A intervenção militarista inscreve-se no imaginário destas elites como uma nova esperança de renovação musculada da sociedade e da política. Por outro lado, o operariado organizado na CGT, capaz, no entanto, de defender a República liberal quando ameaçada (como aconteceu em 18 de abril de 1925), queria dela mais do que aquilo que obtivera até à guerra, escaldado com a política daquele que designavam de «racha-sindicalistas» (Afonso Costa)

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