CARTA DE PARIS -Grande Guerra: “Os sacrificados” de João Grave – VIII – por Manuela Degerine

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“Estamos todos condenados: somos os sacrificados”

(“Canção de Craonne”)

VIII

O amor

 

Para concluir esta série de crónicas sobre “Os Sacrificados” de João Grave resta observarmos a sua apologia da guerra de outro ponto de vista. No conto “Conciliados na morte” lemos: “A miséria dos seus companheiros confundia-se com a miséria dos inimigos, morrendo lado a lado, misturando o sangue, todos êles varonis, robustos, magníficos.”[1] Ah… De facto a guerra isola os homens do resto da sociedade e põe-nos a viver, matar e morrer com outros homens: uma situação que não deixará de excitar algumas fantasias. Neste conto o inimigo com o qual se mistura o sangue no combate e na morte, também ele varonil, robusto, magnífico, é transformado em objeto de desejo erótico; e é nos braços um do outro que morrem dois combatentes (um bávaro e um português): “Chorando de piedade, estreitaram-se mais, de-certo para que a morte igualitária, apaziguando os seus sofrimentos, os irmanasse e reconciliasse…”[2]

Esta guerra que permite a fusão das almas e corações viris volta a ser exaltada no conto “Ressurreição de uma alma”: “Durante as batalhas fulgurantes, quando os canhões troam e os horizontes se cobrem de fogo, varridos por furacões de ferro, forma-se entre os combatentes uma perfeita união espiritual em que florescem as rosas puras da bondade, da piedade, do amor.” Esta “união espiritual” terá – ou não – como complemento a união carnal, mas aparece textualmente através de elementos marginais: um pormenor, uma frase, uma imagem… A ordem moral de 1917 não autorizava mais clareza e prolixidade. Um exemplo disto é a sinédoque da mão em “A carga da baioneta”: “Sentiu que alguém lhe pousava a mão no ombro. Era o cabo.”[3]

Eis aqui uma obra que prova os benefícios para a sociedade do casamento entre pessoas do mesmo sexo: para que alguns encontrem o seu objeto de bondade, piedade e amor dispensamos doravante a mobilização geral. Chama-se a isto progresso.

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[1] GRAVE, João, “Os Sacrificados (Contos da Guerra)”, segunda edição, ed. Livraria Chardron, Porto, sem data, p. 149; ortografia da época.

[2] Idem, p. 156; ortografia da época.

[3] Idem, p. 205.

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