CARTA DO RIO – 31 – por Rachel Gutiérrez

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                             A memória longínqua de uma pátria

                                         Eterna mas perdida e não sabemos

                                         Se é passado ou futuro onde a perdemos

                                                    Sophia de Mello Breyner Andresen

Os versos desolados da poeta expressam fielmente o sentimento que nos invade neste fim de 2014 e começo de 2015. Tudo indica que vamos atravessar a segunda década do século XXI com poucas esperanças nas perspectivas do Brasil.

Um passeio en vol d’oiseau pelas notícias e artigos d’O Globo de sábado e domingo deste fim de semana e fim de ano, revela, entre outras, a dificuldade encontrada pela presidente reeleita para montar seu novo ministério. Acontece que os critérios e os moldes nada têm de novo, ao contrário, baseiam-se na desgastada e deletéria distribuição de cargos com o único intuito de satisfazer feudos e partidos que supostamente poderão garantir a governabilidade. O resultado é catastrófico: o novo ministro Cid Gomes, da Educação, por exemplo, que de Educação nada entende, já havia recebido críticas por ter declarado que “os professores não devem lecionar por dinheiro, mas por amor”, quando sabemos que os míseros salários que recebem, mal lhes dá para viver com dignidade; para o ministério dos Esportes, em vésperas de Olimpíadas, foi nomeado George Hilton, deputado federal e pastor evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, que além de também nada entender de esportes, já foi flagrado com malas de dinheiro “desviado”, o eufemismo que se usa para furtos e roubos em nosso país; para a Ciência e Tecnologia, foi nomeado, ou apenas deslocado, o atual ministro dos Esportes Aldo Rebelo, que não acredita em aquecimento global nem em sustentabilidade e ficou conhecido em 2011, ( de acordo com o google) por ter proposto a votação do Código Florestal, que permite o cultivo em Áreas de Preservação Permanente, diminui a conservação da flora em margens de rios, isenta de multas os agricultores que desmataram e libera o cultivo no topo dos morros. E quando deputado federal, Rebelo propôs uma lei que proibiria a adoção por qualquer órgão público de qualquer inovação tecnológica que “fosse poupadora de mão de obra” com o fim pressuposto de evitar o possível desemprego… Pois bem, será esse o nosso ministro de Ciência e Tecnologia.

Voltemos à questão da Floresta. Apesar das alegações do governo sobre o desmatamento, que teria diminuído em 18%, os jornais de hoje, 28 de dezembro, trazem a notícia de que, de acordo com os relatórios do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ao contrário, cresce o desmatamento. O primeiro detectou 195 quilômetros quadrados de área desmatada, o segundo afirma que isso representa um aumento de 427% em relação a 2013!

Além desse descalabro que não afeta apenas os brasileiros, mas a humanidade inteira, constatamos com tristeza que o Brasil perde credibilidade no exterior graças aos escândalos de corrupção na Petrobras, já chamados de “petrolão”. E não são só os da Petrobras. Uma corrupção que se revelava endêmica, depois sistêmica…talvez seja pandêmica. Seria cômico se não fosse trágico. Merval Pereira escreveu: “Como se previa, o nome da presidente Dilma Rousseff, apareceu, finalmente, num dos processos contra a Petrobras, o movido pela cidade de Providence, capital do estado americano de Rhode Island, que alega ter tido prejuízos na compra de ações da Petrobras devido ao esquema de corrupção na estatal brasileira.” (…) A presidente (…) “poderá vir a ser ré no processo se ficar provado que ela sabia do que estava acontecendo na estatal quando assinou folhetos de propaganda para vender ações no mercado internacional, ou se tiver sido negligente.” Oxalá isso não chegue a acontecer. Dilma Rousseff já tem problemas de sobra. E o Brasil também.

Fernando Gabeira, por sua vez, apontou as contradições da presidente que procura minimizar a gravidade do petrolão. “No discurso de Dilma, tentados pela fortuna, alguns dirigentes da Petrobras foram colhidos pelo combate à corrupção. Um fato isolado, o Brasil não vive uma crise ética, conforme ela mesma declarou a jornais latinos.” No mesmo artigo, Gabeira dissera: “ Os eleitores de Dilma cobram coerência. Gente da oposição também. Mas o curso da campanha avisava com muita nitidez: não há coerência, apenas táticas para vencer.”

 Só o que nos salva, a nós brasileiros cansados e decepcionados, é que conseguimos rir de nós mesmos por piores que sejam as circunstâncias. Pois outro colunista, Artur Xexéo, um bom representante do espírito carioca, em sua crônica da última página da Revista, termina seu bem humorado artigo sobre as inescapáveis e inúteis previsões de fim de ano com esta boutade :

“Depois de escolher Joaquim Levy” – um neoliberal! – “para ministro da Fazenda, de privatizar a Caixa Econômica Federal e de ameaçar o país com ‘medidas drásticas’ na economia, Dilma surpreenderá o mundo confessando que, nas últimas eleições, votou em Aécio Neves.”

 

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