ESPAÇO DE CABO VERDE – O Campo da «Morte Lenta»

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Foi há 81 anos.

No dia 18 de Janeiro de 1934, na vila da Marinha Grande, principal centro da indústria de vidro em Portugal, eclodiu uma revolta contra a ditadura, liderada por comunistas e anarquistas. Apesar de os revoltosos terem tomado todos os pontos vitais sem qualquer derramamento de sangue, forças militares vindas de diversas unidades, ceracarm a vila e a revolta foi jugulada. Para albergar os presos que eram em grande número, foi criado em Cabo Verde o campo de concentração do Tarrafal, Sob a designação de “Colónia Penal do Tarrafal”, situada no lugar de Chão Bom, concelho do Tarrafal, na ilha de Santiago (ao abrigoImagem1 do Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936).Em 18 de Outubro de 1936 partiram de Lisboa 152 presos, entre os quais 37 participantes do 18 de Janeiro de 1934, bem como alguns dos marinheiros que tinham participado na revolta ocorrida a bordo de navios de guerra portugueses, em 8 de Setembro de 1936. Foram 32 os prisioneiros políticos que morreram no Imagem3Tarrafal; os seus corpos só depois do 25 de Abril puderam vir para Portugal. Transcrevemos excertos de uma pungente descrição da Frigideira, método de tortura que bem explicava a caridade cristã de que o regime salazarista se reivindicava, descrição da autoria de  Gilberto Oliveira no livro Memória Viva do Tarrafal (Edições Avante! Lisboa, 1987).

“A frigideira era uma construção em cimento, fechada, completamente fechada, com as paredes, o chão e o tecto em cimento. Uma caixa rectangular com uns cinco a seis metros de comprimento por três de largura. Um bloco interiormente dividido ao meio por uma parede a separar duas celas, cada uma com a sua porta de ferro, que se abriam em sentidos opostos. As portas de ferro tinham meia dúzia de orifíciozinhos de diâmetro inferior a um centímetro por onde se fazia um simulacro de arejamento. Por cima das portas, junto ao tecto, uma pequena fresta gradeada. Mais nada. […] Asfixiava-se ali dentro. A altura, no interior de cada uma das celas, seria de uns dois metros e meio no máximo, era, de facto, uma caixa completamente fechada e durante todo o dia estava sob a acção permanente do sol, por ter sido construída num local completamente isolado e sem hipóteses de sombra. Apanhava sol durante o dia inteiro.[…]. Quando se estava na frigideira – e aconteceu estarem doze homens numa só cela – a humidade da respiração condensava-se nas paredes por onde escorria.[…] Os corpos encharcados, o ar sem oxigénio sufocante, a fazer o sangue latejar nas fontes, os peitos oprimidos numa semi-asfixia de endoidecer, com toda aquela humidade viscosa, acicatada pelos ácidos pútridos do latão dos dejectos de que todos eram obrigados a servir-se […] Vários homens juntos, uma semana, duas semanas, sem qualquer interrupção, alimentados um dia a pão e água, outro dia a pão e caldo de sopa, alternadamente, como determinava a ordem do dia, que estabelecia o regime dos castigados. Além disso, pior também do que animais, tendo por cama o chão nu e áspero do cimento e por cobertor apenas o peso da atmosfera saturada e pestilenta.

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