OS MEUS DOMINGOS – ANIMAIS NOSSOS AMIGOS – por ANDRÉ BRUN

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(1881 - 1926)
(1881 – 1926)

 

II

(continuação)

 

Como uma história de papagaio nunca vem só, Procópio Baeta, que estava presente, contou a sua:

– Comigo deu-se um caso muito mais curioso. Fazia imenso gosto em ter um papagaio, mas que falasse bem. Como certo amigo meu fosse a Pernambuco, terra dos melhores oradores entre a grei papagaia, encomendei-lhe um, mas que na loquela fosse algarvio. À chegada do meu amigo fui esperá-lo ao vapor:

– Então? Trouxeste o papagaio?

– Trouxe.

– E fala?

– Pelos cotovelos. Tem sido o nosso melhor divertimento na viagem. Todos os passageiros vêm encantados com o bicharoco.

Um criado de bordo entregou-me o passareco, que à primeira vista parecia um papagaio vulgar. Com surpresa minha mantinha-se calado como um raio e assim esteve até chegar a casa. Aí instalou-se numa gaiola nova e toda a família se juntou em volta do recém-chegado.

Minha mulher deu-lhe uma nêspera, a criada trouxe-lhe um feijão carrapato e todos em coro nos pusemos a perguntar-lhe:

– Papagaio real? Quem passa?

O cavalheiro não só não disse nada, mas ainda em cima arredou para os lados as abas do seu fraque verde e encarnado de republicano histórico e depôs sobre o oleado da mesa da casa de jantar uma resposta muito parecida com a de Cambronne aos ingleses na batalha de Waterloo.

Calculei que o pássaro estivesse, além de melindrado nas suas convicções políticas, intimidado com tanta gente em volta e deliberei deixá-lo descansar e arrumar as ideias. Pu-lo na varanda para que se inteirasse bem de quem passava e à tarde, depois de jantar, tornámos todos a perguntar-lhe em coro.

O papagaio olhava para nós de soslaio, virava-nos as costas e continuava mudo como um surdo de nascença.

Para não desconsolar a família anunciei-lhe que no dia seguinte o bicho falaria com certeza e nessa doce esperança todos nos fomos deitar.

Não dormi, a cismar no diabo do papagaio. Estaria ele amuado? Estaria ele doente? O meu amigo garantira-me que era tão falador e afinal…

No outro dia todos os esforços se tentaram no sentido de lhe soltar a língua e, como não dissesse nada ainda, nem no seguinte, nem nos oito que se sucederam, deliberei ir participar o caso à pessoa que trouxera e ficara por fiadora da sua eloquência.

– O papagaio não fala…

– É impossível. Pois se ele durante a viagem não descansou a goela um minuto! Calculas lá! Repete discursos de Ruy Barbosa, canta modinhas do Ceará, recita sonetos de Bilac e até dança o maxixe.

– Pois lá em casa fala tanto como uma chave de parafusos.

– Essa agora!

O meu amigo estava confundido, até que de súbito teve uma ideia:

– Já sei o que é. O papagaio estranha a terra firme. Estava habituado aos balanços do vapor e agora, imóvel sobre a mesa da tua cozinha, sente-se mal e não diz nada.

– Talvez seja isso. – concordei eu.

E, despedindo-me do meu amigo, vim correndo para casa.

– Já sei porque o papagaio não fala. – expliquei à família, ainda na escada. – Vão buscar o animal que já o ponho a conversar em três tempos.

E, tendo a criada comparecido com o objecto, mandei sentar toda a gente e pus-me a agitar a gaiola, primeiro da direita para a esquerda. O papagaio pareceu muito admirado e, abrindo um pouco as asas, lá conseguiu manter o equilíbrio. Depois inclinei a gaiola de modo que o poleiro ficou quase a prumo. O bicharoco, muito atrapalhado da sua vida, marinhou por ele acima até se espetar no alto. Nessa altura virei de repente o aparelho todo. Ah! meus amigos, foi remédio santo…

– O papagaio falou? – perguntámos em coro.

– Ora essa! Voltou-se para mim e disse-me escamadíssimo: – Ó camarada! Com essa estupidez ainda acabo por cair daqui abaixo e partir os queixos…

 

(continua)

 

29 de Abril de 1923

 

 

 

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