Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
O petróleo bruto e os malfeitores
O preço do barril de petróleo não se afundou por obra do Espírito-Santo
Jean-Luc Gréau, antigo conselheiro económico do MEDEF, organização representativa do patronato francês, um economista que muito respeito.
Le brut et les truands – Le prix du baril de pétrole ne s’est pas effondré par l’opération du Saint-Esprit
Causeur.fr, 5 de Fevereiro de 2015
Em volume, os recursos correntes disponíveis em petróleo ultrapassam as necessidades efectivas, os preços ajustam-se, é certo que de maneira precipitada mas de uma forma que não poderia ser mais lógica do que o que está a ser.
Como se a compreensão do mundo económico não fosse já bastante complicada como isso, eis que o preço do barril de petróleo deu cabo da estrutura de preços em vigor, passando de mais de 100 dólares na véspera do Verão para menos de 50 dólares no início do Inverno. E, como sempre, com um ar doutoral e satisfeito, os doutores Diafoirus encarregados dos comentários dão-nos “um exercício de clarividência retroactiva”. Era previsível, dizem-nos, dado que se trata de uma pura manifestação da lei da oferta e da procura. No caso actual, os recursos correntes de petróleo disponíveis excedem as necessidades efectivas, os preços ajustam-se, certamente de forma precipitada, mas de uma forma que não poderia ser mais lógica do que o que está a ser.
A teoria do Pico do petróleo perdeu a sua importância, a retoma não é o que deveria ser
Todas as grandes empresas do mundo, cujo futuro depende da disponibilidade de petróleo estão preocupadas com o pico do petróleo, deveriam ver inverter-se a curva do stock de petróleo explorável nas entranhas do globo. Volkswagen, Michelin, BASF, Boeing, as companhias aéreas e muitos outros seriam forçadas a uma revisão drástica de seu modelo económico se o petróleo entrasse na verdade na era da escassez.
Ora, até agora não de se deixou de continuar a descobrir novas jazidas de petróleo ou de gás: no Médio Oriente; na África (Angola, Moçambique, Argélia); na América do Sul, em que o Brasil, totalmente dependente de suas importações, há 15 anos atrás, hoje é auto-suficiente; na Austrália; no mar Cáspio; na Rússia, que aposta nas reservas potencialmente enormes do mar de Kara. Finalmente, nos Estados Unidos, que se sentem apoiados nos providenciais recursos de gás e de petróleo de xisto para se tornarem e independentes dos seus fornecedores no Golfo Pérsico e reconstruirem a sua produção química nas imediações das jazidas.
No entanto, além disso e apesar dos gritos de alarme dos ambientalistas, a utilização do carvão para a produção de energia não tem descido. Pelo contrário. A China, a Índia, o Vietname, a África do Sul e a Austrália não abrandaram a sua produção; os Estados Unidos, que têm as maiores reservas do mundo, aumentaram a sua produção explorando a bacia de Wisconsin. Nem a Alemanha virtuosa hesita para reduzir o preço da sua electricidade em substituir o gás por uma maior utilização de carvão nas suas grandes centrais[1] mesmo com o risco de aumentar, sem nenhum problema de ordem moral, as suas emissões de CO2 com a cumplicidade notável do partido Os Verdes alemães.
No entanto, a procura das economias de altos níveis de consumo não explodiu, como muitos esperavam. A Europa está a atravessar por uma fase de recessão que os políticos que estão na base da criação do euro nunca previram. Os grandes países emergentes, como o Brasil ou a Índia, grandemente abrandaram o seu consumo. A China, que já não é um país que se possa chamar de emergente , mas sim de um país industrial, importa menos energia e matérias-primas do que o esperado, e os seus dados relativamente ao crescimento económico, ainda que importantes, estão exagerados, ou então os seus esforços desenvolvidos para a economia de energia começam a dar resultados. Quanto aos Estados Unidos, cuja recuperação económica não oferece nenhuma sombra de dúvida, deixam de pesar na procura global graças ao forte crescimento na sua produção interna.
Numa simples leitura dos factos, o argumento baseada no jogo de oferta e da procura parece crível. O mercado ajustar-se-ia aos novos preços. Agora, seria suficiente procurar saber quais as consequências duradouras da nova situação petrolífera sobre os consumidores e sobre os produtores.
Tudo isto é política
Dito isto, tenhamos em mente que a queda do preço do petróleo se encaixa num contexto de abertura de conflitos geopolíticos.
De um lado, uma espécie de nova guerra fria eclodiu entre a Rússia e os “Ocidentais” por causa da crise ucraniana; por outro lado, o Irão e os “Ocidentais” estão envolvidos em negociações difíceis sobre a capacidade nuclear que Teerão quer ter.
É assim que se infiltrou no debate a tese, em grande parte alimentada por Moscovo e Teerão, de uma guerra económica, conduzida pelos Estados Unidos para quebrar os rins à economia russa e iraniana, economias com a cumplicidade dos sauditas, inimigos jurados do seu grande vizinho persa.
Do estrito ponto de vista técnico, esta tese tem-se sustentado. Recusando-se a reduzir a sua produção, Riad abriu caminho para as expectativas à baixa dos traders de Nova York. Para quem sabe a relação estreita entre Wall Street e Washington – descrita como “um corredor” por um ex-director do FMI, é lógico imaginar uma ofensiva económica contra Moscovo e Teerão.
É certo que o Irão e à fortiori a Rússia dependem, no limite, de um bom preço das suas exportações em petróleo e de matérias-primas. Apesar da má gestão dos mollahs e da persistente fragilidade da economia russa, estes dois países foram capazes de manter uma relativa prosperidade ao longo dos últimos dez anos. A Rússia apresenta mesmo dados económicos que poderiam fazer inveja aos Estados Unidos e aos políticos estropiados da União Europeia: dívida pública de 43% do PIB, acima de US $ 400 mil milhões de reservas em divisas. Mas Putin sabe que a economia russa está condenada a uma recessão violenta devido ao colapso dos preços do petróleo e a uma dada deficiência estrutural: o endividamento das suas empresas. No entanto, a queda dos preços do petróleo resultou numa queda mecânica do rublo que duplicou o peso real do serviço da dívida em dólares. É aqui que mais bate o ponto para a economia russa, porque as suas principais empresas, incluindo as dos hidrocarbonetos pagam agora entre 30 e 50 mil milhões por trimestre…
Lei do mercado ou o resultado de uma operação bem precisa? Longe de se contradizerem estes dois cenários puderam ser combinados. Porque os traders de Nova Iorque sabem pilotar a evolução do preço do barril, pelas operações a prazo [e sobre os mercados de futuros] constantemente orientadas à baixa. Esta operação não somente provocou danos colaterais em todos os principais países produtores, a começar pela própria Arábia Saudita, a contas com um enorme défice orçamental, mas também para o sinistrado sector americano de petróleo. Até aqui muito florescente, este último mercado tece que rever todos os seus planos de investimento e de contratação e suspender os projectos de exploração de novas jazidas, cujos custos de exploração ultrapassam os 50 USD por barril[2]. A questão agora é de saber qual é o custo de extracção por barril. Se as técnicas mais recentes permitiram reduzir este custo de 70 para 57 dólares, é ainda muito caro para as jovens empresas de energia que se endividaram fortemente em emitindo títulos de alto risco – junk bonds títulos emitidos no mercado de obrigações de alto rendimento[3].
A menos que haja uma consolidação do preço do barril, o sector dos hidrocarburetos extraídos do xisto está pois assim condenado à falência. Isso não criaria uma catástrofe à Lehman Brothers, mas provocaria prejuízos financeiros ( incumprimentos sobre dívidas) e lesões económicas em série: queda conjunta de produção, dos investimento, do emprego e dos rendimentos (a indústria do petróleo paga bem, a média de salário anual é de cem mil dólares). Não haverá nenhum apocalipse económico no horizonte, mas um muito mau resultado num mundo onde as incertezas económicas se reforçam – a zona euro está em suspenso, o crescimento chinês reduz-se. À força de se jogar com o ouro negro, os nossos amigos americanos poderão eventualmente queimarem-se.
Jean-Luc Gréau, Revista Causeur, Le brut et les truands- Le prix du baril de pétrole ne s’est pas effondré par l’opération du Saint-Esprit.
Texto disponibilizado pelo director da revista, Gil Mihaely, com autorização de publicação, o que muito agradecemos.
*Photo: Pixabay.
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[1] A Alemanha importa carvão americano e recoloca em exploração os recursos do Rhur.
[2] Como no mar do Norte.
[3] As emissões representam 12 % do total do mercado.
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Ver o original em:
http://www.causeur.fr/petrole-usa-russie-iran-31389.html#