A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL- O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO[1] – II – REPARTIÇÃO DA RIQUEZA E A ECONOMIA ALEMÃ: UMA PEQUENA DESMISTIFICAÇÃO – por ONUBRE EINZ – 1

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota 

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A Alemanha, o seu papel nos desequilíbrios da economia real- o outro lado da crise de que não se fala

Uma análise assente na divisão internacional do trabalho[1]

Uma colecção de artigos de Onubre Einz.

II- Repartição da riqueza e a economia alemã: uma pequena desmistificação

Onubre Einz, Répartition de la richesse et économie allemande: une petite démythification

 Criseusa.blog.lemonde.fr., 20 avril 2013

Neste trabalho, questionamos a economia alemã numa dupla perspectiva. Nos EUA, a partilha da riqueza nacional deu origem a uma repartição da riqueza que foi desfavorável aos rendimentos salariais e aos investimentos produtivos. Desta desvantagem resultou um lento enfraquecimento da taxa de investimento produtivo e uma crescente desigualdade de rendimento a favor dos 10% mais ricos da população americana e obviamente a desfavor da restante população.

A queda da taxa de investimento – totalmente compatível com a necessidade de realocar a produção industrial e de produzir mercadorias que entram no consumo dos agregados familiares – foi acompanhada de uma partilha de rendimentos de propriedade do capital (rendimentos de propriedade directa e indirecta das empresas + juros das aplicações financeiras) sempre mais favorável para uma pequena fracção de americanos.

Surge, portanto, uma pergunta: pode-se encontrar traços semelhantes na economia alemã que nos mostrem que a Alemanha segue o modelo dos Estados Unidos manifestando, porém, tendências ao declínio que lhe são específicas?

Escusado será dizer que estas tendências não se podem reproduzir de modo completamente idêntico. Eis porque é que devemos estar muito atentos à maneira como os fenómenos comuns se podem expressar de forma particular, bem específica: os alemães não são os americanos.

Este artigo centra-se no período que vai da reunificação alemã a 2012. Este período é fundamental: com efeito a partir das reformas Schröder, a economia alemã reforça a sua competitividade, moderando fortemente a evolução dos seus salários. Por conseguinte, devemo-nos interrogar e examinar a quem beneficiou a riqueza produzida. Este será o nosso primeiro ponto (A). Depois, examinaremos a lógica do investimento produtivo – edifícios incluídos (B). Veremos que o investimento alemão assumiu uma forma ambígua e que os dados disponíveis não deixam de nos colocar problemas de interpretação.

Tentaremos mostrar que as suas tendências profundas conduziram a problemas inevitáveis de investimento e de partilha de rendimentos que ficaram entretanto suspensos pelo rebentar da crise. A nossa conclusão permanecerá aberta e problemática por causa de dados um pouco contraditórios e de um processo de americanização que também está suspenso devido à crise.

A – A repartição do rendimento nacional alemão

O rendimento nacional alemão é composto pelos rendimentos da propriedade do capital (A = de propriedade e de rendimentos gerados pelas empresas ), pelas remunerações dos empregados constituída pelos salários directos e pelas prestações indirectas, reformas incluídas, (B = compensação de empregados), pelos impostos sobre a produção e sobre as importações (C = imposto sobre a produção e importações) e pela formação de capital fixo (D = formação bruta de capital fixo).

O rendimento nacional bruto (RNB) difere do PIB porque a este último é adicionado o saldo dos rendimentos do capital (juros+ lucros + dividendos). No caso da Alemanha, o saldo sendo positivo, o RNB é ligeiramente maior do que o PIB.

Os rendimentos de propriedade do capital são calculados como líquidos: rendimentos recebidos menos rendimentos pagos.

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A partilha de rendimento mostra períodos bem marcados.

De 1992 a 1999, as progressões das diversas componentes do rendimento são aproximadamente paralelas.

-Os rendimentos da propriedade de capital (A) aumentam ligeiramente antes de cair, modestamente, no final da década.

– A soma das remunerações, também ditas compensações (B) teve um certo aumento, pontuado por uma estagnação (1995-1997)

– Os impostos sobre a produção e importações (C) e a formação bruta de capital fixo (D) aumentaram de forma constante, e os seus valores permanecem mais ou menos idênticos.

Os anos de Schroeder (1998-2005) distinguem-se por uma ruptura a partir do segundo mandato de Schröder (2002-2005). Enquanto o primeiro mandato de Schröder (1998-2001) foi marcado pelo aumento das remunerações e por uma queda nos rendimentos da propriedade do capital, o segundo mandato de Schröder foi caracterizado pela estabilização das compensações e por um enorme crescimento das receitas da propriedade do capital; considerando tudo o resto a ser idêntico. (C e D)

A chegada ao poder de Merkel (2005 e anos seguintes ) e a crise terão tido por efeito uma arbitragem entre as categorias de rendimento nacional e foi menos favorável para o rendimento da propriedade do capital e mais favorável para os rendimentos de compensação, todas as coisas a mostrarem-.se serem mais ou menos idênticas (C e D). A crise, explica este fenómeno pelas dificuldades das empresas de propriedade directa (propriedade pessoal) ou de propriedade indirecta (por acções), pela queda das taxas de juro e pela contracção das actividades financeiras nacionais e internacionais (saldo líquido de juros, lucros e dividendos da saldo dos rendimentos do capital).

Uma análise das componentes do RNB expresso em percentagem permite examinar as coisas mais detalhadamente:

Onubre Einz - X

1ª. Primeira evidência, a partilha do RNB é, desde há 20 anos desfavorável às compensações. Os anos de Schroeder na verdade inverteram uma tendência para a erosão da parte das compensações de rendimentos (1992-1998). Aquando do seu primeiro mandato, o Chanceler Schröder estabiliza a parte das compensações no rendimento mas as suas reformas do segundo mandato aceleraram como nunca a queda das remunerações salariais que continua depois com Merkel..

2ª Segunda evidência: o declínio da parte das remunerações ditas de  compensação,  tem múltiplas causas antes do período do segundo mandato Schröder e dos anos Merkel. Verifica-se a recuperação dos rendimentos de propriedade do capital (1993-1997), os impostos sobre a produção e as importações (1992-2002000) ou a formação do capital fixo bruto (1992-2002).

É somente a partir das reformas do segundo mandato de Schröder e com os anos Merkel que a correlação central entre aumento dos rendimentos da propriedade e a redução das remunerações de compensação emerge claramente com um efeito ligeiramente negativo na formação do capital fixo que cai um pouco.

É notável que a queda da taxa de investimento seja sensível a partir de 2002, e que a crise tenha tido como efeito inverte-la muito modestamente em 2008.

Antes de deixar esta primeira parte do nosso trabalho, queremos sublinhar que, durante o período da passagem de uma lógica económica tradicional (1992-2001) para uma outra lógica (2002-2007), os impostos sobre a produção e as importações mantiveram-se neutros: a partilha do rendimento esta tinha estagnado.

Em suma, parece que a Alemanha só terá conhecido uma só redistribuição do rendimento nacional, a favor dos rendimentos da propriedade do capital, como foi o caso nos EUA e em detrimento dos rendimentos do trabalho directo e indirecto. Por outro lado, este fenómeno não parece ter sido acompanhado por uma queda na taxa de investimento produtivo. E parece também que a crise global tem actuado globalmente a favor das remunerações de compensação e em detrimento da propriedade dos rendimentos de capital. A crise terá pois beneficiado as remunerações (também ditas compensações) e actuado contra a propriedade dos rendimentos do capital e, assim, a tendência para a crescente desigualdade  na distribuição dos rendimentos teria sido parada ou então suspensa com a crise.

(continua)

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Ver o original em:

http://criseusa.blog.lemonde.fr/2013/04/20/repartition-de-la-richesse-et-economie-allemande-une-petite-demythification/

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