Ursula K. Le Guin’s Website
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Tradução por João Machado
Aos responsáveis pela atribuição desta bela recompensa, os meus agradecimentos, de todo o meu coração. A minha família, os meus agentes, os meus editores, sabem que se consegui chegar aqui, foi tanto graças a eles como a mim própria, e que esta bela recompensa pertence tanto a eles como a mim. E eu sinto-me feliz ao aceitá-la, e partilhá-la, com todos os escritores que têm sido excluídos da literatura há tanto tempo – os meus companheiros autores de histórias fantásticas e de ficção científica, escritores da imaginação, que desde há cinquenta vêem estas belas recompensas irem parar aos que se auto-intitulam de realistas.
Vêm aí tempos difíceis, em que vamos querer ouvir as vozes de escritores que possam visionar alternativas à maneira como actualmente vivemos, possam avistar para além da nossa sociedade paralisada pelo medo e das suas tecnologias obsessivas outras maneiras de ser, e mesmo imaginar fundamentos reais para a esperança. Vamos precisar de escritores que consigam lembrar-se da liberdade – poetas, visionários – realistas de uma realidade maior.
Agora mesmo, precisamos de escritores que conheçam a diferença entre a produção de um artigo transaccionável e a prática de uma arte. Elaborar material escrito para satisfazer estratégias de venda adequadas à maximização dos lucros das grandes corporações e dos rendimentos publicitários não é o mesmo que edição ou autoria responsáveis.
Contudo continuo a ver ser atribuído a departamentos de vendas o controlo do trabalho editorial. Vejo os meus próprios editores, tomados de pânico por desconhecimento ou ganância, levarem a uma biblioteca pública por um e-book seis ou sete vezes mais do que aos outros fregueses. Vimos mesmo um aproveitador tentar castigar um editor por desobediência, e escritores serem ameaçados por uma fatwa corporativa. E eu vejo muitos de nós, os produtores, que escrevemos e fazemos os livros, a aceitarem isto – consentindo que aproveitadores do que tem valor nos vendem como a desodorizante, e nos ditem o que vamos publicar, o que vamos escrever.
Os livros não são apenas bens transaccionáveis; o objectivo do lucro entra muitas vezes em conflito com os fins da arte. Vivemos no capitalismo; o seu poder parece inescapável – mas o poder divino dos reis também aparentava o mesmo. Qualquer poder humano pode ser contrariado e mudado por outros seres humanos. A resistência e a mudança muitas vezes começam pela arte. Muitas, muitas vezes pela nossa arte, a arte das palavras.
A minha carreira como escritora foi longa, muito boa, em boa companhia. Agora, que cheguei ao fim, não quero ver a Literatura Americana a saldos por esse rio abaixo. Nós que vivemos de escrever e publicar queremos e devemos exigir a nossa justa parte do produto; mas o nome da nossa bela recompensa não é o lucro. O nome é liberdade.
Obrigado
Ursula Le Guin
19 de Novembro de 2014
Veja o discurso no youtube, com upload da National Book:
Obrigado à Ana Cristina Silva, graças a quem pudemos conhecer este discurso da Ursula Le Guin. Para saber mais sobre esta escritora vá a: