A Viagem dos ArgonautasDIA DA GALIZA. “A poesia soberana”

* (Iolanda Aldrei, ativista e poeta, licenciada em Filologia Hispânica, em Filologia Galego-Portuguesa e professora de ensino secundário. )

Os poetas-marinheiros, como as poetas das árvores, enviam notícias cada manhã.

Às vezes nasce antes o dia para mim nas imagens chegadas desde os barcos, que na terra na que enraíza a nossa casa. Há novidades sobre o peixe apanhado, sobre o seu preço no mercado, e também sobre os naufrágios, notícias felizes ou desgraçadas que são crónica do nosso ser simbiótico. Mas também chegam berros que nada têm a ver com as nossas vivências naturais, notícias sobre cotas de pesca impostas, sobre as multas por não içar a bandeira espanhola nos barcos pesqueiros, sobre os desmanches de barcos pagados com os nossos impostos para acabar com a pesca artesã e substitui-la por aquicultura: para doma-la, para domar-nos.

Desguace, Viki Rivadulla (2013) - Acrílico sobre lenço — Desguace, Viki Rivadulla (2013) – Acrílico sobre lenço

E chegam berros desde a montanha, porque os nossos carvalhos, os nossos castanheiros, são substituídos por eucaliptos modificados geneticamente, porque os preços da madeira são pactuados por papeleiras e governos cúmplices. E berro eu desde o vale onde vejo como as terras se preparam para semear milho transgénico, as famílias pecuárias vendem o leite das suas vacas a câmbio de miséria, há fumigações que matam as abelhas e os faisões e os javalis descem dos bosques talados por decreto da concentração parcelaria.
A domesticação da natureza inclui-nos. A tala das nossas árvores parte os nossos braços, a destruição dos nossos barcos ata as nossas asas, as fumigações afogam-nos, as modificações genéticas riscam o livro da vida, e, do mesmo jeito, a reclusão, o disfarce da nossa língua deixa-nos sem voz para gritar e denunciar. Querem-nos rotas, domadas, exporias, alheias, estrangeiras na nossa pátria, como sentia há mais de cem anos Rosalia.

Mas Não!

A luz de nós, Iolanda Aldrei (2010) - Fotografia — A luz de nós, Iolanda Aldrei (2010) – Fotografia

A voz da poesia é a voz de um povo e uma multitude de poetas ilumina, como fachos, os soutos, as ilhas, as praias, os mares, as florestas, os prados da nossa terra e diz da nossa vontade de vida num mundo vivo, de mãos abertas às florestas do Planeta. As arvores, as ondas, cantam e nós ecoamos a sua voz.

Ninho, Iolanda Aldrei (2014) - Fotografia — Ninho, Iolanda Aldrei (2014) – Fotografia

A poesia escrita, a poesia visual, a poesia musical, a POESIA é agora um facho na Galiza, a voz imprescindível para sobreviver. Nela dizemos desde tempos imemoriais, nela medramos como povo e com ela conservamos a liberdade. Agora trata-se de mais, o grito poético e o nosso mapa, a carta que nos coloca no mundo e nos dá nome, por isso na Galiza as pessoas são poetas e também são marinheiras e professoras, e labregas e bibliotecárias, e marisqueiras e engenheiras, e advogadas, e cabeleireiras, e tradutoras, e psicólogas, e gente, a apresentar-se às eleições no seu município, a participar nas lutas sociais, a construir projetos, a defender, a denunciar. A qualidade da poesia galega contemporânea, corresponde-se com um compromisso humano intenso e sincero com a uma Terra que existe porque está no mundo, para defender as carvalheiras de Corcoesto da mega minaria, as florestas da Guiné das talas massivas de po di sangue, a Cova de Eirós, o Curdistão, a pesca tradicional ou o Povo Palestiniano.

A poesia galega é presença e essência, silêncio e voz, interior e exterior, paz e luta.

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Catálogo mínimo de escritor@s galeg@s contemporâne@s, a criar poesia soberana.

Apenas uma achega a poetas galeg@s viv@s. Lutador@s da palavra,a empregar grafia lusófona ou não, filh@s, em qualquer caso, da língua comum. Os seus textos conformam um mapa de sonhos por semear.

CONCHA ROUSIA