ACABOU “A POESIA NÃO TEM GRADES” POR FALTA DE APOIOS por clara castilho

– “O que será a Poesia?”
– “É assentar tijolos. É difícil.”
 Estabelecimento Prisional do Montijo.

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“A Poesia não tem grades” foi um projecto que existiu desde 2003, uma iniciativa coordenada por Filipe Lopes e apoiada pelo Grupo O Contador de Histórias. Desenvolveu sessões de promoção da leitura junto dos reclusos com o objectivo de promover a experimentação artística e assim contribuir para o desenvolvimento intelectual e pessoal daquela população. Realizou-se em parceria com Direcção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais e mereceu a aceitação e a participação empenhada dos reclusos.

Foi apoiado financeiramente pela actual Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas nas primeiras edições, sendo posteriormente um trabalho realizado de forma inteiramente voluntária, com todos os custos suportados pela estrutura.

Em 2013, foi adicionada uma vertente formativa com o projecto “Palavra Chave” que procurou formar e coordenar voluntários, motivando-os para a intervenção nos Estabelecimentos Prisionais da sua área de residência. Para garantir a sustentabilidade destas iniciativas e manter um nível qualitativo elevado que garanta a validade da intervenção junto de uma população com características tão específicas, houve necessidade de se optar por esta recolha de fundos partilhada, sendo também uma forma da social civil se envolver num processo que, apesar de necessariamente longe da vista, não deixa de implicar todos os cidadãos.

Todos os estudos realizados, nos mais diversos países, apontam para resultados positivos neste tipo de intervenção. Em Portugal, a sobrelotação das cadeias e a diminuição de recursos limitam a possibilidade de existirem mais iniciativas similares, realizadas pela própria estrutura dos Estabelecimentos Prisionais.

O momento de reclusão, em que alguém cumpre a pena e deve reflectir sobre o crime que cometeu, é um momento de oportunidade para a mudança. O facto de não existir pena perpétua nem de morte em Portugal deve-nos lembrar a todos que a passagem pela prisão é um momento de transição e que toda a sociedade ficará a ganhar com a transformação positiva destes homens e mulheres.

Pois ficámos a saber que este projecto estava em vias de acabar!. Os organizadores informam que até ao final de Janeiro cumprirão os compromissos assumidos por via dos apoios da Direcção Regional da Cultura dos Açores (sessões nos EP de Angra, Ponta Delgada e Horta e acções de formação nessas cidades) e da Direcção Geral do Livro Arquivos e Bibliotecas (através de “Dar corpo ao poema” nos EP de Odemira e Leiria/Jovens). Só neste último  ano, Filipe Lopes realizou 35 actividades, tendo  nos últimos 12 anos, chegado a milhares de reclusos nas centenas de visitas realizadas. Fê-lo de forma voluntária, suportando as despesas de deslocação a muitos pontos do país, e apoiando-se (em parte) na remuneração recebida com iniciativas do género que desenvolve nas escolas ou bibliotecas.

Agradecem a todos aqueles com quem tivemos oportunidade de trabalhar ao longo destes 12 anos, por tanto que os ajudaram a conhecer, onde se incluem técnicos, guardas e reclusos.

Entretanto, vários escritores ajudaram também com o livro “O lado de dentro do lado de dentro”, que inclui textos originais de Afonso Cruz, Alice Vieira, André Gago, Catarina Fonseca, Cristina Silveira de Carvalho, Delmar Gonçalves, Filipa Leal, Frederico Fezas Vital, Helder Moura Pereira, Inês Fonseca Santos, Joaquim Cardoso Dias, José Carlos Barros, José Mário Silva, Nuno Garcia Lopes, Pedro Paulo Câmara, Richard Zimler, Samuel Pimenta e fotos de Rowan Schelten e Duarte Belo.

Aos autores apenas foi pedido que partissem da palavra “dentro”, construindo assim uma obra multifacetada que congrega prosa e poesia. Para além dos textos inéditos que só poderá encontrar nesta obra, é um objecto que demonstra a importância dada pelos autores ao projecto A Poesia não tem grades. O resultado das vendas de “O lado de dentro do lado de dentro” reverte inteiramente para manter as acções de promoção da leitura em ambiente prisional.

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