“Fuga sem precedentes” expõe os criminosos negócios financeiros de algumas das pessoas mais ricas do mundo – Texto de Zero Hedge I

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

“Fuga sem precedentes” expõe os criminosos negócios financeiros de algumas das pessoas mais ricas do mundo

Texto de Zero Hedge

 

 

À Ana

Há já alguns anos, em 2010, tive uma aluna (Ana M. R.F.) que fez uma tese muito honesta sobre Paraísos Fiscais. Orientei-a nessa tese e nela, face a esta estudante trabalhadora em Lisboa e a vir de propósito às aulas a Coimbra em fim-de-semana, fui mesmo muito exigente. Como era meu hábito, aliás. Fui-o, é certo, mas não tanto pelo que depois exigia, mas sim pelo que achava que seria a missão do orientador: disponibilizar apoio científico e mesmo pedagógico, se possível ao limite, e exigir correspondência de resultados ao empenho e dedicação que nessa tarefa eu próprio colocava.

Mais tarde soube que se interessou tanto pelo tema que estava disposta a jogar tudo ao chão, o emprego, a segurança imediata, para se lançar num projecto de investigadora e de doutoramento. Projecto encantador é certo, mas perigoso porque em tempo de crise nada se lhe garantia de condições de vida pós doutoramento. Aconselhei-a a procurar apoios primeiro e continuar depois, se apoios houvesse. Mas apoios, em tempo de crise e com uma tema destes tão à revelia daqueles tempos, quem os daria? Ninguém ou quase ninguém e esta minha aluna desistiu. Foi pena. A ela dedico pois esta peça.

Coimbra, 6 de Abril de 2016.

Júlio Marques Mota

Uma fuga sem precedentes de mais de 11 milhões de documentos, chamada Panamá Papers , revelou as transacções financeiras ocultas de algumas das pessoas mais ricas do mundo, bem como de 12 líderes mundiais actuais e de mais de 128 políticos e altos funcionários públicos de todo o mundo .

Mais de 200.000 empresas, fundações e trusts estão contidos nos documentos disponibilizados pela fuga de informações que teve como origem uma bem conhecida e forte firma de advogados sediada no Panamá chamada Mossack Fonseca, cujos arquivos incluem os activos colocados nos offshores e na posse de traficantes de droga, mafiosos, políticos corruptos e ainda de muita gente rica e empresas que fugiam aos impostos – e são pois o resultado de uma grande abundância de delitos.

A firma de advogados referida é uma das melhores criadores mundiais de empresas de fachada, que podem legalmente ser utilizadas para ocultar a propriedade dos activos. Os dados incluem e-mails, contratos, registos bancários, títulos de propriedade, cópias dos passaportes e informações confidenciais –datando de 1977 a Dezembro de 2015 .

Esta massa de informações permite uma visão nunca antes alcançada por dentro do mundo offshore – proporcionando uma visão, década a década, dia a dia, de como como o dinheiro sujo flui através do sistema financeiro global, alimentando o crime e enfraquecendo os tesouros nacionais quanto a receitas fiscais recebidas.

 Aqui apresentamos um breve resumo de como estes documentos foram revelados através do Süddeutsche Zeitung:

Há mais de um ano atrás, uma fonte anónima em contacto com o Süddeutsche Zeitung (SZ) submeteu a este jornal documentos criptografados vindos de Mossack Fonseca, uma empresa de advogados do Panamá que vende empresas offshore anónimas em todo o mundo. Estas empresas de fachada permitem aos seus proprietários encobrir os seus negócios, não importa quão sujos eles possam ser.

 Nos meses que se seguiram, o número de documentos continuou a crescer muito para além da fuga inicial. Ultimamente, SZ adquiriu cerca de 2,6 tetrabytes de dados, tornando-se pois na maior fuga de informações com que os jornalistas até hoje terão trabalhado. A fonte não queria nem compensação financeira nem qualquer outra coisa em troca, para além de algumas medidas de segurança.

Os dados fornecem-nos esclarecimentos fora do comum num mundo que só pode existir nas sombras. Prova como a indústria global liderada pelos maiores bancos, escritórios de advogados, empresas de gestão de activos e de fortunas, todas elas secretamente gerem as fortunas dos mais ricos e mais famosos: desde os políticos, altos quadros da FIFA, autores de grandes fraudes e contrabandistas de drogas, às celebridades e aos atletas profissionais.

Uma rápida imagem da escala desta fuga de informações:

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O campo de actividade de Mossack Fonseca vai desde o comércio de diamantes de África, ao mercado internacional de arte e outras actividades que prosperam no e pelo sigilo. A empresa tem trabalhado com os diversos países do Médio Oriente e ganhou o suficiente para encher um palácio. Esta firma ajudou dois reis, Mohammed VI de Marrocos e Rei Salman da Arábia Saudita, a terem no mar iates de grande luxo.

Na Islândia, os arquivos agora conhecidos mostram como o primeiro-ministro David Sigmundur Gunnlaugsson e a sua esposa secretamente possuíam uma empresa offshore que detinha milhões de dólares em obrigações bancárias islandesas durante a crise financeira do país. No vídeo abaixo, PM Gunnlaugsson sai de uma entrevista com a sociedade de televisão sueca. Gunnlaugsson é questionado sobre uma empresa chamada Wintris, qui diz ter tudo declarado à autoridade fiscal islandesa. Gunnlaugsson diz que ele não está preparado para responder a tais questões e decide pôr fim à entrevista, dizendo: ‘o que é que estão a tentar fazer aqui ? Isto nem tem nenhum sentido “

 

Os registos ICIJ mostram Sergei Roldugin, um amigo de longa data de Vladimir Putin, como sendo um jogador que está por detrás do palco, numa rede clandestina operada pelos amigos de Putin que têm movimentado pelo menos US $ 2 mil milhões de dólares pelos bancos e empresas offshore, segundo o diário alemão Süddeutsche Zeitung e outros meios de comunicação social. Nos documentos, Roldugin aparece como detentor de empresas offshore que obtiveram pagamentos a partir de outras empresas no valor de dezenas de milhões de dólares.

Os arquivos incluem um operador especializado na lavagem de dinheiro que já tinha sido condenado e que alegou ter organizado uma campanha ilegal de recolha de fundos de 50.000 contribuições utilizadas para pagar aos assaltantes de Watergate, e inclui igualmente 29 multimilionários em destaque na lista da revista Forbes das 500 celebridades mais ricas do mundo e a estrela de cinema Jackie Chan, que tem pelo menos seis empresas geridas através deste escritório de advogados. Os arquivos contêm novos detalhes sobre grandes escândalos que vão desde o maior assalto de ouro na Inglaterra às alegações de suborno que abalaram a FIFA, órgão que regula o futebol internacional.

No caso de “Operação Lava Jacto ” no Brasil, os promotores alegam que os empregados de Mossack Fonseca destruíram e esconderam registos para mascarar o envolvimento do escritório de advogados na lavagem de dinheiro. Um documento da policia afirma que, por exemplo, um empregado da firma no Brasil enviou um e-mail instruindo os seus colegas de trabalho para esconderem os registos que envolviam um cliente que poderia estar a ser alvo de uma investigação policial: “Não deixem nada. Ficarão a salvo no meu carro ou na minha casa “.

Em Nevada, os arquivos agora divulgados mostram que os empregados de Mossack Fonseca trabalhavam no final de 2014 a procurar esconder as ligações entre o ramo desta empresa de advogados situado em Las Vegas e a sede do escritório de advogados no Panamá, em antecipação a uma ordem judicial dos Estados Unidos que os obrigava a entregar informações sobre 123 sociedades constituídas por este escritório de advogados. Os promotores de justiça na Argentina tinham ligado estas empresas de Nevada a um escândalo de corrupção envolvendo um associado dos antigos Presidentes da Argentina, Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner.

Hoje, Mossack Fonseca é considerado um dos cinco mais importantes escritórios de advogados do mundo quanto aos negócios em offshores. Tem mais de mais de 500 empregados e colaboradores em mais de 40 escritórios em todo o mundo, incluindo três na Suíça e oito na China, e em 2013 a sua facturação foi superior US $ 42 milhões.

(continua)

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