Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
O BCE vai tentar salvar a sua credibilidade com novas medidas
Romaric Godin, La BCE va tenter de sauver sa crédibilité avec de nouvelles mesures
La Tribune, 6 de Março de 2016
É triste um sistema monetário que está a morrer e é colocado em cuidados paliativos …
Quinta-feira 10 Março, Mario Draghi irá tomar novas medidas para uma maior flexibilização quantitativa. O desafio será o de tranquilizar os mercados sobre a sua capacidade de controlar o risco de deflação. Um desafio cada vez mais difícil.
É dizer pouco que a reunião do Conselho do BCE de quinta-feira BCE, 10 de Março é muito esperada. Depois de 3 de Dezembro, onde os anúncios do presidente Mario Draghi foram tomados como muito decepcionantes, ele tentou corrigi-lo a 21 de Janeiro, ao anunciar por palavras apenas uma nova onda de medidas em Março. A partir daí a expectativa tornou-se ainda mais forte. E por uma boa razão: os indicadores estão a regressar gradualmente para a zona do vermelho. O sentimento económico na zona do euro deteriorou-se na esteira da desaceleração na China desde o início do ano, o PMI da indústria transformadora diminuiu de 52,3 a 51,1: ainda em território positivo, mas queda acentuada …
Responder à queda da inflação
O elemento que ainda coloca mais pressão sobre o BCE é a taxa de inflação para Fevereiro. Não tanto porque ainda não estamos a ter uma descida nos preços de 0,2%, mas porque a taxa de inflação subjacente, excluindo o efeito da energia, também caiu. “Há nesta descida da inflação elementos perturbadores a que o BCE deve responder firmemente”, diz Frederik Ducrozet, economista do Pictet Wealth Management, em Genebra. Estes elementos perturbadores são os “efeitos de segunda ordem”, ou seja, uma forma de “contágio” dos preços de energia mais baixos para outros bens e serviços. Um perigo para o qual Mario Draghi tinha avisado publicamente no dia 21 de Janeiro. E por uma boa razão: se esse “contágio” acontece o “efeito de base” dos preços da energia que deveria fazer subir a inflação (e ainda estamos à espera) será menor. As expectativas de inflação não irão subir.
Apagar o falhanço de 3 de Dezembro
Ora, no espírito da instituição, a recuperação dessas expectativas é a chave para o sucesso de sua política. Se o mercado (e, portanto, para o BCE, os agentes económicos) prevêem mais inflação, os comportamentos ir-se-ão ajustar: o futuro vai ser mais risonho, investir e conseguir emprego vai ser mais simples. Caso contrário, os agentes económicos esperam uma descida nos preços. Eles vão-se mostrar mais cautelosos e adiar as suas acções, sem riscos, uma vez que a inflação está baixa. A vantagem do presente desaparecerá face ao passado e a lógica deflacionista será ganhadora. É, portanto, imperativo para o BCE, convencer os mercados de que está determinado a combater a baixa taxa de inflação para agir sobre as suas expectativas. E para isso, ele deve absolutamente esquecer o falhanço dos seus anúncios de 3 de Dezembro.
Ter em conta a oposição do Bundesbank
Como fazer? O BCE não deixou até agora de dizer que ainda tinha muitos instrumentos à sua disposição. Mas na quinta-feira, deveria sobretudo amplificar a utilização das ferramentas existentes. Apesar de uma política agora muito acomodatícia, o BCE continua a ser essencialmente uma instituição conservadora, sujeita a muitas restrições, por vezes contraditórias. A dificuldade do exercício consistirá para Mario Draghi em lançar uma mensagem forte quinta-feira, mantendo-se dentro dos limites aceitáveis em relação aos seus adversários, especialmente o Bundesbank. Porque se o seu presidente, Jens Weidmann, não vai votar no Conselho de Governadores na quinta-feira ele estará presente e mantém alguma influência sobre o conjunto dos governadores.
Ainda mais dinheiro no QE
A primeira medida, aquela que é a mais esperada, mantém o programa de recompra de activos estatais, programa este muitas vezes identificado com a flexibilização quantitativa (QE). Em 3 de Dezembro, o BCE só tinha prolongado até Março de 2017 este programa, o que tinha decepcionado muito um mercado que esperava um maior volume de resgates. “A extensão da duração do programa não tem efeito imediato, não responde às preocupações actuais. Os mercados não estão em causa no momento, ou seja, Março de 2016, eles querem uma acção eficaz agora “, disse Frederik Ducrozet que considera que a data de término do programa não pode mudar na quinta-feira. Desta vez, o BCE irá adicionar no entanto, provavelmente, entre 10 e 15 mil milhões no seu programa de recompra de actualmente 60 mil milhões mensalmente. Isso representaria um aumento de 17 a 25% nas injecções de liquidez. Ao todo, daqui até Março de 2017 serão de 110 a € 165 mil milhões a mais. Frederik Ducrozet imagina mesmo uma acção mais forte “, o BCE poderia aumentar temporariamente os resgates mensais para 20 mil milhões de euros para se ser mais incisivo, disponível para baixar quando as preocupações actuais tiverem já passado. “
O problema da escassez de títulos para comprar
Este será, em qualquer caso, o mais importante da mensagem de Mario Draghi: QE2 é mais forte do que QE1. Continua a haver uma restrição: os títulos disponíveis para resgate são cada vez menos numerosos. O BCE assumiu, de facto, duas restrições ao criar o seu programa QE: não comprar títulos de rendimento que seja inferior ao da sua taxa de depósito e não comprar mais de 33% de uma dívida para não influenciar o mercado e não estar sujeito a disposições colectivas, que, em caso de incumprimento forçariam o BCE a aceitar uma reestruturação. Estes dois elementos foram promessas feitas à Alemanha para garantir que o BCE não realizasse transacções “de risco” ou de “perda. “No mesmo espírito, os volumes de resgates por país foram proporcionalmente fixados à chave de repartição do capital do BCE. A Alemanha e a França são as duas principais dívidas relacionadas
O problema é que essas “garantias” dadas ao Bundesbank limitam consideravelmente o volume de títulos a serem resgatados. Hoje, metade dos títulos alemães são inelegíveis devido às taxas mais baixas e, como a Alemanha está num processo de desendividamento, de desalavancagem, a dificuldade não avai deixar de estar a aumentar. Para tornar a sua acção credível, Mario Draghi, portanto, deve acompanha-la de medidas para expandir o espectro de compra. Este alargamento poderia ser uma oportunidade para levara a que o QE se aproxime da economia real através da compra de empréstimos ou acções de empresas europeias não titularizadas mas também de colocar o QE junto das economias mais fracas como as do sul da Europa . O problema é que se trata de uma “linha vermelha” do Bundesbank e que tal expansão poderia causar uma nova queixa junto do Tribunal Constitucional de Karlsruhe.
Que medidas de acompanhamento?
Vemos o dilema do BCE ou não fazer nada e arriscar-se a uma perda de credibilidade das medidas anunciadas desde que o mercado vá levantar a questão da viabilidade de resgates, ou agir e enfrentar a Alemanha. Mario Draghi poderia optar por agir com prudência expandindo o programa QE a novas estruturas para-públicas (as “agências” no calão dos mercados) como ERDF ou RFE por exemplo. Mas, adverte Frederik Ducrozet, não haverá alargamento massivo dos resgates a outros tipos de produtos. “O BCE também quer manter armas para o futuro”, acrescentou. Será, contudo, interessante ver se Mario Draghi vai mesmo mais longe na sua luta contra o Bundesbank, abordando a chave de repartição das compras ou no limite da taxa de depósito para o rendimento dos títulos recomprados. Em ambos os casos, Jens Weidmann podia ver um casus belli que irá promover o financiamento dos “maus alunos ” da zona euro e levaria a assumir riscos para os contribuintes alemães.
Terceira acção: uma nova descida das taxas de depósito?
O BCE também deve anunciar uma nova descida das taxas de depósito em 10 pontos base, de modo que esta passa de -0,3% para -0,4%. “Esta nova redução é necessária para satisfazer as expectativas do mercado”, diz Frederik Ducrozet. Por conseguinte, a instituição vai mesmo mais longe e avançará por terreno negativo, mas na realidade o BCE contentar-se-á em se ajustar às expectativas do mercado de antes de 3 de Dezembro. O objectivo deste corte da taxa é, lembre-se, o mesmo que uma diminuição da taxa de refinanciamento em período “normal”: trata-se de promover a circulação de excedente de liquidez resultantes das recompras do BCE para reduzir a taxa interbancária e, assim, incentivar o crédito à economia real. A eficácia deste regime continua ainda por demonstrar e a ambição destas taxas negativas é muitas vezes mais para pesar sobre a divisa. Ora, o BCE necessita urgentemente que o euro se enfraqueça ainda mais para que se exerça uma pressão à alta sobre a inflação. Depois da entrada do Banco do Japão, também em território negativo, a resposta parece ser óbvia.
(continua)
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