O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 13. ROBERT F. KENNEDY, JR, DENUNCIA O CONFLITO NA SÍRIA: UMA “GUERRA POR PROCURAÇÃO” POR UM PIPELINE, por TAÏKÉ EILÉE – I

refugiados - I

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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Robert F. Kennedy Jr. denuncia o conflito na Síria: uma « guerra por procuração» por um pipeline

Taïké Eilée, Robert Kennedy Jr. dénonce le conflit en Syrie: une «guerre par proxys» pour un pipeline

29 de Fevereiro de 2016

Robert Francis Kennedy Jr. , filho de Bob Kennedy, sobrinho de John F. Kennedy e de Ted Kennedy, advogado especializado no direito do ambiente e presidente de Waterkeeper Alliance, publicou, a 23 de Fevereiro de 2016 em Politico, um artigo importante para compreender o mundo actual. Este fornece-nos um texto altamente esclarecedor e até incómodo sobre a situação dramática do Médio Oriente, a origem de Daech e sobre a guerra na Síria, o jogo americano, mas também das outras grandes potências, na região, o todo numa perspectiva histórica longa de 65 anos. Com a sua análise este confirma, basicamente, o que muitos observadores pensam desde há uns tempos , nomeadamente que “a guerra ao terrorismo” é o pára-vento de uma guerra pelo o petróleo, e que os grupos jihadistes estão como “proxys”, que permitem uma guerra por procuração entre as grandes potências.

Kennedy - XI

Robert F. Kennedy, Jr.

“Enquanto que nos interessamos pelo aumento de importância que assume o Estado islâmico e procuramos a fonte da brutalidade que ceifou tantas vidas inocentes em Paris e San Bernardino, deveríamos querer olhar para além das explicações cómodas em termos de religião e de ideologia. Sobretudo, deveríamos examinar as lógicas mais complexas da história e do petróleo – e como elas nos trazem frequentemente o problema sobre as nossas próprias margens.”

65 anos de conspirações por causa de pipelines

Robert F. Kennedy Jr. (RFK Jr.) recorda deliberadamente as operações clandestinas da CIA no Médio Oriente (“organização de diversos golpes de Estado” na Jordânia, Síria, Irão, Iraque e no Egipto), descritos num relatório de que o seu avô, Joseph P. Kennedy, era signatário: o relatório “Bruce-Lovett”. Precisa que estas operações, se são largamente conhecidas pelo mundo árabe, são ignoradas geralmente pelo povo americano  que tem tendência a acreditar na palavra do seu governo.

Assim, precisamente para que os Americanos possam compreender o que se trama hoje em dia, é necessário começar, diz-nos RFK Jr., por voltar a “esta história sórdida mas de que poucos se lembram ”, que começa durante os anos 1950. Nessa época, o presidente Eisenhower e os irmãos Dulles (o director da CIA Allen Dulles e o Secretário de Estado John Foster Dulles) recusam as propostas soviéticas de tratado para fazer do Médio Oriente uma zona neutra da Guerra fria e para deixar os Árabes controlar a Arábia. Em vez disso,  montaram uma guerra clandestina contra o nacionalismo árabe, que Allen Dulles assimilava ao comunismo, particularmente quando a autonomia dos Árabes ameaçava as concessões petrolíferas.

É assim que forneceram uma ajuda militar secreta a tiranos na Arábia Saudita, na Jordânia, no Iraque e no Líbano, favorecendo marionetes, animadas de uma ideologia conservadora e jihadista, que consideravam poder constituir um antídoto fiável ao marxismo soviético. Aquando de um encontro na Casa Branca entre o director da planificação da CIA, Frank Wisner, e John Foster Dulles, em Setembro de 1957, Eisenhower fez esta recomendação à Agência, de acordo com uma nota registada pelo seu secretário, o general Andrew J. Goodpaster: “Deveríamos fazer todo o nosso possível para insistir sobre o aspecto “guerra santa”. ” Como o escreveu RFK Jr., “a CIA manteve um violento jihadismo como arma da Guerra fria”.

A CIA começou a sua ingerência activa na Síria em 1949. Em Março, o presidente eleito democraticamente, Choukri al-Kouatli, hesitou em aprovar o pipeline trans-árabe, um projecto americano concebido para ligar os campos petrolíferos da Arábia Saudita aos portos do Líbano via Síria. No seu livro Legacy of Ashes, o jornalista Tim Weiner conta que em represália pela falta de entusiasmo de al-Kouatli para a instalação do pipeline americano, a CIA tramou um golpe de Estado para o substituir por um ditador que a CIA tinha escolhido, Husni al-Zaim. O homem mal teve tempo de dissolver o Parlamento e de aprovar a instalação do pipeline americano antes que os seus compatriotas o derrubassem quatro meses e meio após a sua chegada ao poder. O golpe de Estado de al-Zaim é o primeiro que conheceu o mundo árabe.

RFK Jr. passe seguidamente em revista as outras operações clandestinas da CIA. No Irão primeiro, com o golpe de Estado contra Mossadegh em 1953, depois deste ter tentado renegociar os termos dos contratos entre o seu país e a Anglo-Iranian Oil Company . Seguidamente, na Síria, quando em 1957 a CIA tentou organizar um segundo golpe de Estado neste país armando militantes islamitas, a começar pelos Irmãos muçulmanos. Por último, no Iraque, onde a CIA teve êxito em instalar o partido Baas e Saddam Hussein. Tim Weiner escreveu  de resto que James Critchfield, chefe da CIA para o Médio Oriente, reconheceu mais tarde que a Agência, em substância, “criou Saddam Hussein”. Ronald Reagan e o seu director da CIA Bill Casey olhavam Saddam Hussein como um amigo potencial da indústria petrolífera americana e como uma barreira sólida contra a propagação da revolução islâmica iraniana. O seu predecessor tinha nacionalizado a Iraque Petroleum Company.

2009: Assad recusa a instalação do pipeline do Qatar

Depois destas recordações históricas, aqui colocadas em resumo, RFK Jr. volta à situação actual na Síria. Começa por pôr em cena duas visões do conflito que se opõem:

“Enquanto a imprensa americana dócil repete como um papagaio a historia segunda a qual o nosso apoio militar para a revolta síria é meramente humanitário, numerosos árabes vêem a crise actual simplesmente como uma nova guerra de pipelines por procuração…”

RFK Jr. considera que existe uma abundância de factos que apoiam esta maneira de ver as coisas. Se, do nosso ponto de vista, a nossa guerra contra Bachar el-Assad começou com as manifestações civis e pacíficas da Primavera árabe em 2011, para eles, começou em 2009, quando o Catar propôs a construção um pipeline de 1500 quilómetros e de 10 mil milhões de dólares através da Arábia Saudita, da Jordânia, da Síria e da Turquia.

Este pipeline devia ligar directamente o Catar aos mercados europeus da energia via terminais de distribuição na Turquia; este último país teria embolsado importantes taxas de trânsito. O pipeline Catar/Turquia teria dado aos reinos sunitas do Golfo pérsico uma dominação decisiva sobre os mercados mundiais do gás natural e teria reforçado o Catar, o mais próximo aliado dos Estados Unidos no mundo árabe. A União europeia, de que 30 % das suas importações em gás provêm da Rússia, estava igualmente desejosa deste pipeline que teria oferecido aos seus membros energia barata e um alívio no que diz respeito à influência política e económica asfixiante de Vladimir Putin. O pipeline teria beneficiado também a Arábia Saudita sunita dando-lhe um ponto de apoio na Síria dominada por um regime alauita assimilado ao chiismo.

Evidentemente, os Russos, que vendem 70 % das suas exportações em gás para a Europa, viam o pipeline Catar/Turquia como uma ameaça existencial. Do ponto de vista de Putin, o pipeline do Catar era “um complot da NATO ” para alterar o status quo, para privar a Rússia do seu único ponto de apoio ao Médio Oriente, estrangular a economia russa e pôr um fim à influência russa no mercado europeu da energia. Em 2009, Assad anunciou que recusaria assinar o acordo para permitir a construção do pipeline a atravessar a Síria, e isto a fim de proteger os interesses do seu aliado russo.

Assad colocou mais uma vez em fúria os monarcas sunitas do Golfo dando o seu aval, em Julho de 2011, “ a um pipeline islâmico ” aprovado pela Rússia, fluindo dos campos de gás iranianos através da Síria e até aos portos do Líbano. Este pipeline teria feito do Irão chita, e já não do Catar sunita, o principal fornecedor do mercado europeu da energia, e teria de maneira espectacular acrescido a influência do Irão no Médio Oriente e no mundo. Israel também estava determinado a fazer descarrilar “ o pipeline islâmico”, que teria enriquecido o Irão e a Síria e provavelmente as suas “proxys”, Hezbollah e o Hamas.

A CIA, a Turquia, o Catar e a Arábia Saudita estão por detrás da revolta jihadista

RFK Jr. Avança então para o seu objectivo no texto, a análise da origem da guerra na Síria:

“ Telexes secretos e relatórios dos serviços de informação americanos, sauditas e israelitas indicam que no momento em que Assad rejeitou a construção do pipeline do Catar, os planificadores chegaram rapidamente a um consenso de que iriam fomentar uma revolta sunita na Síria para derrubar o pouco cooperante Bachar el-Assad e que isto seria uma via praticável para alcançar o objectivo partilhado da realização do pipeline Catar/Turquia. Em 2009, de acordo com WikiLeaks, imediatamente depois de Bachar el-Assad ter rejeitado o pipeline do Catar, a CIA começou a financiar os grupos de oposição na Síria. É importante notar que se estava ainda muito longe do levantamento contra Assad gerado pela primavera árabe.”

Na Primavera de 2011, em Damasco havia apenas pequenas manifestações pacíficas contra a repressão do regime Assad. No entanto, como o indicam os telex de WikiLeaks, a CIA estava já presente sobre o terreno na Síria. Os reinos sunitas queriam uma implicação mais forte dos Estados Unidos. A 4 de Setembro de 2013, o Secretário de Estado John Kerry declarou aquando de uma audiência no Congresso que os reinos sunitas se tinham oferecido para  “pagar a nota” por uma invasão americana na Síria a fim de derrubar  Bachar el-Assad. Mas, apesar da pressão dos Republicanos, Barack Obama recusa enviar jovens Americanos para morrerem como mercenários por causa de um conglomerado sobre um pipeline .

Em 2011, os Estados Unidos juntaram-se à França, ao Catar, à Arábia Saudita, à Turquia e ao Reino Unido para formarem a Coligação dos Amigos da Síria, que exige a partida de Assad. A CIA fornece 6 milhões de dólares à Barada TV, uma cadeia de televisão britânica, para produzir programas a defender o derrube do presidente sírio. Documentos da informação saudita, publicados por WikiLeaks, mostram que antes de 2012, a Turquia, o Catar e a Arábia Saudita armavam, treinavam e financiavam combatentes jihadistas sunitas vindos da Síria, do Iraque para derrubar o regime de Assad. O Catar, que era o país que mais tinha a ganhar, investe 3 mil milhões de dólares para reforçar a revolta e convida o Pentágono a treinar insurrectos nas bases americanas no Catar. “A ideia de fomentar uma guerra civil entre sunitas e chiitas para enfraquecer os regimes sírio e iraniano, com o objectivo de manter o controlo dos produtos petroquímicos da região, não era uma nova noção no léxico do Pentágono”, afirma RFK

Com efeito, um relatório “arrasador” de RAND Corporation, financiado pelo Pentágono, datado de 2008, propunha “um plano preciso para o que estava brevemente para acontecer ”. O relatório, intitulado “Unfolding the Future and the Long War”, afirma que, na medida em que as economias dos países industrializados continuarão num futuro previsível a depender fortemente do petróleo, e que a maior parte do petróleo é produzida no Médio Oriente, os Estados Unidos têm um motivo para aí manterem a estabilidade. Ora, observa-se nesse relatório que a área geográfica onde se situam garantidamente as grandes reservas de petróleo coincide com a zona de influência de uma grande parte da rede jihadista e salafista. Isto cria “uma relação entre as provisões petrolíferas e a longa guerra”. O relatório explica assim que o controlo dos depósitos de petróleo e de gás do Golfo pérsico permanecerá, para os Estados Unidos, “uma prioridade estratégica” que “interaje fortemente com uma outra prioridade, a da continuação da longa guerra”.

Neste contexto, o relatório identifica várias trajectórias potenciais para a política regional concentrada sobre a protecção do acesso às reservas de petróleo do Golfo, entre as quais a seguinte é a mais saliente: explorar “as linhas de falha entre os diferentes grupos jihadistas e salafistas para virar uns contra os outros e levar a que gastem as suas energias em conflitos internos”. RAND recomenda que se utilizem “ acções secretas, operações de informação, de guerra não convencional” para pôr em prática uma estratégia de “dividir para reinar”. O relatório prossegue:

“Os Estados Unidos e os seus aliados locais poderiam utilizar os jihadistas nacionalistas [ver definição no final do artigo] para lançar uma campanha por procuração para desacreditar os jihadistas transnacionais aos olhos da população local. […] Os dirigentes americanos poderiam também escolher aproveitarem-se  do conflito duradouro entre sunitas e chiitas, tomando o partido dos regimes sunitas conservadores contra os movimentos de autonomização chiitas no mundo muçulmano […] eventualmente apoiar os governos sunitas autoritários contra um Irão continuamente hostil”.

Como previsto, a reacção exagerada de Assad à crise fabricada no estrangeiro – enviando bombas-barris[1] sobre bastiões sunitas e matando civis – polarizou a fractura entre sunitas e chiitas na Síria e permitiu aos responsáveis políticos vender aos Americanos a ideia que a luta para a realização do pipeline era uma guerra humanitária. O retrato feito pela imprensa do Exército sírio livre, composto de batalhões unidos de Sírios moderados era, diz-nos RFK Jr., “delirante”. As unidades dispersas, agrupadas em centena de milícias independentes, eram na sua maior parte comandadas (ou combinadas) por militantes jihadistas, que eram os mais empenhados e os mais eficazes em combate.

(continua)

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[1] Sobre este assunto veja-se o texto seguinte da série, sobre os mortos de Ghouta,

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Ver o original em:

https://taikeile.wordpress.com/2016/02/29/robert-kennedy-jr-denonce-le-conflit-en-syrie-une-guerre-par-proxys-pour-un-pipeline/

 

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