Sobre as mentiras emitidas pelas Instituições Internacionais, assumidas como verdades pelos governos nacionais e difundidas pelos seus media | 1. Introdução por Júlio Marques Mota

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Sobre as mentiras emitidas pelas Instituições  Internacionais, assumidas como verdades pelos governos nacionais  e difundidas pelos seus media – uma pequena série de artigos

 

Uma pequena série sobre as mentiras com que nos vão massacrando os ouvidos.- E uma mentira tantas vezes repetida acaba por se transformar em verdade no imaginário de muita gente. É isto que as Instituições esperam dos media: que transformem as suas mentiras em verdades no imaginário dos cidadãos europeus.

Teremos pois os seguintes textos:

1.Fim do euro – uma análise dos argumentos para retardar o inevitável, a queda do euro. Um texto de Júlio Mota e all. onde se critica um trabalho do banco Natixis escrito pela mão de Jean Artus, para quem afinal não há alternativa à presença na zona euro. Qualquer outra via para se sair da crise que não seja dentro da EU é ficar pior que estar na crise como agora se está. Por outro lado, porque a Europa já se mostrou à evidência como sendo totalmente incapaz de fazer seja o que for para se sair da crise, então a solução de Artus é pois a de …morrermos em crise. Tudo isto a lembrar Ian Kershaw num livro recente sobre o FIM do III Reich em que nos lembra que nesse tempo (1944.1945) sentia-se, entre os alemães, que se vivia um dilema: ter um fim horroroso ou viver num horror sem fim.

2. Segue-se um texto de Matt O’Brien do Washington Post, publicado em Abril, intitulado Uma louca razão pela qual poderemos ser confrontados, de novo, com uma enorme crise na Grécia onde este autor perspectiva o que será o acordo entre as Instituições e a Grécia que se desenrolou depois em Maio. Neste texto mostram-se as linhas de forças que têm condicionado a Grécia em que esta mais parece uma marionete na mãos das Instituições e ao sabor das relações de força dentro destas mesmas Instituições. Uma análise feita em Abril que vale a pena depois confrontar com o texto seguinte.

3. De Daniel Munevar apresentamos o seu trabalho intitulado, O ultimo acordo com a Grécia : uma fantasia de folha de cálculo Excel, acordo este alcançado em Maio de 2016 e em que no entender do Eurogrupo foi um grande sucesso. Pura mentira, não apenas agora como em tudo o que as Instituições têm apresentado como sendo um sucesso seu ao longo destes últimos 6 anos. A demonstração dessas mentiras feita por Munevar é sólida e não deixa margem para dúvidas. Aliás, o trabalho deste autor será acompanhado pela Introdução apresentada no relatório do FMI intitulado FMI – GREECE- Preliminary debt sustainability analysis— updated estimates and further considerations. Maio de 2016.

4. De Matt O’Brien apresentamos o trabalho intitulado Este é o pior argumento acerca da divida que pode ser colocado sobre a dívida onde se analisa os fantasmas da direita americana relativamente à divida e ao New Deal. Curiosamente pela mão da TIME e de James Grant levanta-se a questão da insolvência dos Estados Unidos num artigo que se inicia na primeira capa da TIME, intitulado The United States of Insolvency.

Matt O’Brien num texto notável ataca frontalmente os mitos da direita provando que esta o que pretende é a destruição do Estado Providência e desse ponto de vista o que a direita americana com muita força agora, e desde há muito tempo, pretende é o que a Europa tem estado a conseguir: o retorno ao neoliberalismo puro e duro com estruturas socias e de repartição do rendimento que se pretendem equivalentes às dos anos 30 e antes do New Deal. Um discurso que deve ser visto em paralelo com a política europeia de mais e mais austeridade, de menos e menos direitos sociais, cada vez menos. A comparação é mais que evidente.

5. Aqui voltemos aos sucessos estatísticos. Num trabalho bem simples mas igualmente elucidativo neste trabalho de Anthony Alberti intitulado A mentira do pleno emprego mostra-se , contrariamente à ideia que se tem da economia americana, de que esta não vai nada bem. Se tivermos em conta o que se diz no texto anterior percebemos que a direita americana parece querer concorrer com as Instituições Europeias em ritmo de destruição social e a favor dos 1% mais ricos. A famosa lógica do trickle-down, ou seja, a ideia de que para favorecer os pobres deve-se em primeiro favorecer os ricos porque com o enriquecimento destes são os pobres que depois, através das livres forças dos mercados, saem favorecidos. A lógica da TIME, a lógica de James Grant, a lógica de Teddie Cruz era exactamente menos impostos para os mais ricos e mais cortes nas despesas públicas para os mais pobres. Como se tem feito na União Europeia, aliás.

6. Com o trabalho de Alexander Weber e Boris Groendahl intitulado , O Estado austríaco pode esquivar-se à declaração de incumprimento sobre uma dívida de 12,4 milhares de milhões de dólares ilustra-se ao limite a falta de moral das Instituições Europeias e das coligações nacionais encarregadas de levar a cabo as políticas desenhadas pelas Instituições. Ao mesmo tempo que se reduzia a Grécia à miséria e se arrasava o seu sistema financeiro, havia no núcleo duro da EU um país falido, a Áustria ou pelo menos um dos seus estados federais, Caríntia. Mas a coligação no poder em Viena entende que não poder pagar não é falência, não cumprir com as garantias estatais com o argumento de que não há dinheiro para cobrir essas garantias não é declarar falência, porque afinal tudo é possível: é uma questão de força apenas. Vivemos num mundo onde alto quer dizer baixo, onde branco quer dizer preto, é apenas uma questão de se estipular pela força a verdade que se quer. Terá sido assim com a Áustria. Mas em Portugal anda-se à caça dos efeitos do BANIF sobre a situação de défice excessivo e ameaçam-nos com penalizações. E o nosso Presidente vai a Berlim pedir comiseração, ou mesmo é dizer que somos parte da Europa alemã e vamos pedir-lhe que esta seja condescendente connosco porque… os resultados obtidos com as políticas que nos foram impostas pela Alemanha não deram os resultados que elas esperava e que toda a gente sabia que eram irrealistas, aqui, como na Grécia, também. Afinal, tudo isto é mesmo uma declaração de força, ou de fraqueza, de suserano e de vassalo, para sermos mais claros.

7. E voltamos de novo, depois do texto de Menuvar, ao mundo da fantasia com que as Instituições nos brindam, mais uma vez. Agora pela mão do economista-chefe do FMI, Maurice Obstfeld para quem um elemento chave na recessão actual é o facto dos preços do petróleo terem baixado fortemente. Se nos apercebermos de que a rendimento constante em dado momento do tempo descerem os custos em matérias-primas significa automaticamente que para o mesmo rendimento passa aa haver um maior poder de compra, o que vai dinamizar a economia e não degradá-la. Os neoliberais andam loucos, depois de inventarem multiplicadores negativos, inventaram multiplicadores baixíssimos e agora vêm-no com esta de que uma das razões pelas quais não se sai da crise é o baixo preço da matéria-prima, os combustíveis. Os neoliberais não se entendem faca ao mundo que eles criaram: um mundo de taxas de crescimento muito baixas, taxas de juro também muito baixas e para completar o novo triângulo das Bermudas criado pelas políticas neoliberais temos ainda as taxas de inflação muito baixas, nalguns casos negativas mesmo.

Um gráfico sobre o G20, perdão, G00, ilustra a situação:

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Que face a este novo triângulo das Bermudas nos venham agora dizer que a “culpa” é dos baixos preços do petróleo, é coisa que nunca imaginaríamos. A loucura não tem limites, da mesma forma que a ganância destes loucos também não os tem.

Uma análise sobre esse mundo de loucura ou de cinismo bem pago é o que nos apresenta Matt O’Brien no seu trabalho intitulado A ideia maluca que o aumento dos preços do petróleo pode agora ser bom para a economia.

8. Com o presente artigo passamos a analisar uma outra grande mentira, a de que o Grexit seria uma catástrofe para o mundo. É nestes termos que o G07 se manifestou. Contra toda a panóplia de argumentos lançados aos quatro ventos pelas centrais de intoxicação, apresentamos um artigo lapidar de Jean-Luc Gréau, antigo conselheiro da confederação do patronato francês, MEDEF, onde se mostra que qualquer que seja o resultado do referendo a Inglaterra ganha sempre. De resto o título do seu artigo é bem significativo: Brexit: o sim ou o não, o resultado será sempre um resultado ganhador ! E Deus salve a City, mesmo que esse resgate seja juncado de párias por todo o continente europeu. Deus salve a City é também uma preocupação das Instituições.

9. Se dúvidas há nos jogos de mentiras, o texto nº 9 sobre as eleições em Espanha, sobre as mentiras de Rajoy assumidas pelo silêncio pela Comissão Europeia, pelo seu Presidente, são um sinal claro de que moral é coisa que não existe , como o dissemos atrás. Uma campanha eleitoral promovida pelo PP em Espanha com uma carta secreta a abrir uma segunda via de austeridade , na casa dos 12 mil milhões, um montante que a Austria se recusa a pagar. E não havia na Áustria CDS sobre estes títulos garantidos pelo Estado de Carintia! Mas a Auistria não é Portugal, a Espanha não é a Grécia, etc. Como assinala o jornalista Romaric Godin do jornal La Tribune:

Esta “carta secreta” sobre as medidas adicionais que podem ascender a 12 mil milhões de euros não é um detalhe. Tudo acontece como se, com a bênção da Comissão- habitualmente tão rápida a denunciar o procedimento – o chefe do governo quisesse esconder o pretexto de uma decisão ‘ vinda de cima’, ou seja, vinda de Bruxelas, impondo à Espanha e forçando-a a impor uma nova cura de austeridade, uma vez passadas as eleições.”

10. Por fim, e não menos importante, analisemos o papel de cordeiro que o FMI pretende agora assumir, tomando como exemplo, porque emblemático, o seu papel ao longo do processo da crise grega e a sua nova posição face a este mesmo país. Há quem diga que o FMI assume não o papel de cordeiro, menos ainda o de lobo, assume, isso sim, o papel daqueles que matam os pais para depois passarem por vitimas e receberem benefícios com isso! Os judeus têm um bom termo para isto, chutzpah, o que pode significar também o descaramento absoluto e toda a história do FMI face à crise é isso mesmo: um descaramento absoluto. Não nos esquecemos de Christine Lagarde e Olivier Blanchard a gritarem em Riga, na capital de um país completamente destruído pela austeridade, vivas à Austeridade. Era no tempo em que o FMI defendia a existência de multiplicadores negativos ou muito baixos numa segunda fase dando assim o aval às políticas de austeridade preconizadas. Não nos esquecemos que mais tarde Olivier Blanchard e Daniel Leigh comunicam ao mundo que se enganaram na medida do impacto das politicas de austeridade mas para ficar tudo na mesma.

Chutzpah, é então o termo a utilizar para o comportamento das Instituições e dos seus lacaios, governos nacionais ou intelectuais, pagos principescamente para a justificação e propagação dessas mentiras.

Num recente trabalho em forma de balanço sobre as políticas defendidas ou impostas pelo FMI, intitulado curiosamente Neoliberalism: Oversold?”, ou seja, Neoliberalismo: em saldo? Esta Instituição diz-nos:

A agenda neoliberal — um rótulo usado mais por críticos do que pelos arquitectos das políticas — baseia-se em duas principais orientações. A primeira é o aumento da concorrência — alcançado através da desregulamentação e da abertura acima dos mercados internos, incluindo mercados financeiros, à concorrência estrangeira. A segunda é um papel menor para o Estado, alcançado através de privatizações e de limites na capacidade dos governos de gerarem situações orçamentais deficitárias e acumularem dívida. (…)

No entanto, há aspectos da agenda neoliberal que não deram os resultados que eram esperados. A nossa avaliação da agenda limita-se aos efeitos de duas condições: remoção de restrições sobre a circulação de capital nas fronteiras de um país (camada liberalização da balança de capitais); e consolidação fiscal, às vezes chamada de “austeridade”, que é uma abreviação para as políticas que têm como objectivo reduzir os níveis de dívida e dos défices orçamentaiss. Uma avaliação destas políticas específicas (ao invés da ampla agenda neoliberal) levaa-nos a três conclusões inquietantes:

The benefícios em termos de aumento do crescimento parecem bastante difíceis de se estabelecerem quando se olha para um amplo grupo de países.

The custos em termos de maior desigualdade são mais que evidentes. Tais custos sintetizam o trade-off entre os efeitos de crescimento e de equidade de alguns aspectos da agenda neoliberal.

O aumento da desigualdade, por sua vez, afecta fortemente o nível e a sustentabilidade do crescimento. Mesmo se o crescimento for o único ou o principal objectivo da agenda neoliberal, os defensores da agenda precisam ainda de prestar atenção para os efeitos distributivos.

(…)

Em suma, os benefícios de algumas condições que são uma parte importante da agenda neoliberal parecem ter sido um pouco exagerado. (…)

E em conclusão:

Estes resultados sugerem a necessidade de uma visão mais diferenciada do que a agenda neoliberal é provavelmente capaz de poder alcançar. O FMI, que supervisiona o sistema monetário internacional, tem estado na vanguarda desta reconsideração.

Por exemplo, o seu antigo economista-chefe, Olivier Blanchard, disse em 2010 que “o que é necessário em muitas economias avançadas é uma consolidação orçamental credível de médio prazo, não uma pressão orçamental já .” Três anos mais tarde, a directora-geral do FMI, Christine Lagarde, disse à Instituição acreditar que o Congresso dos EUA estava certo em ssubir o tecto da dívida do país “porque o problema a resolver não é o de contrair a economia cortando nas despesas públicas brutalmente agora mas sim de colocar a economia numa trajectória de crescimento.” E em 2015, o FMI aconselhou que os países da zona do euro “com espaço orçamental devem utilizá-lo para apoiar os investimentos.1

Curioso balanço este do FMI que acabamos de sintetizar. Veja-se como se pega com pinças na questão europeia! Em suma, no negrume imposto pelas Instituições tudo é claro, mas tudo o que é claro por aqueles lados é porque é mentira. Paradoxo de tudo isto, é que só a mentira é verdade. O resto, não se sabe, é isso, afinal.

Boa leitura dos textos desta estranha série publicada com textos de agora, passados quase 8 anos do rebentamento da crise. Impensável o que aqui se diz se os nossos políticos não fossem na sua maioria verdadeiros repteis teleguiados pelos grandes mercados e pelas Instituições que destes são seus garantes.

Chutzpah, é então o termo a utilizar para o comportamento das Instituições que nos levaram à situação de hoje, a da mais profunda crise que conhecemos e que talvez seja mesmo a mais profunda de sempre. Face a toda esta panóplia de mistificações aqui vos deixo uma pergunta levantada por Matt O’Brien: “será preciso que nos façam chorar até rirmos às gargalhadas ou que nos façam rir até chorarmos convulsivamente?”

Coimbra, 1 de Julho de 2016

Júlio Marques Mota

1FMI, Neoliberalism: Oversold? FINANCE & DEVELOPMENT, June 2016, Vol. 53, No. 2Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani, and Davide Furceri. Disponível em:

http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/ostry.htm

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