Livros publicados por ocasião da exposição «Amadeo de Souza Cardoso 1887-1918», organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais, em Paris, de 20 de Abril a 18 de Julho de 2016.
XX Dessins
«Cardoso não procede de ninguém, nem mesmo de Deus. Criou um mundo totalmente novo. A natureza, os seres vivos, animais ou criaturas humanas, flora e fauna, tudo saiu do seu cérebro de lírico alucinado. Como afirma, com razão, Jérôme Doucet, “trata-se de construções arquitecturais tão libertas de convenções, que poderiam ser habitantes ou construções de outro planeta”.
Cardoso recorre a estilizações prodigiosas, alongamentos, estiramentos, contorções, meneios, que nos trazem à ideia El Greco, os nus de Cézanne, não sei que imagens de divindades patagónicas, polinésias, mexicanas, astecas. Para além disso, é português. Os seus personagens são exageradamente longos, com minúsculas cabeças ovais. O efeito é inesperado, sufocante, superiormente decorativo, como certas velhas tapeçarias medievais. Arte bárbara e ao mesmo tempo refinada, antiga e de um modernismo, digamos de um bizantinismo decadente, excessivo e pueril.
A fauna e a flora são teratológicas; na floresta virgem, confundem-se lianas, cactos, aloés… unicórnios, tigres, cavaleiros, amazonas loucamente ondulosas, caçadas onde tudo, corcéis, lebres, veados, se lança em galopadas frenéticas. Lugares de sonho, visões de um fumador de ópio, de um comedor de haxixe, marinhas apocalíticas, caóticos céus de tinta…» [Louis Vauxcelles, Gil Blas, 1912).
Apresentação: Catarino Alfaro. Edição em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, bilingue: português-francês.
La Légende de Saint Julien l’Hospitalier
É um manuscrito ilustrado de Amadeo de Souza-Cardoso, a partir do texto de Gustave Flaubert, pertencente à colecção do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.
O que é que viu Amadeo na Légende? Viu a vertigem da caça, das aves de rapina, do cavalo e do cavaleiro, da floresta, dos lobos e dos castores, do animal em nós, a atracção pela viagem e pelas armas de guerra (o machado, a espada, a lança, o maço), pelos emblemas, pelos brasões; o horror do incesto, porém, é sobretudo segregado pela cópia secreta e belíssima do texto de Flaubert. Trata-se de uma ilustração em que a cópia se eleva a elemento expressivo pelo desenho das letras, pelos ornamentos que as emolduram, pela plenitude cromática, sem interpretação mimética dos episódios da história, sem extracção de uma metafísica do mal. Amadeo reconduz o texto à maravilha isenta de comentário, não cede à tentação de prolongar os excessos tão bem medidos, e por isso tanto mais terríveis, do conto que tão longe está da lenda medieval. Em um, Flaubert, o estilo da velhice, a formosura sem mácula daquilo a que Hermann Broch chama abstracção, na qual «a linguagem desvela os seus próprios segredos». No outro, Amadeo, as primícias de um estilo daquele que irá descobrir que cada vez mais sabe menos quem é, daquele que reconhece as emoções como a condição de toda a arte, ao mesmo tempo que se abstém de lhes dar livre curso. E aqui incrusta-se indubitavelmente uma interrogação: quem é Amadeo? [Maria Filomena Molder]
Apresentação: Maria Filomena Molder. Edição colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, bilingue: português-inglês.
Pintura
«Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa do século XX. O limite da Descoberta é infinito porque o sentido da Descoberta muda de substância e cresce em interesse — por isso que a Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa.» José de Almada Negreiros,Exposição de pintura: amadeo de souza cardoso, Liga Naval de Lisboa, 1916
«Para os miúdos da altura, todos declaradamente incréus, o Amadeo tinha a força de uma crença. Náufragos que nos sentíamos entre um país em farrapos e uma cultura de sacristia a separar-nos da Europa em chamas, o exemplo de Amadeo atestava a esperança de um dia podermos chegar a terras de gente.» Júlio Pomar, JL – Jornal de letras, artes e ideias, 2006
«O trabalho de Amadeo herda aquilo que o cubismo teve de melhor, uma prática densamente desestruturante. Só que esta prática não é em Amadeo fruto de um método; antes desestruturando métodos, fazendo-os cruzar, entrelaçar, entregolfar sem inquietações ou porquês. As suas pinturas passam de uma situação em que predomina o jogo como é o caso dos cubismos, futurismos, impressionismos, etc., para uma produção movida pela brincadeira. A própria ideia de paródia se ausenta, uma vez que esta dimensão de brincadeira anula a possível carga reactiva.» Pedro Proença, Expresso, 1987
Apresentação: António Cardoso, Catarina Alfaro, Helena de Freitas, Irina Sandu, Leonor de Oliveira, Márcia Vilariques, Maria João Belo, Sara Babo. Em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, edição trilingue: português-francês-inglês.
Fotobiografia
A Fotobiografia de Amadeo de Souza-Cardoso apresenta-se na forma de uma malha organizada entre texto e imagem. A multiplicidade de documentos e fotografias reproduzidos permite contextualizar a sua vida artística, fixar o seu rosto em sucessivas poses, cristalizar alguns dos seus pensamentos na grafia das cartas. Sabemos como Amadeo não se deixa aprisionar nesta rede. O artista não tem um discurso regular, desloca-se com destreza entre vários registos, na vida como na obra. Percebe-se na diversidade da pose (entre o provinciano e o cosmopolita), no estilo versátil da escrita, na letra instável, no desconcertante traçado das assinaturas. Parte tudo isto de um sentido de velocidade que lhe percorre a vida e a obra, de um destino que tem que cumprir. [Helena de Freitas]
Em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, edição trilingue: português-francês-inglês