NO CORAÇÃO DAS TREVAS, AS GRANDES INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS, E NÓS À PROCURA DA LUZ AO FUNDO DO TÚNEL COMO SAÍDA PARA A CRISE? IMPOSSÍVEL – 2. DE ONDE VEIO O DINHEIRO, PARA ONDE FOI O DINHEIRO, por JÖRG ROCHOLL e AXEL STAHMER – a introdução de JÚLIO MARQUES MOTA

 

júlio marques mota

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Um texto que julgo assinado por dois alemães sobre a tragédia grega, procurando saber de onde veio o dinheiro para os resgates gregos e questão tão ou mais importante ainda, procurando saber também para onde é que foi esse dinheiro depois de atribuído à Grécia.

Um texto duro e incómodo e mais uma vez um texto escrito por gente de direita mas à ficar muito mais à esquerda que muita da nossa esquerda nacional ou europeia. A linha de direita do texto é desenhada na parte final do presente trabalho mas mesmo aí são sérios quando propõem o seu trabalho à discussão internacional procurando com isso melhorar a perspetiva obtida neste trabalho sobre a tragédia grega.

Esta série foi preparada já há algum tempo, antes dos mais recentes acontecimentos que envolvem Durão Barroso, Goldman Sachs e as relações entre os políticos e os financeiros, ou seja entre que os que nos comandam e os que nos roubam, legal ou ilegalmente. Mas ser de novo com Goldman Sachs é dizer com Hegel e com Marx que a história se repete, uma vez como tragédia e outra vez como farsa. Como tragédia, a manipulação das contas gregas para esconder a falência de todo um sistema e permitir que se afundasse um país na miséria. E pelo meio passou um rearranjo do acordo da Grécia com a Goldman Sachs em que mais uma vez o povo grego ficou a perder. Havia muitas notas de pé de página em letra muito miudinha que deram milhões de lucros aos vampiros da Goldman Sachs. E já agora onde estava Mario Draghi?

Dramático que se tenha assim colocado a dependência de todo um continente nas mãos de gente que parece não ter nenhuns escrúpulos. Em política o que parece é, é um ditado que aprendi desde os tempos de Salazar, não basta ser sério é preciso parecê-lo, um ditado romano, e aqui afinal ninguém parece ser sério. Sejam-no ou não, não o parecem.

O drama que o texto descreve em forma de números é desenrolado quase todo ele sob a direção de Durão Barroso e mostra à evidência que a Instituição Europeia portou-se muitíssimo bem como um agente da banca e ao seu serviço, com uma função suprema; salvar a banca das suas múltiplas loucuras durante o regabofe da desregulação financeira que se foi realizando desde os anos 80 e que desembocou na tragédia de 2008.

Vivemos tempos complicados, tempos de confusão. Dizia o Presidente do Goldman Sachs que a sua função era fazer o trabalho de Deus. Ora a ideia que se tem deste banco é que é um antro de Vampiros que nunca o Zé Afonso seria capaz de imaginar. A história da crise de 2008 é disso um belo exemplo e desse período um acidente da crise é talvez o mais belo espelho da crise e dos vampiros que a geraram. Falamos aqui de um CDO, Abaccus, de personagens geniais como o mais jovem vice-presidente de Goldman Sachs, Fabrice Tourre, um dos mais brilhantes especuladores daqueles anos malditos de 2008, John Paulson, considerado o investidor do ano (!), uma das firmas mais reputadas de Wall Street, ACCA Management, especializada na montagem de CDO’s, um dos instrumentos financeiros que um jornalista financeiro muito bem apelidou dos títulos do Diabo. Estes três montam pois um CDO de milhões, em que o Goldman Sachs vendia hipotecas podres, o Abaccus emitia títulos garantidos sobre COISA NENHUMA, uma vez que as hipotecas eram podres, pagava à Goldman Sachs estas mesmas hipotecas e este famoso banco de investimento ganhava sobre todas as bancas. Mais ainda, tal como Paulson podia comprar muitos CDS, sobre estes CDO’s podres, especulando à baixa destes mesmos CDO’s, os CDO’s que estava a vender, as gentes de Goldman Sachs poderiam fazer o mesmo, estando dos dois lados do mercado, a vender títulos e especular contra os seus clientes que os compravam! Ganhou. Paulson participou na montagem e fez o mesmo, especulação a descoberto e CDS. Estava do lado da venda. Ganhou e não foi pouco. Terá ganho mil milhões de dólares. Foi o investidor do ano. Fabrice convenceu ACCA que Paulson tinha investido milhões nos títulos e esta firma seduzida pelo brilho deste investidor também alinhou no negócio mas do outro lado do negócio, do mau lado, do lado de quem compra. Perdeu qualquer coisa como 900 milhões. Entre muitos patos desta história, conta-se um grande pato, um banco alemão, IKB Deutsche Industriebank AG (IKB). Valor estimado das suas perdas no negócio, 150 milhões.

Por curioso, este é um exemplo do trabalho de Deus executado por Goldman Sachs. Significa que na lógica neoliberal Deus pode facilmente ser substituído pelo Diabo. Aliás, o processo de desmontagem de toda esta vigarice terá sido um telefonema de Fabrice a uma pessoa amiga em que terá dito que nem queria acreditar na facilidade do que estava a conseguir. Deus estaria então a dormir e em seu nome estava-se a fazer o trabalho do Diabo.

Leiam a história de Goldman Sachs, a de Marc Roche por exemplo ou então a história do CDO sintético batizado ABACUS 2007-AC1, contem-na depois a uma criança, contem a história recente da Grécia em nome do salvamento dos bancos, contem-lhes da subida de gente como Vitor Gaspar, para o FMI, de Álvaro Santos Pereira para a OCDE, de Maria Luís Albuquerque para a Arrow Global, de António Borges que trabalhou para a Goldman Sachs e que andou a vender Portugal aos bocados, contem-lhes que um dos homens que mais ajudou Merkel, Schäuble e Draghi a amarrar toda a Europa, Sarkozy andou a vender conferências para a Goldman Sachs a 100.000 dólares cada em diversas cidades americanas, sublinhando que Sarkozy com o seu discurso de Toulon terá escrito uma das mais significativas criticas ao mundo da alta finança. Esqueceu-se depois.

Depois, depois de tudo isto bem explicado, sabendo que não há jantares grátis entre as aves de rapina, perguntem-lhe se não acha que a subida de Durão Barroso ao topo da Goldman Sachs pode ser entendida mesmo que indiretamente senão como uma gratificação pelos serviços à causa da alta finança. Lembrem também a essa criança antes da sua resposta, lembrem-lhe que a política seguida pela Comissão Europeia na crise foi a de responsabilizar as vitimas da própria crise e de as fazer pagar por isso mesmo precarizando-as ainda mais. Como assinala Supiot: “devemos saudar a performance política que consistiu em fazer esquecer que a crise de 2008 era devida aos mercados financeiros para a imputar aos mercados de trabalho e às proteções extravagantes de que gozariam tanto os assalariados como até os próprios desempregados.” Ou ainda “ o direito ao trabalho seria geralmente um travão à maximização da utilidade social o que deveria dar lugar a uma desregulação dos mercados de trabalho. Sabe-se a força política desta argumentação que tem sido sucessivamente defendida pela OCDE, pelo FMI, pela Comissão Europeia. Depois do afundamento dos mercados financeiros em 2008 deveríamos esperar [como com Roosevelt em 1933] por uma regulação destes mercados feita na urgência. Mas pelo contrário, a principal lição que estes Organismos tiraram tiraram e impuseram aos Estados para sair da crise financeira foi a desregulação dos mercados de trabalho e o desmantelamento do Estado Social. Segundo Mario Draghi, Presidente do BCE e antigo vice-Presidente do Goldman Sachs, o modelo social europeu é coisa do passado e o dever dos Estados membros é de tornar os mercados de trabalho, que ainda não o são, mais flexíveis.”

Depois de tudo bem explicado à nossa criança de 12 a 15 anos perguntem-lhe o que pensa da ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs. Perguntem-lhe o que pensa eticamente, o que pensa politicamente. Verão o que a criança dirá. Talvez imagine o que possa dizer, mas não basta imaginar. E fico-me por aqui, dado o terreno perigoso em que podemos cair. Mesmo que não haja nenhuma intenção nisso.

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Nota – Em aditamento convém esclarecer o significado de:

CDO e CDS são as siglas para Collateralized Debt Obligation e Credit Default Swap, dois instrumentos financeiros cuja aplicação em grande escala esteve na origem da crise financeira de 2008.

E também dar os dados seguintes:

ESMT é a sigla para European School of Management and Technology, uma escola superior de gestão cuja sede fica em Berlim, e que foi fundada por um grupo de 25 empresas, algumas delas de nível mundial, como a Airbus, Allianz, Axel Springer, Deutsche Bank AG, Siemens AG, etc. Está reconhecida pelo estado alemão. Jörg Rocholl e Axel Stahmer estão ligados a esta escola, sendo o primeiro seu director. Poderão ver mais em:

https://www.esmt.org/school-networks/about-esmt/key-facts

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