LIDERANÇA DA BANCADA DO PT NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – Alimento, caro e envenenado – por Gerson Teixeira I

Selecção de Júlio Marques Mota

LIDERANÇA DA BANCADA DO PT NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Alimento, caro e envenenado

Responsável – Gerson Teixeira
Assessor da Bancada
Brasília, julho de 2016

 

Considerações introdutórias

Temos alertado sobre tendências que indicam a volatilidade de cunho estrutural na estrutura produtiva dos alimentos essenciais que integram a dieta da população brasileira. Por essa razão, nos últimos anos, o peso dos preços dos alimentos no IPC-A tem sido, na média, o principal fator do processo de resistência
inflacionária no país.

Em reconhecimento a esse fenômeno que está associado, no plano estrutural, aos efeitos da crescente hegemonia do agronegócio, o atual Plano Safra da Agricultura Familiar lançado pela presidenta Dilma – sob sérias ameaças no governo Temer- prevê medidas de estímulos, via taxas de juros generosas, para a produção de uma série alimentos. Por certo, mesmo sem a sabotagem do governo Temer, as medidas não  terão o poder de provocar a inflexão da tendência observada, o que demandaria um conjunto de outras ações cujas análises não cabem neste texto. Porém, as medidas diferenciadas constantes do Plano Safra  da Agricultura Familiar representaram uma clara sinalização do reconhecimento do problema pelo governo. Por suposto, com o convencimento sobre o problema, as medidas adicionais nas esferas de preço, comercialização, etc, viriam na sequência.

Este documento aborda outra dimensão da oferta alimentar no Brasil que juntamente com os problemas do abastecimento expõe os riscos da segurança alimentar e nutricional no país. Trata-se dos elevados níveis de resíduos de contaminantes e agrotóxicos presentes nos alimentos que chagam à mesa dos brasileiros.

Por meio do Diário Oficial da União de 17/06/2016 o MAPA publicou a Portaria no 52, da Secretaria de Defesa Agropecuária, com os resultados da pesquisa de resíduos de contaminantes e agrotóxicos relativa ao ano-safra 2014/2015. Foram investigados vários alimentos 1 produzidos na referida safra, em escala nacional, no âmbito do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de OrigemVegetal – PNCRC/Vegetal.

O presente texto retrata de forma sintética e organizada os resultados da pesquisa com o propósito de expor um panorama da qualidade desses alimentos no nosso país. Para fins de contextualização da pesquisa do MAPA vale lembrar que desde 2010 o Brasil assumiu a  liderança mundial no uso de agrotóxicos. Naquele ano o Brasil participou com 19% do mercado mundial, seguido dos EUA com 17%.
Os agentes do agronegócio tentam relativizar essa ‘indigesta’ posição brasileira com o argumento de que temos culturas com mais de uma safra, portanto, com demanda adicional ‘natural’ por venenos agrícolas.  Contudo, ‘esquecem’ de considerar que a área cultivada no Brasil corresponde a 37.4% da área cultivada nos EUA.  De acordo com o IBGE, no ano de 2001, o consumo nacional de ingredientes ativos de agrotóxicos foi de  3.1 Kg/Ha. Em 2013 esse consumo unitário passou para 6.8 Kg/Ha. Ou seja, um incremento notável de 119%. Na realidade, a ‘pole position’ assumida pelo Brasil nesse ranking foi fruto da conjugação de vários fatores, entre os quais:

1) a expansão dos OGMs de primeira geração (que se mantém até hoje) caracterizados pela tolerância das  plantas aos venenos das próprias empresas;
2) o crescimento da produção agrícola interna turbinado pelo ciclo expansivo das commodities agrícolas
desde a segunda metade da década de 2000;
3) a frouxidão regulatória e as desonerações concedidas a esse setor.

No que tange ao ponto 1, vale dizer que, ao contrário dos discursos sobre a redução do consumo de agrotóxicos com a introdução dos transgênicos usado à exaustão para justificar a legalização desses produtos no Brasil, desde então, tem sido exponencial o crescimento da utilização de venenos na agricultura brasileira. 2
Mesmo no contexto de larga utilização dos venenos agrícolas e de contaminação dos alimentos no Brasil,  a Bancada Ruralista, com o apoio dos demais segmentos ultraconservadores no Congresso tentam, atualmente, concluir o processo legislativo de um ‘novo regulamento’ (sic) para os agrotóxicos, absolutamente permissivo e irresponsável.
Ainda que envolto em dúvidas metodológicas conforme comentamos a seguir, de todo o modo, o PNCRC- Vegetal deve ser incentivado, por se constituir, na atualidade, na única fonte oficial de pesquisa sistemática sobre resíduos de contaminantes e agrotóxicos após o desaparecimento, sem maiores explicações, do PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos).

A pesquisa

A metodologia da pesquisa não foi detalhada na Portaria no 52, fato que impede uma avaliação mais apurada sobre a consistência da mesma para definir o perfil da qualidade dos alimentos produzidos pelo universo da agricultura brasileira.
As amostras foram coletadas em propriedades rurais, estabelecimentos beneficiadores e em centrais de abastecimento; e, de acordo com o MAPA, o plano de amostragem seguiu recomendações do Codex Alimentarius. Contudo, afora as amostras provenientes de importações, não é possível identificar a origem da coleta  feita em determinada unidade federada; se em unidade de beneficiamento, de produção ou de abastecimento.
Ademais, há outras dúvidas sobre a metodologia da pesquisa que não permitem interpretações seguras sobre os seus resultados. Por exemplo, não parece razoável que Mato Grosso, o estado maior produtor de grãos do país e campeão no uso de venenos não tenha participado da pesquisa. De plano, isso já permite duvidar da significância da pesquisa para interpretar a realidade nacional sobre a contaminação dos alimentos por agrotóxicos.
De outra parte, sem contestar os direitos das populações de todos os estados do país, à informação sobre a segurança dos alimentos, estados de pouca expressão agrícola participaram de forma desproporcional nas amostras.
O Amapá, estado que menos produz feijão no Brasil participou da pesquisa feita em oito estados do país. Santa Catarina, 7o maior produto de feijão teve mais amostras pesquisadas do que o Paraná; maior produtor nacional.
Outro exemplo: vê-se que a pesquisa de agrotóxicos no abacaxi ocorreu com 14 amostras, sendo que nenhuma delas no Pará, o estado maior produtor do produto no Brasil. Pernambuco foi o estado com o segundo maior número de amostras analisadas (4); contudo, participa com apenas 0.9% da produção nacional de abacaxi.
De novo, o estado de Pernambuco foi objeto de pesquisa de resíduos de agrotóxicos para o alho, sendo que esse estado sequer consta da listagem do IBGE sobre os produtores do produto.
Santa Cataria é o 10o maior produtor de laranja do Brasil. Contudo teve mais que o dobro de amostras que São Paulo, o maior produtor. O Amapá é o 17o produtor de laranja, nas teve o mesmo número de amostras que SP.
Com as ressalvas acima, a conclusão geral da pesquisa foi que, na maior parte, as amostras colhidas no ano safra 2014/2015 apresentaram bons índices de conformidade relativamente aos limites fixados pelo MAPA para resíduos de agrotóxicos e contaminantes. Isso não significa ‘livre de agrotóxicos e de contaminantes’, mas sim, que, na maior parte, os níveis constatados não ultrapassavam os limites tolerados pela generosa legislação brasileira 3 .
Contudo, a pesquisa constatou violações severas da legislação em todos os produtos pesquisados, fato que confirma que a segurança dos alimentos no Brasil mantém-se como um objetivo a ser conquistado. Os brasileiros estão expostos a riscos letais pela ingestão de produtos que deveriam ser alimentos.
As violações detectadas se estenderam do uso de produtos proibidos para as culturas especificadas; a alimentos contaminados com venenos proibidos no Brasil, além de achados de contaminantes e agrotóxicos em níveis muito acima do tolerado pela legislação.
O curioso é que o discurso sobre o rigor da pesquisa não é acompanhado de igual rigor nos controles. O Art. 4o da Portaria no 52, fixa como ação do governo ante às graves violações detectadas pela pesquisa, a recomendação aos setores produtivos para que sejam adotadas medidas de educação sanitária para atendimento às boas práticas agrícolas. Ora, sugerir medidas educativas, sem punições severas para quem envenena a comida de uma população é cumplicidade no crime.

 

(1) abacaxi, alho, amêndoa de cacau, alface, amendoim, arroz, banana, batata, beterraba, café, castanha do Brasil, castanha decaju, cebola, cenoura, feijão, kiwi, laranja maçã, mamão, manga, milho, morango, pera, pimenta do reino, pimentão, soja, tomate, trigo e uva.

(2) Ver a respeito: Dez anos de transgênicos (na legalidade), Teixeira, G (16/12/2013). Disponível no site das ABRA

(3) A propósito, durante o governo FHC, Ato do Ministério da Agricultura elevou em 50 vezes o limite permitido de glifossato nos grãos de soja (de 0,2 para 10,0 mg/kg). Essa medida, consolidada em 2003 por Ato da ANVISA, foi crucial para a aprovação e avanço dos transgênicos e, em particular, da soja RR, e também para o crescimento exponencial do uso de herbicida na Brasil. Na época, a ‘indústria’ ainda achou pouco: demandava o aumento para 20 mg/kg.

 

(continua)

 

 

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