EDITORIAL: O futuro foi ontem?

Grande parte das pessoas que se afirma marxista não terá lido na integra O Capital, de Karl  Marx, tal como a maioria dos Diário de Bordo - IIcatólicos nunca se terá dado ao trabalho de ler os Evangelhos. Lutam, não com a convicção revolucionária indispensável, mas por palpite. Mas isso nem tem grande importância.

O grave é que os trabalhadores, dadas as competências adquiridas, sentem mais afinidades com quem explora do que com quem é explorado.

No princípio dos anos 60, havia um rapaz, salvo erro, estudante do Instituto Superior Técnico, frequentador habitual do «Pão de Açúcar», um café situado na esquina da Alameda D. Afonso Henriques com a avenida Almirante Reis, que quando alguém lhe era apresentado, disparava logo a pergunta: «Você já leu o Politzer?»  A resposta afirmativa era condição sine qua non para a conversa prosseguir normalmente. Para o jovem, não merecia a pena perder tempo com quem não  tivesse lido os Princípios Elementares de Filosofia, de Georges Politzer, um filósofo marxista francês, fuzilado pelos alemães. Havia outra obra «obrigatória» para quem quisesse ser creditado como revolucionário – O Processo Histórico, de Juan Clemente Zamora. Circulava também intensamente, um Pequeno Dicionário do Militante Operário, editado pelas  Comisiones Obreras. E  havia as edições brasileiras da Vitória com excertos de O Capital.

Armados com esses frágeis conhecimentos, muitos jovens, filhos da burguesia, lançavam-se convictamente na luta política, eram presos, torturados quando, muitas vezes não entravam na clandestinidade ou iam para o estrangeiro, quase sempre para Paris. Nem todos eram militantes do Partido Comunista, pois consideravam o PCP um ninho de burgueses. Para esses, Estaline era a causa de todos os males e do facto de a Revolução não se fazer. Muitos deles, tão burgueses como os pecepistas, idolatravam a Coreia do Norte, a China Popular, a pobre Albânia. Mas, embora as confusões ideológicas fossem muitas, sabíamos de que lado estávamos e quem era o inimigo.

Principalmente a partir de 1789, embora haja episódios anteriores, os trabalhadores, quer os camponeses, quer os que se especializavam em trabalhos específicos, foram conquistando direitos- essa permanente tensão entre capital e trabalho deu lugar a esta sociedade híbrida em que vivemos.

O avanço das ciências humanas, criou  ideia de que o sistema capitalista acabou, que estamos a viver dentro de um novo sistema a que só falta pôr o nome, tem adeptos. Mas não convence. Os conceitos com que caracterizávamos as relações entre capital e trabalho, terão mudado. Mas a exploração continua. Falar de «classe operária», «proletariado», provoca sorrisos. Os filhos dos operários, são licenciados, mestres, doutores… Com a sua actividade, provocam o crescimento de empresas que, muitas vezes, recorrem a trabalho escravo em países do Terceiro Mundo. Mas acham que a luta de classes acabou.

O capitalismo ou o que se queira chamar ao sistema que governa a Humanidade, é um animal mutante que se vai adequando às novas situações. Nós, aqueles que queremos que o mundo se transforme e a vida mude, continuamos a usar os métodos de luta que há dois séculos  tinham alguma eficácia. Partidos, sindicatos,  eleições em que escolhemos representantes que não nos representam. Enfim, uma luta desigual.

Se calhar, devíamos (re) ler o Politzer.

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