CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1. FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÓMICA (1ª PARTE), por WILHEIM LAUTENBACH

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota. Revisão de Francisco Tavares.

Fundamentos da Teoria Económica (1ª Parte)

Wilheim Lautenbach

1. O lucro das empresas e o volume de emprego

[Esta análise teórica inicial questiona-se sobre a relação entre o montante dos lucros empresariais, os investimentos e o grau de utilização das forças produtivas (produção e trabalho) numa economia fechada, (excluindo a influência do Estado na atividade económica) vista esta a partir da influência da atividade econômica nacional em que se tomam os salários e a poupança dos não empresários como um dado ou,  dito de outra forma, como independentes  e onde se ignora ou se exclui a possível influência das disposições dos bancos individualmente tomados assim como a possível influência de uma política conscienciosa de crédito. Também se ignora aqui a influência da taxa de juro como um custo ou como uma receita sobre as decisões da empresa, para assim isolar a sua influência e o seu efeito de volume em face do que é mais claramente importante para a tomada de decisão pelo empresário: a influência e o efeito de querer alcançar  ótimos  resultados previsionais induzidos pela procura. Em matéria de política económica,  esta análise incide sobre a questão de quão altos devem ser os lucros e os investimentos, de modo a que, nestas condições, o potencial de produção seja totalmente utilizado.]

a) Os lucros empresariais e as necessidades das empresas

Uma das premissas da economia clássica é o axioma segundo o qual em concorrência pura e perfeita numa economia fechada, a situação de equilíbrio económico estabelecido é automaticamente alcançado por ela mesma, ou mais corretamente dito, a economia gravita constantemente em torno deste estado de equilíbrio e, como resultado, temos que todas as forças produtivas são então completamente utilizadas e, como tal, obtém-se necessariamente o mais elevado valor possível para o PIB. Este é pois um dos pressupostos da teoria económica clássica. Existem duas explicações para a contradição entre esta tese teórica e a realidade económica, como a vemos sucessivamente, a variar entre pontos altos e baixos de atividade económica.

 (I). A condição sob a qual a proposição se considera verdadeira, ou seja, de que se verifica  a concorrência pura e feita em todos os lugares e consistentemente por todo o sistema, não é satisfeita. Como resultado o sistema económico perde a sua capacidade de adaptação e de corrigir rapidamente os desvios face à tendência, e em qualquer situação que não seja de equilíbrio.

2. Através da moeda e especialmente na sua forma moderna, pelos instrumentos financeiros, o processo poderia ser desastrosamente interrompido pelo disparar repentinamente da inflação e da deflação, e daí as crises e o caminhar de deflação em deflação.

Foi preciso dar-se o terramoto económico que rebentou em 1929 sobre todas as economias para que pelos menos alguns teóricos acordassem do seu profundo sono dogmático com que envolveram toda a ciência econômica com tudo o que restava à sua volta e fizeram-no de forma mais intensa que a magia da Bela Adormecida.

A primeira brecha visível no muro do dogma da teoria foi colocada por J.M. Keynes com o Treatise on Money editado em 1930, e com o seu livro “A teoria geral do emprego” lançada cinco anos mais tarde, com que firmemente se minou as bases da teoria clássica. Nos quinze anos desde a publicação de seu Tratado sobre dinheiro 3) a nova conceção da economia tornou-se vitoriosa e forçou mesmo com a sua motivação a que se abandonassem posições que os mais fiéis defensores da antiga teoria, consideravam inexpugnáveis e indispensáveis e até mesmo teoricamente fundamentais. Quase nenhum dos derrotados possuía a honestidade e a sinceridade para admitir a derrota e abrir-se a admitir o erro. Em vez disso, eles constantemente estão a esforçar-se para manter a precisão e a aplicação dos princípios do seu sistema teórico, ou afirmando também que a teoria mais recente não é, do ponto de vista dos factos, distinta da anterior a não ser pela terminologia ou, ainda, que esta assenta a sua análise em modificações em que a inelasticidade das práticas monopolistas infestava as economias e se geravam perturbações monetárias sobre todo o processo económico.

A distância entre as duas concepções teóricas é claramente provada pelo facto de que elas estão do ponto de vista económico em conflito aberto uma com a outra. Para a velha escola, cujo porta-voz é Hayek, Robbins e camaradas, seguidos depois por Haberler, Köpke e outros, deve-se combater ainda mais energicamente a política monetária como apoio à política de pleno emprego, como defende a nova escola de pensamento económico, o keynesianismo. A razão é que a escola clássica ainda acredita na tendência imanente da economia para o equilíbrio ideal, ou seja, acreditam que a economia tende sempre para a situação de equilíbrio em pleno emprego e, portanto, a política de baixas taxas de juro, o dinheiro barato, e o investimento público são basicamente um meio de amortecer ou retardar esse movimento económico.

A controvérsia não está pois definitivamente resolvida e, portanto, é não só útil, mas também necessário, uma vez mais, tentar desenvolver o moderno ponto de vista, passo a passo, de modo a que este seja tão claro quanto possível, a mostrar como se está bem distante da visão tradicional e assumindo uma visão bem mais correta; para muitas das proposições do ensino tradicional, na realidade não só não há nenhuma viabilidade de  as transpor para o mundo real como também estas não  têm nenhum verdadeiro esquema conceptual por base. Elas são completamente imaginárias. A experiência mostra que o pleno emprego é acompanhado de elevados lucros, não só em termos absolutos mas também em termos relativos. Claramente, o elevado nível de actividade ou de emprego é sinónimo de elevado valor do PNB; Mas não é necessário que o peso dos lucros dos empresários no produto nacional seja regularmente mais elevado que no caso de menor nível de emprego; pelo menos,  isso não é logicamente uma exigência do sistema. A análise teórica, como nos sugere a amostra de observações, mostra-nos com uma certeza quase natural que nos estamos a movimentar no quadro da linha clássica. Se, ao mesmo tempo, dadas as condições de produção, nós consideramos mais elevados custos marginais para um maior volume de emprego, ou seja preços mais elevados correspondentes a custos marginais mais elevados, isto significa um maior lucro absoluto e relativo da empresa. Prosperidade, o termo popular para expressar elevado nível de actividade económica geral, cobre, provavelmente, uma situação geral de bem-estar na sua verdadeira acepção, mas é geralmente também vista como um tempo ” para bons e prósperos negócios”, a partir da perspectiva do empresário. A teoria tradicional divide o “rendimento em duas partes, ou seja, uma parte imputada aos salários e uma segunda imputada aos lucros. O salário do proprietário seria determinada simplesmente pelo valor a pagar por uma entidade externa à empresa e equivalente ao serviço prestado à empresa pelo empresário. No caso de se tratar de uma empresa de dimensão internacional, os rendimentos salariais são expressos pelas remunerações dos responsáveis pela empresa. O lucro da empresa é caracterizado teoricamente pelo ganho diferencial (rendimento residual). Em equilíbrio, o preço é ajustado pelo custo marginal, o custo do produtor marginal que só obtém como receita o custo marginal gasto na produção, incluindo o seu salário imputado nos custos  mas não com  lucros. [que neste caso não existem]. Os outros empresários que produzem a custo mais baixo, em seguida, obtêm ganhos, expressos pela diferença entre o custo do produtor marginal [mais alto]  e o seu próprio custo mais baixo] . A teoria agora afirma que, com uma economia idealmente competitiva e com um funcionamento a corresponder a esta economia ideal , como eles dizem, a neutralidade da moeda tende a levar a que todas as forças produtivas existentes sejam totalmente utilizadas, o mesmo é dizer que quem quiser trabalhar encontrará sempre emprego. O problema é a afirmação da teoria  que neste caso pode ser ilustrada particularmente bem com o gráfico abaixo. Deixem-nos seguir Barone[1]). Ele primeiro toma como representação gráfica uma economia onde múltiplos produtores vendem o mesmo produto num grande mercado para assim ilustrar  o que é o lucro dos empresários.

Aqui, a curva CD é a curva de custo de vários empresários, considerando que a oferta de produção é nula para o preço mais baixo e é crescente com o preço a subir, seguindo a linha CD . Esta curva de custo representa a curva de oferta de toda a produção obtida pelo conjunto dos empresários. A curva AB representa a curva da procura total; o ponto de interseção M determina a dimensão da produção expressa em abcissa pelo ponto N mas ao custo expresso pela ordenada do ponto M sobre a linha CD, ou NM, e o produto desta ordenada de CD pelo segmento ON representa as receitas geradas pela quantidade produzida dada por ON. A área a tracejado representa, em seguida, o montante dos lucros do conjunto dos empresários. Em termos de crítica à construção deste gráfico não há nenhuma objeção relevante a assinalar, devendo-se apenas referir que se determina aqui o lucro na produção de uma única mercadoria, de uma única mercadoria de uma certa qualidade, produzida pelo conjuntos dos produtores  e num determinado mercado . De facto, a influência que a própria produção do produto e a formação de rendimento aí gerado têm sobre a procura dos bens, podem sem dúvida serem deixadas de lado e as determinantes da própria curva da procura podem também elas ignoradas. Isto pode ser muito diferente, é lógico, quando se passa de uma mercadoria individual para o total de todos os bens, ou senão mesmo de todos os bens, pelo menos para a totalidade de todos os bens de consumo. Uma vez que o consumidor é o alvo de cada produtor e de cada produção é então de bom senso considerar apenas os bens que vão para a esfera do consumidor ou que são vendidos aos consumidores. Podemos então imaginar que vamos combinar todos os custos individuais – ou seja que agregamos as curvas de oferta individuais numa curva de oferta geral. Poderíamos porém sentir agora o maior embaraço se quisermos desenhar a curva da procura total. Porque nós não podemos olhar esta curva como independente nem pelo menos aproximadamente independente da nossa curva de oferta antes desenhada. Porque quanto à forma da procura total o famoso teorema de Say de que oferta e procura são intermutáveis diz-nos que esta é equivalente à curva da oferta. A procura total dos bens de consumo é, obviamente, dependente do rendimento total, ou seja é uma função do rendimento total, do rendimento total obtido na fabricação de bens de consumo e dos bens de investimento (ou seja, bens que são produzidos mas não consumidos [improdutivamente]). Agora, a par e passo com a produção, há a formação de rendimentos, ou seja, a remuneração dos fatores de produção que são pelos empresários utilizados na produção, remunerações essas estabelecidas em termos monetários e que podem ser tomadas como um dado, se nós sabemos a escala de produção e o nível de emprego. Completamente desconhecido, mas que é também o rendimento dos empresários, há ainda o lucro dos empresários, pelo menos, o lucro empresarial, considerando que a remuneração dos empresários faz parte dos salários, [ou seja, considerando a remuneração dos empresários enquanto trabalhadores como um rendimento fixo]. Por outras palavras, se nós desenharmos a curva de custo total, ou seja, a curva de oferta hipotética para todos os empresários, em seguida, nós não saberíamos qual é que seria é o ponto limite da produção. Para o saber, precisamos de saber os rendimentos dos empresários, e estes eram determinados no gráfico anterior pela zona a tracejado que marcava os lucros empresariais no mercado para uma determinada mercadoria com uma qualidade especificada. O que nesse caso  foi possível porque se falava de um produto individualmente considerado,  porque nos é possível ignorar a função procura dos produtores pelo seu próprio produto, isso deixa de ser possível quando falamos da oferta agregada e da procura agregada de todos os bens de consumo.  O ponto de equilíbrio somente pode ser indicado quando se sabe à partida ou o preço, digamos que o nível de preços seria então dado e, neste caso, a ordenada seria previamente determinada ou alternativamente quando se conhece a quantidade produzida, ou seja se a quantidade de produção é ela à partida um dado, e então a abcissa seria previamente determinada e com ela teríamos depois o preço, ou ainda se o lucro dos empresários pode ser deduzido de forma independente da formação dos rendimentos dos outros factores e em adição a estes. Agora, a afirmação da teoria clássica é que sim, que o preço de equilíbrio em pleno emprego é sempre alcançado, uma vez que a quantidade de trabalho utilizada é teoricamente dada, devido à existência de uma tendência imanente da economia em convergir para o ponto de pleno emprego.

(continua)

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[1] Barone, Grundzüge der Theoretischen Nationalökonomie (Übersetzung Staehle) Bonn 1927, S. 21.

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Wilhelm Lautenbach, Zins, Kredit und Produktion. Texto disponível em:

https://www.amazon.de/Zins-Kredit-Produktion-Wilhelm-Lautenbach/dp/B0000BKRBS

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